“Já é Carnaval, cidade! Acorda pra ver!” são os versos interpretados por Gerônimo Santana anunciando a chegada da folia momesca no mês de fevereiro de cada ano.[1] Todavia, os meses que antecedem o início dos festejos demandam planejamento, organização, contratação e execução de atividades concatenadas entre diversos agentes públicos, privados e do terceiro setor para viabilizar a infraestrutura dessa grande festa nacional.
De um lado, municípios como Belo Horizonte, Florianópolis, Olinda, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo organizam-se para propiciar aos foliões (cidadãos locais, turistas nacionais e até mesmo estrangeiros) a melhor folia de rua.
Em outra perspectiva, o período do verão também é favorável para a ampliação de vendas de produtos e contratações de serviços promovidos por diversos segmentos de mercado. Uma parte das empresas brasileiras deseja iniciar o ano colocando “o bloco na rua” e atrelando seus projetos de construção de marca aos preparativos para a folia de Momo.
Nesta fase preliminar, a participação e engajamento de todos os atores envolvidos com as festividades viabiliza a construção da infraestrutura e das características culturais intrínsecas ao evento: agentes públicos, empresas patrocinadoras, produtores de eventos, organizadores de blocos, entidades da associação civil (a exemplo das agremiações carnavalescas) além, é claro, dos próprios foliões.
A modelagem do patrocínio é um dos aspectos jurídicos fundamentais para a organização da festa. A estrutura montada para a prospecção e captação de parceiros públicos e privados para a festa ganha destaque no contexto de aplicação da estratégia empresarial e publicitária das marcas durante o período da folia.
Sem nenhuma pretensão de esgotar o tema[2], pretendo abordá-lo brevemente a seguir distinguindo os contratos de patrocínio em dois tipos principais: o passivo e o ativo. Na sequência, o texto abordará as contrapartidas habitualmente ofertadas nos contratos que integram estas categorias e conclui avaliando o impacto dessas escolhas na tomada de decisão sob a ótica dos parceiros privados.
A modelagem do patrocínio do Carnaval navega em uma via de mão dupla. Na primeira via, é possível que a Administração Pública (em regra, municipal ou estadual) realize o patrocínio direto de eventos públicos ou privados, agremiações carnavalescas e outras entidades como mecanismo de fomento turístico e cultural.
É o chamado contrato de patrocínio ativo, no qual há repasse de recursos públicos para entidades integrantes da Administração Pública ou para entidades privadas avançarem com a organização da folia de rua.[3] Este caso envolve uma hipótese de inexigibilidade de licitação (art. 74, caput, da Lei Federal 14.133/2021), na medida em que é suficiente a comprovação das contrapartidas (tangíveis e intangíveis) de construção da marca do ente federativo e, ainda, de concretização do fomento para justificativa da escolha pública.[4]
Na segunda via, o desafio da Administração Pública captar recursos privados destinados aos eventos públicos também é uma atividade que merece atenção. Trata-se, aqui, do contrato de patrocínio passivo, onde o ente federativo angaria recursos (especialmente de natureza financeira) para colocar de pé a infraestrutura e demais ferramentas de fomento necessárias à viabilização da folia de rua.
A escolha do modelo de captação do financiamento privado oscila em razão da escolha do gestor público, pois não há uma tipicidade legal preestabelecida para promover esse tipo de contratação.
A nova Lei de Licitações instituiu uma espécie sofisticada de inexigibilidade de licitação ao prever expressamente o chamamento público como processo de credenciamento auxiliar da Administração Pública na dinâmica de contratações (art. 6º, inciso XLIII c/c art. 79). O chamamento público pode ser considerado um procedimento competitivo genérico no qual os particulares apresentam as melhores propostas perante a Administração Pública, mediante o atendimento de critérios gerais previstos no edital de convocação.
A depender dos parâmetros definidos no edital, o gestor público poderá, inclusive, selecionar mais de uma proposta para a organização do evento, caso elas também sejam compatíveis entre si. A tradução dessa “compatibilidade” pode ser materializada na ausência de uma sobreposição ou associação de marcas concorrentes em um determinado consumidor (salvo anuência expressa das partes), à luz dos seus respectivos segmentos de mercado.
Diversas contrapartidas podem ser ofertadas pelos Entes Federativos responsáveis pela prospecção do patrocínio privado, dentre elas a construção de ações de comunicação visual em equipamentos públicos, out of home (OOH) e campanhas digitais.
O Ente Federativo também pode conceder uma exclusividade publicitária e comercial temporária aos patrocinadores oficiais do evento, com o objetivo de restringir o comportamento oportunista (em sentido econômico) de captura do evento (e dos seus demais ativos intangíveis) por atores de mercado que não realizaram um investimento em favor da folia momesca.
A ideia não é nova: ela ganhou corpo no Brasil a partir da edição temporária das regras de organização da Copa do Mundo de 2014 (Lei Federal 12.663/2012); teve o seu conceitual mantido na edição da Lei dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 (Lei Federal 13.284/2016), ainda em caráter provisório; e adotou novos contornos a partir da sanção presidencial da Lei Geral do Esporte (vide arts. 168 a 172 da Lei Federal 14.597/2023).
A lógica de combate ao marketing de emboscada (ambush marketing)[5] instituída originalmente pela União para preservar e valorizar os ativos de propriedade intelectual do portfólio do Comitê Olímpico Internacional (COI) e da Fifa foi incorporada por outros entes federativos (Distrito Federal, estados e municípios) na organização do calendário de eventos locais.
Os gestores públicos detêm um papel central na adoção de boas práticas de contratações públicas envolvendo patrocínios, seja capitaneando a edição de marcos regulatórios locais, organizando audiências e consultas públicas sobre o tema ou, ainda, definindo os critérios de seleção dos parceiros privados.
A soma dessas escolhas determinará uma proposta de contratação mais ou menos sedutora aos investimentos privados no contexto de organização dos eventos públicos de cada ente federativo.
[1] Música intitulada “Lambada da Delícia”, presente no disco “Gerônimo I, Rei de Lambadão”, de Gerônimo Santana, lançado em 1990.
[2] Para uma discussão mais aprofundada sobre a temática das contratações públicas no contexto do Carnaval de Rua, ver SANTOS, Alessandro Matheus Marques. Contratação de eventos públicos no Brasil: um estudo sobre instrumentos contratuais e melhores práticas a partir dos modelos dos carnavais de rua. 1. ed. São Paulo: Editora Dialética, 2023. Link disponível em: <https://loja.editoradialetica.com/humanidades/contratacao-de-eventos-publicos-no-brasil-um-estu do-sobre-instrumentos-contratuais-e-melhores-praticas-a-partir-dos-modelos-dos-carnavais-de-r>.
[3] Sobre a temática, recomenda-se a obra de PRANDINO, Diego. O contrato de patrocínio ativo na administração pública: fundamentos, regime jurídico e controle da atividade patrocinadora do Estado. 1. ed. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018.
[4] Conforme entendimento firmado no leading case examinado pelo Supremo Tribunal Federal: STF, Recurso Extraordinário 574.636, 1ª Turma, Relatora: Min. Cármen Lúcia. J. em 16/08/2011. Publicado no DJe de 14/10/2011.
[5] Pode ser definido como “uma campanha planejada por uma organização para associar-se indevidamente a um evento com o objetivo de obter, ao menos, um pouco do reconhecimento e dos benefícios destinados aos patrocinadores oficiais” ou, em outras palavras, “um tipo de marketing organizado por uma organização que não é uma patrocinadora oficial, mas que posiciona anúncios atrelados a um determinado evento para induzir os consumidores a prestarem atenção à publicidade comercial” (JOHNSON, Philip. Ambush marketing and brand protection: law and practice. 2. ed. Oxford: Oxford University Press, 2011. p. 8. Tradução livre do autor).