A pandemia trouxe inúmeros desdobramentos além das medidas sanitárias, incluindo a necessidade de reinvenção dos negócios. O varejo, por exemplo, precisou acelerar a transição para o mundo digital. E não foram apenas as grandes marcas – as micro, pequenas e médias empresas também tiveram que descobrir como conquistar a clientela online.
Desde então, esse movimento se consolidou. Entre 2021 e 2022, o Brasil viu o número de lojas digitais crescer 6,8%, ultrapassando 565 mil. No último ano, o comércio eletrônico faturou R$ 185,7 bilhões – distribuídos entre quase 400 milhões de compras, segundo a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm).
Apesar das oportunidades, alguns obstáculos permanecem. O comércio digital pode amenizar a necessidade de uma estrutura fixa elaborada, mas apresenta outras demandas para uma operação de sucesso, como um ecossistema online com a oferta de produtos, opções de pagamento, protocolos de entrega e logística de frete.
Algo que estaria longe do alcance de muitos se não fossem os marketplaces, lojas online como Amazon, Magazine Luiza, Mercado Livre, entre outras, em que diversos pequenos negócios podem expor os seus produtos na vitrine virtual.
Infografia: Lucas Gomes/ JOTA
“A última curva que faltava para um microempresário entrar no comércio eletrônico era o marketplace, porque ele pode prover para essa empresa todas as etapas do processo de compra, cabendo a ele somente desenvolver o produto”, aponta Roberto Wajnsztok, sócio-diretor da Gouvêa Consulting.
Estreita relação
Para Eduardo Marostica, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em comércio digital, a parceria entre pequenas e médias empresas (PMEs) e grandes varejistas online é essencial para dar ao pequeno empresário aquilo que dificilmente seria possível sem uma estrutura gigantesca por trás do negócio: escalabilidade, visibilidade e estratégias mercadológicas poderosas.
De acordo com estudo realizado pela Amazon Brasil, 99% dos vendedores parceiros ativos em sua plataforma são PMEs. Ao todo, são quase 10 milhões de produtos listados no site, com 60 mil vendedores parceiros espalhados em todo o país. A maior parte dos lojistas abriu suas lojas entre 2020 e 2022.
Segundo Rodrigo Bandeira, presidente da Abcomm, no novo ecossistema digital é difícil definir se as pequenas empresas ou as plataformas dependem mais da outra. Há uma relação de colaboração mútua entre elas.
Isso porque o pequeno e médio lojista é uma peça-chave para que as grandes varejistas diversifiquem os seus catálogos de produtos e atendam às demandas mais diversas de seus consumidores, com agilidade e urgência na entrega.
A união entre as grandes varejistas e os pequenos comerciantes parece estar dando resultado, mas, para Bandeira, ela também tem os seus riscos.
Infografia: Lucas Gomes/ JOTA
Para o executivo da Abcomm, se não houver cuidado, a conveniência de estar dentro de uma grande loja online pode levar muitos empresários a deixarem de lado a sua identidade digital. “Sem a preocupação de desenvolver o seu próprio canal ou site, o empreendedor acaba entrando em uma competição olímpica de quem entrega o menor preço. E muita gente pode sucumbir a isso”, avalia.
Um mundo sem fronteiras
A expansão do e-commerce não é apenas um fenômeno brasileiro. Na América Latina, o crescimento médio foi de 30,2% ao ano entre 2017 e 2022.
Com a digitalização massiva de diversos setores da economia nacional, ver o seu produto chegar aos mais diversos – e remotos – cantos do planeta deixou de ser um plano impossível.
De acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), o número de micro, pequenas e médias empresas que exportam os seus produtos apresentou uma curva ascendente nos últimos anos. Mas elas ainda representam significativa minoria do valor exportado.
Em 2022, as micro e pequenas empresas representaram 40,8% das companhias exportadoras, mas só foram responsáveis por 0,9% do valor total exportado pelo Brasil. Na Amazon Brasil, o percentual de PMEs exportadoras foi de 4%. Há muito espaço para crescer.
Os marketplaces são uma das alternativas para uma pequena empresa adentrar o mercado exportador. Isso porque além do suporte para as questões fiscais e logísticas – ainda complexas e até proibitivas para uma empresa com estrutura enxuta – , um produto regional pode acabar se tornando um item diferenciado a preço convidativo no exterior.
Para ampliar o número de PMEs com participação no comércio exterior, o Ministério do Desenvolvimento desenvolve a Política Nacional de Cultura Exportadora (PNCE) desde meados de 2023, com planos customizados para cada unidade federativa. A ideia é alavancar as exportações com base nos desafios e prioridades das empresas locais.
Além disso, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) desenvolve o Programa de Qualificação para Exportação (PEIEX). Segundo o MDIC, a iniciativa já qualificou 25 mil empresas. Em 2023, foram 5.334, sendo 58,9% delas PMEs.
Infografia: Lucas Gomes/ JOTA
Desafios e oportunidades
Apesar do ambiente favorável para a aposta no e-commerce, o segmento não está isento de desafios para continuar crescendo. Especialistas apontam uma falta de preparo do pequeno empresário para lidar com as singularidades do comércio eletrônico – que se somam às complexidades históricas, no campo tributário, por exemplo.
Há também lacunas no desenvolvimento e implementação de políticas públicas voltadas exclusivamente para esses negócios, como melhorias em qualificação, acesso a crédito e facilitações logísticas. Hoje, o Observatório de Comércio Eletrônico, criado pelo MDIC em 2022, busca o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao e-commerce, mas os trabalhos estão só no início.
Para Marostica, da FGV, a sobrevivência das PMEs em um ambiente tão competitivo esbarra em um ponto básico para qualquer negócio: o planejamento. “Se eu entro nesse mercado sem ter expertise, know-how e habilidades técnicas, eu sou mais um daqueles que operam sem ter sucesso, muito em fruto de não ter o preparo adequado”.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 20% das PMEs não sabiam como aplicar a digitalização à sua empresa durante a pandemia, quando precisaram para garantir a própria sobrevivência.
Além do caráter educacional e profissionalizante, também são cobrados incentivos nas esferas federal, estadual e municipal para o setor. Uma das demandas é a criação de uma linha de financiamento voltada às PMEs digitais.
Outro desafio e demanda é a melhoria das condições logísticas, com otimização do frete para aumentar a capilaridade das entregas para todas as regiões do Brasil e para reduzir a dependência do modal rodoviário para as entregas.
Para Natália Figueiredo, professora de direito empresarial da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), os benefícios disponíveis para as micro e pequenas empresas são insuficientes para alavancar a sua competitividade e não são específicos para aquelas empresas atuantes no e-commerce.
Alguns deles são a arrecadação e cobrança de tributos unificada por meio do Simples Nacional, maior facilidade na negociação de dívidas e linhas de concessão de crédito diferenciadas.
Uma das dificuldades encontradas pelos lojistas é a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), que não é unificado em todos os estados brasileiros, além das obrigações acessórias, que variam entre estados e municípios.
Apesar de alguns entes federativos possuírem tratamento especial para o e-commerce, é a reforma tributária aprovada no Congresso que poderá, nos próximos anos, simplificar a vida do pequeno varejista.
Por enquanto, mesmo com tantas adversidades, esses negócios respondem por uma fatia central na economia brasileira – somente as micro e pequenas empresas geram quase um terço do PIB e metade dos empregos com carteira assinada, para se ter uma ideia. A estreita relação dos empreendedores com o comércio eletrônico, somada a esforços concentrados entre os setores público e privado para promover incentivos, só tenderiam a potencializar isso.