Muitos artigos têm sido publicados a propósito da Medida Provisória 1185, de 2023, que “dispõe sobre o crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico”.
Nosso objetivo, então, além de – sim – sermos mais um dos articulistas que enfrenta a matéria, é agregar argumentos para o reclame feito aos parlamentares, no sentido de que um verdadeiro aprofundamento técnico-analítico seja feito por ocasião do exame e votação da referida normativa.
E assim o fazemos na certeza de que a MP 1185 – não somente pela demanda de o Estado fazer frente aos seus gastos – foi erigida em reação a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferida quando do enfretamento do Tema 1.182, quando restou definido:
“Não ser possível excluir os benefícios fiscais relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – redução de base de cálculo, diminuição de alíquota, isenção, diferimento e outros – da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), salvo quando atendidos os requisitos previstos no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/2014”.[1]
Ora, não bastasse ser medida que atrai para o debate o fato de o Estado não se conformar com a derrota legitimamente sofrida perante o Poder Judiciário, tem-se que o reavivamento do interesse na exigência do tributo, nos moldes disciplinados na MP 1185, está em desconformidade com a Constituição Federal.
E isto ocorre porque explicitamente fere o pacto federativo, uma vez que a norma em discussão está em desalinho com o conceito clássico de que a “Federação é a forma de Estado que se traduz na autonomia recíproca entre a União e Estados-membros. (…), cada qual desfrutando de autonomia e competências próprias”[2], o que parece estar sendo afrontado pela MP 1185, quando enfrenta e/ou dita regras que de modo manifesto – mesmo que reflexas – impactam políticas públicas fiscais subvencionais criadas pelos Estados no sentido de granjear investimentos regionais. Malferimento ainda causado aos princípios da segurança jurídica, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito.
E mais, promove de modo inconstitucional a tributação do PIS e da Cofins, combinado a fato ainda mais grave, que é o fato de que referida matéria não poderia ser tratada por Medida Provisória, mas, sim, por Lei Complementar, conforme determina a Carta Magna[3].
Tem-se, ainda, que a MP 1185:
Cria trava burocrática aos contribuintes quando impõe a necessidade de habilitação do crédito do IRPJ, com posterior aprovação – ou não – pela Receita Federal;
Traz preocupação para os projetos de subvenção aprovados e em curso nos Estados;
Reduz de imediato a margem líquida de créditos dos contribuintes na ordem de 40%, refletindo por efeito reativo nos caixas estaduais;
Afasta o creditamento para a CSLL, o que resulta em aumento de carga tributária; e, sem ousarmos esgotar o tema;
Haverá uma disfunção temporal entre a tributação da subvenção e o possível momento de apuração do crédito, se, e reforça-se, se aprovado pela Receita Federal.
Em conclusão, entende-se que a complexidade do tema e os vícios de inconstitucionalidade que minam a validade da MP 1185 são razões suficientes para que os parlamentares se debrucem observando tais aspectos quando do exame da medida, frisando, por relevante, que as emendas apresentadas terão – caso acolhidas – pouca eficiência e/ou efetividade em uma solução legislativa para o texto encaminhado pelo Poder Executivo. A resolução ideal seria a rejeição integral da norma.
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O subtítulo deste artigo é uma referência a Montesquieu. In: MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755, “O espírito das leis” : apresentação Renato Janine Ribeiro; tradução Cristina Muracho. – São Paulo : Martins Fontes, 1996. – (Paideia), p. 221.
[1] Publicado acórdão de repetitivo sobre inclusão de benefícios do ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL”, ‘in’ https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2023/12062023-Publicado-acordao-de-repetitivo-sobre-inclusao-de-beneficios-do-ICMS-na-base-de-calculo-do-IRPJ-e-da-CSLL.aspx , acessado em dezembro de 2023.
[2] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. – 11 ed – São Paulo : Saraiva Educação, 2021, p. 93.
[3] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. – 11 ed – São Paulo : Saraiva Educação, 2021, pp. 56 e seguintes.