Dupla colheita: os benefícios do agrivoltaico no Brasil

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Relatório recente da Ember coloca o Brasil na liderança da geração de eletricidade a partir de energias renováveis dentre as economias do G20. Em 2023, essas tecnologias responderam por 89% do mix de eletricidade. Grande parte da explicação para essa performance está na expansão acelerada de solar e eólica que permitiu fazer frente ao crescimento da demanda sem aumentar emissões de gases de efeito estufa, feito não desprezível.

Conjugar a trajetória de crescimento acelerado de renováveis com justiça na transição energética requer enfrentar gaps atuais e avançar para novas soluções que possam conectar criação de valor na geração de energia promovendo sustentabilidade por meio de outras atividades econômicas que beneficiem as populações locais. Este será o tema deste artigo. Ainda mais quando o tema desponta como uma das prioridades da agenda de energia no âmbito do G20.

Avaliação das operações de empréstimo do New Development Bank (NDB, o Banco dos Brics) para financiamento de renováveis entre 2016 e 2018 no Brasil identifica gaps importantes na dimensão social. Os principais achados incluem: falta de engajamento com as comunidades afetadas; medidas inadequadas para mitigar gaps de inclusão social e de gênero, que não aproveitavam oportunidades de empoderar grupos em desvantagem e marginalizados; e déficits na condução de avaliações abrangentes de impacto social que permitissem mitigar impactos adversos nas comunidades locais.

Estas conclusões foram corroboradas por parecer de revisor externo, que enfatiza a necessidade de considerar não somente os resultados a nível regional e global (por exemplo redução de CO2) na análise de projetos desta natureza. Igualmente importante é a avaliação do impacto social e econômico nas populações diretamente afetadas.

Em setembro de 2023, o governo federal estabeleceu a Mesa de Diálogo “Energia Renovável: direitos e impactos” para enfrentar tema de déficits de preocupações sociais com investimentos renováveis. Mas para além dos essenciais esforços de mediação entre as partes envolvidas, vale buscar inspiração em experiências de integração entre setores, como geração de energia fotovoltaica e agricultura.

Vem do sul da Europa a inspiração para entregar soluções que integram desenvolvimento agrário ao avanço de renováveis e proteção do meio ambiente. O avanço de sistemas agrivoltaicos contribui para investimentos e geração de renda em descarbonização compatíveis com adequado uso do solo.

O sistema agrivoltaico é a combinação de sistemas de geração de energia solar com atividades agrícolas e de criação de animais. Apesar das especificidades, tais sistemas, compartilham algumas características comuns. Além da relação simbiótica, proporcionam renda ligada a atividades conhecidas dos agricultores, garantindo acesso a terra sem degradar ou mesmo melhorando o solo em que se localizam.

Para ilustrar, sua popularidade, 615 dentre os 773 projetos de geração de energia renovável na Europa que requeriam avaliação de impacto ambiental (capacidade instalada de pelo menos 10 MW e conectados ao sistema de transmissão) eram da modalidade agrivoltaica na Itália no ano de 2022. A participação representa 88% na potência, números que apenas crescem.

Uma vantagem adicional do agrivoltaico lá é que os projetos se localizam no sul do país, em regiões menos desenvolvidas economicamente e com vocação agrícola, não raro com grande participação de pequenas propriedades. Os impactos positivos na geração de empregos se dão em áreas com alta taxa de desemprego. Em grande parte dos casos, os arranjos assumem a forma de Joint Ventures entre produtores agrícolas locais e empresas de energia, as quais mais frequentemente fazem a primeira abordagem. Não menos importante, a pesquisa contribui para o desenvolvimento de novas soluções de negócios, culturas e do próprio país.

Voltando para a experiência brasileira, não se trata de advogar em favor de um modelo único. A proposta é antes avaliar como modelos de negócios associados ao agrivoltaico podem contribuir para geração de renda combinada em energia e agricultura de modo mais compatível com a dimensão social. A região nordeste seria forte candidata a recepcionar projetos dessa natureza. Dentre as culturas possíveis, despontam ovinocultura e vegetais. Novamente, a pesquisa é parte essencial para identificar de melhores culturas. Mas nesse campo, competência não falta ao país.

Já existem estudos preliminares que sugerem o uso de certas raças de ovinos adaptadas as condições climáticas locais e à estrutura atual dos painéis solares, como por exemplo os ovinos Santa Ines. Entretanto, não há interesse (ou incentivos) dos desenvolvedores atuais em buscar soluções criativas. No parecer externo, surge a preocupação de que a abordagem econômico-social prevalente prioriza a compensação dos prejuízos em detrimento de uma estratégia clara de beneficiar as populações locais.

Os bancos de desenvolvimento poderiam contribuir muito para uma mudança cultural que valorize integração de atividades para elevar a dimensão social. Uma preocupação possível seria com investimentos – que poderiam ser maiores para, por exemplo, equipamentos (placas móveis e que precisam ser instaladas mais distante do solo) – demandando maiores extensões. A pegada hídrica pode também aumentar. Uma visão de curto prazo veria esses aspectos apenas sob a ótica do custo. No copo meio cheio, a geração associada de renda contribui para melhorar maior distribuição de renda. E os termos das negociações entre as partes – proprietário da terra e empreendedor – se tornam mais equilibrados.

Como nem tudo são flores, remanescem desafios na formulação de política (de descarbonização inclusive) e na regulação para fazer prosperar modelos de negócio dessa natureza. Os desenvolvedores podem alegar complexidade da iniciativa e perda de foco relativamente a seu core business. Mas se a intenção é ir além da narrativa, vale a pena investir no desenvolvimento de modelos agrivoltaicos para promover justiça na transição energética.

O sol que ilumina o sul da Europa pode trazer também aqui boas colheitas na energia.

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Os autores agradecem às valiosas contribuições de Luiz Maurer