Economia e gênero

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Como já tive oportunidade de tratar em diversos artigos, a desigualdade não é algo condenável somente do ponto de vista moral, mas também do ponto de vista econômico, uma vez que é fator que inibe o crescimento e o desenvolvimento, implicando enorme desperdício de talentos[1] e grandes prejuízos[2].

Considerando que tivemos, na semana passada, o Dia Internacional da Mulher, é importante retomar as discussões relacionadas às desigualdades de gênero, especialmente em um país como o Brasil, onde as mulheres ainda lutam pela ocupação das posições de liderança e ganham 21% a menos do que os homens nos mesmos cargos[3].

Estudo recente demonstrou que a desigualdade de gênero atinge níveis alarmantes em 85% das grandes cidades brasileiras[4], o que significa que a maioria dos municípios com mais de 100 mil habitantes apresentam altas taxas de feminicídio e baixa representatividade feminina.

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Apenas para se ter uma ideia, de acordo com o relatório elaborado pela Tewá 225, dos 319 municípios brasileiros analisados, 99% têm taxas de feminicídio consideradas muito altas (acima de 3 para cada 100 mil mulheres) e nenhum deles alcançou um índice satisfatório de igualdade de gênero.

Tais dados mostram o quanto as inúmeras formas de desigualdade ainda fazem parte da nossa realidade, violando os direitos das mulheres e comprometendo igualmente o crescimento econômico. Este ponto fica muito claro em recente artigo do Financial Times (“The secret to a strong economy is women”[5]) cujo argumento fundamental é que a redução das desigualdades de gênero é essencialmente um imperativo econômico.

O artigo explora o exemplo do Japão, demonstrando que baixas taxas de natalidade, taxas de imigração próximas a zero e a subutilização das habilidades das mulheres foram os maiores responsáveis por três décadas de estagnação econômica. Embora, em 2013, o primeiro-ministro Shinzo Abe tenha lançado o plano econômico Womenomics, objetivando reverter esse quadro e aumentar a participação feminina no mercado de trabalho, os resultados não foram tão satisfatórios.

Com efeito, o plano não foi tão bem sucedido, porque, embora mais mulheres japonesas estejam trabalhando, quase metade está alocada em trabalhos por tempo parcial ou temporários, ainda persistindo um gap salarial de 32%.

Os Estados Unidos estariam enfrentando problema semelhante, uma vez que, também lá, as mulheres continuam sub-representadas na força de trabalho em todos os níveis, em todas as faixas etárias e praticamente em todos os setores. A participação feminina na força de trabalho é de 57% em comparação ao 68% de participação masculina. São 11 pontos percentuais de diferença, embora as mulheres correspondam à metade da população.

Também persiste nos Estados Unidos um gap de remuneração em todas as faixas etárias e um problema de liderança, já que, mesmo as mulheres tendo 59% dos títulos de educação superior – college degrees – ainda assim são apenas 11% da Fortune 500 CEOs.

Daí a conclusão do artigo de que, se conseguíssemos superar essas desigualdades, a economia americana e o próprio país seriam mais fortes e mais competitivos. Se a participação feminina na força de trabalho atingisse os maiores níveis vistos em outros países do G7, haveria aproximadamente 7 milhões a mais de mulheres no mercado de trabalho norte-americano, o que poderia levar a um crescimento adicional de 4,2%, número que representa um grande impulso para uma economia que cresce menos de 2% ao ano desde 2015.

Ademais, o artigo também mostra que vários estudos demonstram que fortalecer os talentos femininos beneficia diretamente as companhias, pois negócios com mulheres em pelo menos 15% dos cargos de gerência sênior reportam lucros 50% maiores do que aqueles com mulheres em menos de 10% das posições de liderança, de acordo com um estudo gerencial feito pelo Credit Suisse em 2016.

Daí a conclusão de que, como infelizmente ainda vivemos em uma cultura que não encoraja as mulheres a liderar ou felicita suas contribuições, os benefícios econômicos da inclusão acabam não ocorrendo. Barreiras sistêmicas ainda existem, especialmente para mulheres negras, o que constrange não apenas as mulheres, mas a economia como um todo em praticamente todos os países do mundo.

Consequentemente, é fundamental nivelar o campo competitivo para as mulheres, inclusive no que diz respeito a assegurar-lhes acesso a recursos do capital social que os homens sempre tiveram, tais como mentorias, patrocínios e networks. Outro ponto fundamental, segundo artigo, é atacar todos os vieses para a contratação e a promoção de mulheres.

Sobre esta última questão, vale ressaltar o famoso experimento de Claudia Goldin, prêmio Nobel de Economia, e Cecilia Rouse, que demonstraram que as audiências às cegas aumentaram em 50% a probabilidade de uma musicista mulher passar para as fases finais da competição, o que acabou elevando a proporção de mulheres nas grandes orquestras americanas a 25% do total de integrantes[6].

Tais questões mostram que o Dia Internacional da Mulher deve ser pensado mais um contexto de preocupação do que de comemoração, até diante da lentidão com que as mudanças vêm ocorrendo e dos riscos de estagnação ou mesmo de retrocessos.

Com efeito, segundo o Instituto Europeu para Igualdade de Gênero, mantido o ritmo das transformações, ainda levará 60 anos para acabarmos com o problema, especialmente no domínio do poder[7]. Ainda há receio de reversões de muitas conquistas, uma vez que as novas gerações estão ficando mais conservadoras e o fluxo informacional da internet tem aumentado a misoginia e a violência de gênero[8].

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Não é sem razão que recente relatório da ONU aponta que a discriminação de gênero continua extremamente enraizada em nossas economias e sociedades e que um em cada quatro países relata retrocessos nos direitos das mulheres[9].

Apenas a título de exemplo, houve aumento da violência sexual em 50% desde 2022, as mulheres continuam a fazer duas vezes e meia mais trabalhos de cuidado não remunerados e também são as mais afetadas pela extrema pobreza. Aliás, no atual ritmo, precisaríamos de 137 anos para reverter a extrema pobreza que aflige mulheres e meninas.

Nesse contexto, é fácil entender a recente declaração de António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, de que “em vez da normalização da igualdade, estamos vendo a normalização da misoginia”.[10] É sobre isso que precisamos pensar por ocasião do Dia Internacional da Mulher, seja em prol dos legítimos direitos das mulheres, seja em prol dos benefícios econômicos que decorreriam da maior inclusão.


[7] ttps://eige.europa.eu/publications-resources/toolkits-guides/gender-equality-index-2020-report/gender-equality-will-be-reached-over-60-years-current-pace?language_content_entity=en