Economia, eleição e o custo do improviso tributário

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A economia virou uma das principais apostas do atual governo para 2026 — e, para que isso funcione politicamente, será preciso mostrar que números macroeconômicos estão se convertendo em benefícios materiais, sobretudo para aqueles de renda menos favorecida.

Nesse desenho, a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda aparece como um “ativo” evidente de comunicação pública. A pergunta real, porém, é se o governo conseguirá sustentar essa narrativa sem que o tema fiscal a corroa por dentro. E é aqui que 2025 deixa um recado incômodo: o maior risco para o discurso econômico não está apenas nos indicadores; está na forma até aqui adotada de conduzir a política tributária.

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Quando o sistema tributário passa a ser administrado por impulsos, o Estado troca projeto por reação. E reação, nesse contexto, não é resposta estratégica — é reflexo condicionado de um Estado que teima em não aprender a planejar.

O “ativo” político é real, mas o método importa

A Lei 15.270/2025, que envolve a ampliação da faixa de isenção do IRPF até R$ 5 mil (com descontos até R$ 7.350), tem inegável potência eleitoral. A lei fala com uma base ampla, entrega uma mensagem simples e se conecta com custo de vida e renda disponível de grande parte da população brasileira.

O problema é que a economia não se resume à boa notícia tributária para o consumo imediato. O “outro lado” — a conta fiscal, a previsibilidade das regras, o efeito sobre investimento e confiança — exige coerência. E foi justamente isso que 2025 colocou em xeque. Ao invés de uma política tributária que organize expectativas, o país assistiu a uma sequência de movimentos que reforçam a percepção da tributação por improviso.

O episódio mais simbólico desse modelo de “tentativa e erro” foi a Medida Provisória 1.303/2025. A MP representava alternativa ao aumento malsucedido do IOF e, ao mesmo tempo, continha um pacote que mexia na tributação de investimentos e na CSLL de determinadas instituições financeiras.

O ponto aqui não é o mérito de cada item da MP isoladamente. O ponto é o efeito institucional. Quando medidas com esse impacto entram e saem do radar com velocidade, o contribuinte (pessoa física, empresas, mercado financeiro, setor produtivo) aprende a operar no modo “aguarde o próximo capítulo”. Isso tem custo econômico: aumenta prêmio de risco, reduz horizonte de planejamento e desloca energia do investimento para a gestão defensiva — e, inevitavelmente, para a litigiosidade.

O vício da pauta setorial: “o contribuinte da vez”

A lógica do improviso fica ainda mais evidente quando a arrecadação começa a ser organizada por alvos setoriais rotativos. Em dezembro de 2025, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou proposta (PL 5.473/2025) elevando gradualmente a tributação das bets e prevendo aumento escalonado de CSLL para fintechs/instituições correlatas.

Não se trata de dizer que setores com alta margem não possam ser tributados. Podem. A crítica é outra: quando a política fiscal abandona critérios universais e passa a operar como vitrine arrecadatória, ela incentiva lobby, degrada isonomia e reforça a sensação de que o sistema responde mais ao ciclo político do que a um desenho coerente de Estado.

Politicamente, isso é explosivo: ao mesmo tempo em que o governo busca se apresentar como agente de melhoria material (redução do custo de vida e do desemprego), ele alimenta um ambiente de insegurança normativa que pressiona preços, custos de compliance e decisões de investimento. É uma equação que se sabota.

O paradoxo de 2026: vender alívio e governar com previsibilidade

Para a narrativa econômica funcionar em 2026, o governo precisará sustentar dois planos simultâneos. Primeiramente, o plano do “alívio”, como no caso da isenção do IR, que é comunicável, simples e popular. Em segundo lugar, e mais importante, o plano da “confiança” para aqueles que geram riqueza, cuja pauta deve ser a da credibilidade fiscal, estabilidade regulatória e previsibilidade tributária.

O problema é que 2025 forneceu munição (e muita) para a crítica oposta: a de que o governo está disposto a ajustar o sistema por peças soltas, conforme a necessidade do momento. Foram muitos os exemplos: vaivém do IOF, novas retenções, novas alíquotas de receitas financeiras, vedações a créditos, CSLL setorial, novos tributos, e por aí vai. É uma narrativa fácil para a oposição e difícil de se neutralizar, caso o método continue sendo o mesmo.

Há ainda o ponto mais sensível deste debate: a demora (ou, ao menos, a lentidão prática) na regulamentação/implementação da reforma tributária do consumo. Formalmente, o país entrou na etapa de regulamentação após a EC 132/2023 e a Lei Complementar 214/2025 foi apresentada como marco do IBS e da CBS.

Ocorre que a vida real quanto ao IBS e à CBS não acontece no texto legal. Acontece nos sistemas e softwares de contabilização de receitas e apuração de tributos, nas obrigações acessórias, nos ajustes de documentos fiscais, nos procedimentos de crédito, no contencioso de transição e na coordenação federativa. Tudo isso, em meados de dezembro de 2025, continua pendente, e a concretude da nossa reforma sobre o consumo tem data e hora para acontecer: 1º de janeiro de 2026.

Surge, então, mais um paradoxo: Receita Federal e Comitê Gestor do IBS ainda precisam publicar orientações sobre a entrada em vigor da CBS e do IBS a partir de janeiro — inclusive tratando esse marco como “período de testes” e orientando obrigações principais e acessórias. Há pronunciamentos técnicos esparsos da RF e do Comitê no presente mês, sinalizando que a engrenagem operacional segue em fase de ajustes e esclarecimentos.

Isso importa muito para a pauta de 2026. A reforma do consumo deveria ser o grande eixo de simplificação e racionalidade do próximo ano. Se a implementação chega tarde, em camadas, com incerteza operacional e calibragens sucessivas, ela deixa de gerar confiança e passa a gerar ruído justamente quando a briga eleitoral exige a demonstração de “melhoria concreta”.

E ruído tributário tem efeito direto sobre preços e investimento: empresas repassam custo de conformidade, seguram decisões sobre investimentos e criam colchões financeiros para o desconhecido. O consumidor sente isso na ponta. Ou seja: a demora operacional da reforma do consumo conversa diretamente com custo de vida dos brasileiros, tema que é o coração da narrativa eleitoral.

O diagnóstico que a economia faz, mesmo quando a política prefere não ouvir

O eleitor pode até não acompanhar o detalhe do acréscimo de uma alíquota determinada, ou a criação de uma nova base de cálculo para um novo tributo (pontos que marcaram insistentemente 2025). Mas ele sente os efeitos de segunda ordem: preço, emprego, disponibilidade de crédito, custo do investimento, confiança.

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A economia, no fim, é um sistema de expectativas. Se 2026 será o ano em que o governo tentará provar que “a economia melhorou”, a oposição tentará provar que “a conta não fecha”. E, nesse duelo, o pior lugar para qualquer governo estar é no meio do caminho, anunciando alívio tributário de um lado e alimentando improvisos com acréscimo de tributação do outro. O que faria diferença — inclusive para o discurso público — seria um deslocamento de método.

Precisamos de menos medidas episódicas e de mais coerência; de menos alvos setoriais e mais base estável; de menos remendo de caixa e de mais previsibilidade de transição. Do contrário, a política tributária continuará funcionando como uma engrenagem de curto prazo — e curto prazo, em economia, costuma cobrar um preço elevado de todos os seus atores.