A revolução digital das últimas décadas ampliou drasticamente o acesso à informação. Esta parece ser uma conclusão unânime. O que não é automático é a percepção de que esse acesso altamente expandido não resultou necessariamente em uma ampliação da visão de mundo dos usuários. Isso pode não fazer sentido em um primeiro momento, mas alguns fatos e fatores nos mostram o quão desafiador é o mero acesso à informação nos dias atuais.
Como exemplifica o professor Diogo Rais a partir dos dados da empresa Domo, a cada minuto de nossas vidas há novas 500 horas de vídeo no YouTube, de modo que a cada novo dia temos 720 mil horas de novos vídeos nesta plataforma. Isso significa dizer que se uma pessoa parar toda a sua vida para assistir a todos os vídeos que foram publicados apenas na plataforma YouTube no dia anterior, ela levará mais de 80 anos para ver apenas o que aconteceu no dia anterior.
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Por mais paradoxal que pareça, a imensa quantidade de informação nova a que somos expostos a cada minuto acaba, na prática, nos impedindo de absorvê-la por completo. A conclusão é: há uma quantidade praticamente infinita de conteúdo sendo produzido a cada instante na internet, de modo que, inevitavelmente, alguém – ou algo – escolhe o que cada pessoa verá.
Esse “algo” são os algoritmos das plataformas digitais, que operam como curadores invisíveis, delimitando os limites da realidade digital de cada usuário das plataformas de redes sociais sem qualquer interferência ou fiscalização estatal – ou de quem quer que seja.
A promessa inicial da internet era de um espaço descentralizado, onde qualquer um poderia acessar qualquer conteúdo, sendo as plataformas de redes sociais meros intermediários do conteúdo. O funcionamento como mero “mural de recados” se mostrou bastante diverso com o passar do tempo. Contudo, a programação algorítmica gera um efeito contrário: ao invés de ampliar perspectivas, ela reduz a exposição do usuário a conteúdos que reforçam suas crenças preexistentes.
Não se pode deixar de considerar que nas redes sociais, dada sua característica mercadológica, o que conta é o tempo de engajamento de cada usuário em cada plataforma[1]. É assim que os algoritmos permitem que se possa identificar os temas que importam para cada usuário, possibilitando a exploração de uma campanha de comunicação praticamente individualizada.
O feed personalizado transforma a pluralidade teórica da internet e da sociedade em um fluxo limitado que passa pela “timeline” de cada usuário. O resultado é um consumo de informação profundamente influenciado pelas regras das plataformas, não pela diversidade real de ideias disponíveis na rede.
Essa lógica se aplica com especial intensidade ao debate político e eleitoral. Durante as campanhas, a escolha do que viraliza e do que se perde no ruído digital não ocorre de forma espontânea, ou orgânica, mas sim conforme critérios fixados pelas plataformas, aos quais não se tem acesso. A seleção não é feita apenas pela popularidade dos conteúdos – como já se imaginou –, mas também por interesses comerciais, regras internas de moderação e outros fatores não informados para os usuários. Não se sabe, ao certo, que conteúdo é entregue e a quem é entregue.
A transparência na prestação de contas das campanhas eleitorais revelou que o Facebook foi o fornecedor mais contratado entre todos os prestadores de serviço para candidatos no Brasil. De acordo com o site do TSE[2], a plataforma recebeu R$ 196.695.037,87, o que representa 3% de todos os valores gastos em campanha.
O volume expressivo de recursos destinados à plataforma nos apresenta um fator determinante que escapa ao controle dos candidatos e da fiscalização eleitoral: não é possível garantir que valores idênticos resultem no mesmo alcance ou impacto.
Os R$ 100 impulsionados pelo candidato A podem atingir um público completamente diferente dos R$ 100 impulsionados pelo candidato B, mesmo que ambos utilizem os mesmos critérios de segmentação e, no exemplo, tenham efetuado o pagamento da mesma quantia.
Isso ocorre porque a distribuição dos anúncios é definida pelos algoritmos da plataforma, que levam em consideração variáveis como comportamento do usuário, engajamento prévio e concorrência por espaço publicitário, tornando a comparação entre campanhas algo impreciso e imprevisível.
Assim, é de se destacar que o tratamento dado pelos indexadores de resultado e de entrega de informação não é claro. Não se sabe se o ranking de resultados revela uma neutralidade da plataforma ou uma apresentação de resultados forjada por vieses.
Não é possível nem mesmo localizar todo o conteúdo de natureza eleitoral e política, na medida em que o direcionamento de manifestações de pensamento político, por meio de patrocínio de veiculação por pessoas físicas não candidatas, não precisa ser comunicado à Justiça Eleitoral e, em tal situação, acaba por escapar completamente à regulação eleitoral.
O avanço social e político nesta era digital trouxe consigo a regulação do acesso à informação atual por parte das empresas de comunicação e a necessidade de uma nova interpretação regulatória legal, com alterações legislativas e de interpretação para que seja possível aferir eventual descompasso dessas novas formas de comunicação com o regime democrático no momento do processo eleitoral, uma vez que atualmente o uso indevido da internet pode ser configurável também como abuso dos meios de comunicação social[3].
A experiência regulatória brasileira parte do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que conferiu às plataformas o status de intermediárias neutras, sem responsabilidade pelo conteúdo postado por terceiros, salvo descumprimento de ordem judicial.
No entanto, o cenário atual evidencia que essa abordagem se mostra defasada, o que se confirma com a existência de escândalos como o da Cambridge Analytica e do Brexit. Não é mais possível acessar toda a informação postada, sendo acessível apenas aquilo filtrado e escolhido pela plataforma.
Ocorre que atualmente não há qualquer forma de regulação externa, sendo que as plataformas exercem a moderação dos conteúdos e o alcance deles com base nas suas políticas internas, visando resguardar seus próprios termos de uso. A plataforma disciplina de forma privada e unilateral seus próprios termos e condições e, posteriormente, avalia o cumprimento destes mesmos termos internamente.
Diante desse contexto, um dos caminhos mais promissores para lidar com a autorregulação das plataformas é a exigência de transparência sobre o funcionamento dos algoritmos. O problema não é apenas que cada usuário recebe um conteúdo diferente, mas sim que não há clareza sobre os critérios usados para definir essa seleção.
Atualmente as redes sociais não apenas hospedam conteúdo, mas influenciam ativamente seu alcance, funcionando como verdadeiros editores digitais. Esses casos demonstraram a importância – e urgência – de se observar o problema não apenas sob a ótica dos institutos de Direito Civil, pois não se tratava de uma relação apenas entre indivíduo e empresa privada, mas de premissas fundamentais ao próprio estado democrático.
O desafio regulatório para a manutenção de um ambiente eleitoral consentâneo aos parâmetros constitucionais e normativos de manutenção do espaço democrático de igualdade de oportunidades entre candidatos e eleitores se mostra ainda mais complexo.
Uma alternativa viável seria a implementação de mecanismos de auditoria e testes periódicos nos sistemas algorítmicos das plataformas. Ainda que os códigos-fonte completos não sejam divulgados por questões comerciais e de segurança, modelos de teste poderiam permitir que pesquisadores e órgãos reguladores avaliassem como os algoritmos impactam a disseminação de conteúdo. Essa abordagem pode fornecer um controle maior sobre o impacto social das redes sem recorrer a formas de censura prévia.
A autorregulação das plataformas é um fenômeno inevitável, mas não pode ser irrestrito. Se as redes sociais determinam o que cada usuário vê, então elas possuem um poder que vai além da mera hospedagem de conteúdo.
A regulação estatal, no entanto, não pode ser a única resposta. É preciso um equilíbrio entre mercado, sociedade, tecnologia e normas jurídicas. Mais do que punir postagens individuais, o objetivo deve ser garantir transparência e evitar que a estrutura das redes distorça a realidade informacional ao ponto de comprometer a formação do pensamento e autonomia dos cidadãos.
O desafio regulatório não é simples, mas uma coisa é certa: desligar a internet não é mais uma opção. O caminho, portanto, deve ser encontrar meios de garantir que o ambiente digital continue sendo um espaço de debate livre, especialmente quando se trata de veiculação de discurso político, mas que não seja refém da opacidade algorítmica que molda, sem controle, a esfera pública contemporânea.
[1] DA EMPOLI, Giuliano. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019, p. 155.
[2] https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/consulta-individual/rank-doadores-fornecedores/2045202024/2024
[3] SILVEIRA, Marilda. As Novas tecnologias no processo eleitoral: existe um dever estatal de combate à desinformação nas eleições? In: ABBOUD, Georges (org.); JÚNIOR NERY, Nelson; CAMPOS, Ricardo. Fake News e regulação. 2 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, p. 299