É devida a estabilidade gestacional em contratos temporários de trabalho?

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Hoje, sexta-feira, é dia de mais um capítulo do projeto “Dúvida Trabalhista? Pergunte ao Professor!”, dedicado a responder às perguntas dos leitores do JOTA, sob a coordenação acadêmica do professor, advogado e consultor trabalhista, Ricardo Calcini.

O projeto tem periodicidade quinzenal, cujas publicações são veiculadas às sextas-feiras. E a você leitor(a) que deseja ter acesso completo às dúvidas respondidas até aqui pelos professores, basta acessar o portal com a #pergunte ao professor.

Neste episódio de nº 120 da série, a dúvida a ser respondida é a seguinte:

Pergunta ► É devida a estabilidade gestacional em contratos temporários de trabalho?

Resposta ► Com a palavra, a professora Silmara Lino Rodrigues.

Após a decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), quanto à estabilidade gestacional no Tema de 542, voltou a se discutir, equivocadamente, a estabilidade gestacional para os contratos temporários firmados sob a égide da Lei 6.019/74, alterada pela Lei 13.429/2017.

Isso porque não há nenhuma aderência entre as razões de decidir capazes de possibilitar a interpretação processual de que a decisão vinculante estabelecida no Incidente de Assunção de Competência (IAC) 02 do Tribunal Superior do Trabalho (TST)[1] tenha restado superado.

A falta de aderência estrita quanto ao objeto das discussões já ficou evidenciada, a propósito, em decisão monocrática proferida pelo ministro do STF, Nunes Marques, nos autos no Recurso Extraordinário (RE) de 1.331.863, divulgado no DJE em 1º.12.2022, tendo em vista que foi indeferido na ocasião o pedido de reconhecimento da prevenção e redistribuição do processo ao ministro Luiz Fux.

Naquela oportunidade, ficou decidido que a discussão referente à estabilidade da gestante em contrato temporário (Lei 6.019/74) não possuía identidade com o objeto do RE 842.844 – Tema 542, conforme se pode extrair da sua decisão:

“A propósito, no RE 842.844 – Tema 542, reconheceu-se a repercussão geral atinente ao ‘Direito de gestante, contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ‘ad nutum’, ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória’.  Sob outro viés, a matéria em apreço neste recurso refere-se ao regime de trabalho temporário disciplinado pela Lei n. 6.019/1974. De qual sorte que é notória a ausência de identidade de objeto do leading case apontado com o do recurso extraordinário em exame”. (g.n.)

Ora, a partir de uma simples análise das decisões, de se ver que os julgados detêm a mesma ratio decidendi, a saber pelos quadros comparativos abaixo destacados:

Tema 542 – Direito de gestante, contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória.

Relator(a): MIN. LUIZ FUX

Leading Case: RE 842844

Descrição: Recurso extraordinário com agravo em que se discute, à luz do artigo 2º; do inciso XXX do art. 7º; do caput e dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, bem como da letra “b” do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o direito, ou não, de gestante, contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão demissível ad nutum, ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

Tese: A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado.

INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA – TST

TEMA 002

Processo: 5639-31.2013.5.12.0051

Questão Submetida a Julgamento: Gestante. Trabalho Temporário. Lei 6.019/1974. Garantia Provisória de Emprego. Súmula 244, item III, do TST. 

Tese Firmada: “é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.

Situação do Tema: ADMITIDO. 

Assunto: 1904 – Despedida / Dispensa Imotivada, 1978 – Gestante e 55068 – Contrato de Trabalho Temporário. 

Referência Legislativa: Lei 6.019/1974 Súmula 244, item III, do TST. 

Data da Instauração: 10/08/2017. 

Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho. 

Órgão Julgador: Tribunal Pleno (45239). 

Classe Processual: E (1006). 

Data do Julgamento do Tema: 18/11/2019. 

Data de Publicação do Acórdão: 29/07/2020.

A título ilustrativo, a fim de se verificar que o entendimento do IAC do TST não restou superado, colaciona-se a recente decisão proferida em 19.6.2024:

Processo ED-RR-0001438-11.2016.5.13.0003 Complemento Processo Eletrônico Relator Min. Alexandre Luiz Ramos. Orgão Judicante – 4ª Turma DECISÃO : , à unanimidade, não exercer o juízo de retratação previsto no artigo 1.030, inciso II, do Código de Processo Civil. Em consequência, determina-se o retorno do presente processo à Vice- Presidência desta Corte, a fim de que prossiga no exame de admissibilidade do recurso extraordinário, como entender de direito. EMENTA: RETORNO DOS AUTOS PARA EVENTUAL JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ESTABILIDADE GESTANTE.CONTRATO TEMPORÁRIO REGIDO PELA LEI 6.019/74. TEMA 497 DE REPERCUSSÃO GERAL. NÃO ADERÊNCIA. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDO. I. Hipótese em que se discute a aplicabilidade da estabilidade provisória da empregada gestante, prevista no art. 10, II, “b”, do ADCT, aos contratos temporários regidos pela Lei 6.019/1974. II . No julgamento do Tema 497da tabela de repercussão geral do STF, se discutiu se o desconhecimento da gravidez pelo empregador afasta, ou não, o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade provisória, fixando-se a seguinte tese: “A incidência da estabilidade prevista no art. 10, inc. II, do ADCT, somente exige a anterioridade da gravidez à dispensa sem justa causa III. Por outro lado, o Tribunal Pleno desta Corte, no julgamento do IAC-5639- 31.2013.5.12.0051, fixou tese jurídica no sentido de que ” é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias IV. No presente caso, a 4ª Turma do TST, no acórdão pretérito, deu provimento ao recurso de revista da Reclamada, para excluir da condenação o pagamento de indenização referente ao período de estabilidade provisória gestante, prestigiando a aplicação da tese firmada pelo Tribunal Pleno desta Corte Superior no julgamento do IAC n° 5639- 31.2013.5.12.0051, por se tratar de contrato temporário regido pela Lei 6.019/74. V . Logo, o acórdão anterior deste Colegiado não comportaretratação, uma vez que se limitou à aplicação da tese fixada no IAC-5639-31.2013.5.12.0051. VI. Em outras palavras, como a discussão trazida no recurso de revista não possui aderência com a questão solucionada pelo STF no Tema497de repercussão geral, não há de se falar em retratação do decisum Precedentes. VII. Juízo de retratação não exercido. (g.n.)

Neste sentido, inclusive, vem se posicionamento a Corte Superior Trabalhista quando do exercício do juízo de retratação:

“AGRAVO DO RECLAMADO. RECURSO DE REVISTA. JUIZO DE RETRATAÇÃO (ART. 1.030, II, DO CPC). INCOMPATIBILIDADE DA ESTABILIDADEDA GESTANTE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO REGIDO PELA LEINº 6.019/74. PACIFICAÇÃO DESTA CORTE EM INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DECOMPETÊNCIA. JUIZO DE RETRATAÇÃO NÃO EXERCIDO. 1. Analisa-se aviabilidade de exercício do juízo de retratação em razão da decisão do STF no RE 629.053 RG (Tema 497 da Tabela de Repercussão Geral). 2. A questão constitucional que se visou solucionar no Tema 497 foi se, à luz do art. 10, II, b, do ADCT, o desconhecimento da gravidez da empregada pelo empregador afasta, ou não, o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade provisória, ou seja, trata da proteção objetiva da estabilidade de empregada gestante. 2. No entanto, tal matéria é estranha ao acórdão objeto do presente procedimento de juízo de retratação, que versa sobre a estabilidade da gestante e conclui pela sua incompatibilidade nos contratos de trabalho temporários, regulados pela Lei 6.019/74, que sequer foi objeto de apreciação pela Suprema Corte. 3 . Assim, ante a ausência de identidade da matéria em apreço com a tese firmada no Tema 497 de Repercussão Geral, não se exerce o juízo de retratação previsto no art. 1.030, II, do CPC/2015. Acórdão mantido” (Ag-RR-1002127-38.2017.5.02.0511, 1ª Turma, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 01/03/2024). (g.n.)

“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. JUÍZO DERETRATAÇÃO. ARTIGOS 1.030, II, DO CPC. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. ESTABILIDADE DA GESTANTE. CONTRATO TEMPORÁRIO. LEI 6.019/74. O caso dos autos não comporta retratação ante o teor da decisão proferida nos autos do RE nº 629.053/SP (Tema 497 do ementário de repercussão geral) porquanto se limitou à aplicação da tese fixada no Incidente de Assunção de Competência nº IAC-5639-31.2013.5.12.0051, decidida pelo Tribunal Pleno do TST, em 18/11/2019. Nesse contexto, o caso em tela não se amolda à tese fixada pelo STF no julgamento do Tema 497 do ementário de repercussão geral, razão pela qual deve se mantido o acórdão desta Turma por meio do qual foi dado provimento ao recurso de revista da reclamada. Sexta Turma em caso análogo. Juízo de retratação não exercido. Por consequência, determina-se o retorno do processo à Vice-Presidência desta Corte, a fim de que prossiga no exame de admissibilidade do recurso extraordinário” (RR-1000084-79.2018.5.02.0031, 6ª Turma, relator ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 15/03/2024). (g.n.)

Claro está, portanto, que o caso julgado pelo ministro Luiz Fux não versava sobre contratação junto à Administração Pública, tampouco a relação discutida no Tema 542 do STF detém natureza especial e triangular prevista na Lei 6.019/74, afinal, é sabido que há um regime jurídico exclusivamente aplicável às relações no âmbito administrativo, o que, por si só, afasta a incidência do Tema 542 na seara privada.

Por todo o veiculado, se verifica que o entendimento pacificado pelo IAC 002 pelo Tribunal Pleno do TST não foi revogado e/ou superado, devendo as instâncias ordinárias respeitarem a decisão vinculativa, sem proceder com qualquer interpretação extensiva, sobretudo para se manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, visando o respeito aos princípios do devido processo legal e da segurança jurídica.

[1] Tese Firmada: “é inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei n.º 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no art. 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias”.