É preciso unificar os regimes de responsabilização no TCU

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O TCU responsabiliza gestores públicos de duas formas. Há casos em que o tribunal identifica um dano ao erário e determina o ressarcimento. É o que se costuma chamar de responsabilização civil. E há os casos em que o TCU pune o descumprimento de alguma regra de gestão pública, sem dano financeiro. É a hipótese de responsabilização administrativa, que dá origem a multas e inabilitações.

O entendimento de que coexistem dois regimes de responsabilização no TCU é relativamente recente, construído após mudanças promovidas pela Constituição e pela Lei Orgânica de 1992. Duas dessas mudanças foram radicais.

Primeira: o TCU ganhou o poder de multar agentes públicos quando identificado algum “ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico”. Antes, a aplicação de multa pelo TCU era rara, ocorrendo à luz de hipóteses de cabimento mais específicas, geralmente em casos de atraso no envio de documentos ao tribunal ou em razão do desrespeito a regras orçamentárias.

Segunda: após 1988, o conceito de “dano” ao erário passou a guiar a atuação do TCU. Antes, adotava-se o conceito mais restrito de “alcance”, reservado para hipóteses em que o gestor público não conseguia comprovar a localização ou o destino de bens confiados à sua guarda. A lógica era tão distinta da atual que a doutrina não falava em responsabilização civil, mas sim em responsabilização contábil no âmbito do TCU. A aproximação do controle de contas com o direito civil, verificada por aqui, não ocorreu, por exemplo, na França ou na Espanha. Não à toa, os tribunais de contas desses países hoje possuem atuação punitiva muito mais modesta.

A guinada do mundo da responsabilização contábil para o regime dual vigente, em que o TCU possui amplos poderes punitivos, tem gerado alguns problemas.

O primeiro é o da inadequação processual. Em aspectos cruciais, as regras que hoje disciplinam a condução de processos no TCU são semelhantes às criadas em 1850 por D. Pedro II, durante a reforma do Tribunal do Tesouro Público Nacional. Citem-se, por exemplo, a impossibilidade de produção ampla e imparcial de provas; e a inexistência de prazo prescricional fixado em lei.

O segundo problema é o da instabilidade decisória. Em certos contextos, o TCU se vale da dualidade de regimes para afastar regras que, a princípio, seriam aplicáveis a todos os seus processos. O caso recente mais notório envolve o art. 28 da LINDB. Segundo a atual jurisprudência do TCU, a existência de dolo ou erro grosseiro é um requisito tão somente para a responsabilização administrativa. Na responsabilização civil, bastaria a comprovação de culpa simples para a condenação.

Um último problema diz respeito à vagueza da política sancionadora do TCU. A ideia de que as atividades de responsabilização do TCU seguem o conceito civilista de “dano” (amplo, indeterminado) é uma barreira para a tipificação clara das condutas que realmente merecem ser reprimidas. O resultado é, de um lado, uma diminuição da potência do controle exercido sobre a administração pública e, de outro, o aumento da insegurança jurídica.

É preciso, portanto, pensar na unificação, por lei, dos regimes de responsabilização no controle de contas, num modelo semelhante ao da lei de improbidade, com regras próprias e únicas sobre prescrição, tipicidade, culpabilidade, garantias processuais. Dado o atual protagonismo do TCU, não há mais espaço para o uso reiterado, por analogia, de regimes jurídicos criados para outros fins.