É possível garantir alta integridade em projetos privados de carbono no Brasil?

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Casos de créditos superestimados, ausência de benefícios para comunidades e falta de transparência colocaram a viabilidade de projetos de carbono em cheque no Brasil — tanto por parte da sociedade civil quanto de investidores e reguladores.

Entretanto, novas abordagens no desenvolvimento de iniciativas florestais demonstram que é plenamente possível – e necessário – reverter esse cenário ao conciliar preservação ambiental e desenvolvimento econômico, além de fortalecer a prática de Redução de Emissões decorrentes de Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).

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O Brasil possui um dos maiores patrimônios naturais do mundo e, ao mesmo tempo, enfrenta desafios consideráveis em relação ao desmatamento e ao uso do solo. Como bem ressaltou o climatologista e pesquisador Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da USP, em 2019, “se o desmatamento na Amazônia ultrapassar cerca de 20% a 25% da cobertura florestal original, a floresta poderá sofrer uma transição irreversível para um ecossistema de savana”.

Nesse contexto, os projetos de carbono, associados a políticas públicas de ordenamento territorial e conservação florestal, exercem papel fundamental para frear a perda de cobertura vegetal e agregar valor econômico à conservação de ecossistemas.

Esses projetos consistem na geração de créditos de carbono que podem ser negociados no mercado voluntário e, para que sejam confiáveis e efetivos, é essencial que as reduções de emissões sejam reais, adicionais e permanentes, garantindo que investidores, empresas e a sociedade em geral tenham segurança no investimento em iniciativas com impacto climático positivo.

Para conquistar credibilidade, a nova geração de projetos de carbono adotou um modelo de alta integridade, que supera a simples contabilidade de toneladas de CO₂. Essa abordagem tem como base: Governança; Impacto das Emissões e Desenvolvimento Sustentável. A integração desses pilares transforma projetos de carbono em ferramentas de inclusão social, de promoção do desenvolvimento regional e de conservação dos ecossistemas.

Para reforçar o compromisso com a integridade, muitos projetos de carbono no Brasil adotam princípios amplamente reconhecidos internacionalmente, com diretrizes claras de governança, quantificação de emissões e sustentabilidade, como é o caso dos Core Carbon Principles, do Integrity Council for the Voluntary Carbon Market (ICVCM), órgão de governança independente, liderado por múltiplas partes interessadas. Esses padrões são úteis em diversos tipos de iniciativas, inclusive naquelas focadas em REDD, o que garante a confiabilidade do processo e afasta os riscos de práticas de baixa integridade.

A alta integridade na geração de créditos de carbono começa com um processo rigoroso de due diligence, que mapeia a cadeia fundiária dos imóveis, o histórico socioambiental dos parceiros e a observância às normativas de direitos humanos. Essa análise ajuda a evitar conflitos futuros e a invalidação dos créditos.

Além disso, a adoção de boas práticas de compliance previne atos de corrupção, reforça a transparência nas transações e assegura a conformidade legal. Monitoramentos frequentes e auditorias internas e externas corroboram a efetividade dessas políticas. Tais ações garantem segurança para todas as partes e promovem impacto climático real com benefícios concretos para as comunidades locais.

O Brasil conta com forte potencial de engajamento comunitário em áreas florestais. Populações tradicionais e agricultores familiares podem desempenhar papel central na preservação florestal e no manejo sustentável, desde que haja consulta prévia, livre e informada e a devida repartição de benefícios.

A renda advinda dos créditos de carbono torna-se uma fonte de incentivo para a manutenção de boas práticas de conservação, capacitação local, geração de empregos, fomento da equidade de gênero e dinamização da economia baseada em produtos florestais. Esse processo, aliado à inclusão social, reforça o valor e a credibilidade do crédito de carbono gerado.

Ferramentas de sensoriamento remoto, imagens de satélite em tempo quase real e sistemas de georreferenciamento também são importantes e trazem mais transparência ao processo. Com base nesses recursos, torna-se viável demonstrar que a floresta permanece de pé, mensurando de forma confiável o estoque de carbono e o impacto positivo para a biodiversidade.

Essas tecnologias, quando somadas a verificações independentes, fornecem uma visão clara e segura de que a redução de emissões pretendida pelo projeto está ocorrendo, consorciada com a efetiva melhora na qualidade da biodiversidade dos territórios, consolidando a confiança de compradores, investidores e demais interessados.

Para concluir, é importante pontuar que o mercado de carbono se fortalece quando os projetos são conduzidos sob altos padrões de integridade e transparência. Ao alinhar governança rigorosa, compliance, participação comunitária, benefícios socioeconômicos e uso de tecnologias avançadas, cria-se um cenário em que a preservação das florestas se torna uma atividade economicamente viável e socialmente justa.

A experiência brasileira demonstra que é possível, sim, desenvolver projetos privados de carbono de alta qualidade, capazes de cumprir metas de mitigação de emissões e fomentar o desenvolvimento local. Esse movimento, alinhado à prática de REDD, continua a evoluir e se adaptar, provando que, ao unir boa gestão ambiental, inclusão social e inovação, torna-se factível manter florestas em pé ao mesmo tempo em que se gera riqueza e resiliência no território.