Dívida ativa de devedores contumazes cresce 20% em seis meses no setor de combustíveis

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A dívida ativa dos devedores contumazes do setor de combustível saltou 20% nos últimos seis meses, conforme projeção do Instituto Combustível Legal (ICL). O valor, de acordo com dados deste mês, alcança R$ 203 bilhões. Em outubro do ano passado, o total estimado estava em R$ 170 bilhões. “Se nada for feito para criar essa barreira, neste momento, as coisas ganharão escalas totalmente fora dos padrões”, afirmou ao JOTA o diretor do ICL, Carlo Faccio. O setor se movimenta pela aprovação rápida pelo Congresso de projeto de lei para regulamentar a figura do devedor contumaz.

Da dívida ativa total atual estimada, R$ 87 bilhões dizem respeito à União. Outros R$ 117 bilhões estão associados aos estados. São Paulo e Rio de Janeiro aparecem à frente — com dívidas de, respectivamente, R$ 45 bilhões e R$ 41 bilhões. A estimativa do ICL tem como base dados da Receita Federal e das Secretarias de Estado da Fazenda.

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A inadimplência é um dos problemas centrais do setor, um dos principais afetados pela prática cometida de forma reiterada e injustificada, o que caracteriza a figura do devedor contumaz. A avaliação dos representantes é de que há um processo mais sofisticado que vem ganhando escala no país, com forte associação ao crime organizado.

“O devedor contumaz, no mínimo, estanca esse processo. Quando você cria esse mecanismo de caracterização e tipificação, elimina a possibilidade de novos débitos porque estabelece regimes especiais para esses agentes”, afirma Emerson Kapaz, CEO do ICL.

Uma vez caracterizada como devedora contumaz, a empresa passa a ser submetida a um regime especial de fiscalização. Nesse modelo, a Receita Federal assume um controle mais rígido e pode até cassar a licença de funcionamento caso a empresa se recuse a apresentar seus registros fiscais. Segundo Kapaz, é essencial uma regra para garantir que o contribuinte seja devidamente fiscalizado, evitando, inclusive, que ele abra um novo CNPJ para escapar das obrigações.

Corrida de proposições

Hoje, há dois principais textos no Congresso que objetivam estabelecer normas gerais para a identificação e o controle de devedores contumazes: o projeto de lei complementar (PLP) 125/22 e o PLP 164/22. O primeiro, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é o mais avançado na tramitação. Está pronto para ser pautado no plenário do Senado e tem um texto mais amplo, que também propõe a criação do Código de Defesa do Contribuinte. O outro, do ex-senador Jean Paul Prates (PT-RN), aguarda a apreciação pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da Casa.

Os representantes do setor de combustíveis dizem ter maior proximidade com o PLP 164/22. O parecer mais recente é do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), relator do projeto enquanto ele estava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Há perspectiva de que Veneziano seja mantido o relator na CAE.

Para o ICL, o texto do senador emedebista “está bem coberto” dos aspectos que o setor considera importantes na caracterização da inadimplência reiterada, principalmente no que diz respeito à uniformização de critérios. “Esse seria o maior problema, abrir brechas que poderiam ser depois questionadas juridicamente. Mas o projeto não deixou isso em aberto”, considera Kapaz. Há avaliação também de que o parecer traz um alinhamento entre as demandas dos setores interessados e do governo.

Além disso, há um receio de que o outro projeto, o PLP 125/22, sob a relatoria do senador Efraim Filho (União-PB), esteja mais suscetível à inserção de propostas legislativas que não se associam ao seu objetivo inicial quando chegar à Câmara por ter um texto mais amplo.

O setor aguarda a divulgação do parecer novo parecer de Efraim, que tem informado, nas últimas semanas, que faz ajustes no seu texto depois de diálogos com o Ministério da Fazenda e com a Receita Federal.

O PLP 125/22, por outro lado, tem a preferência do governo por ter mais chances de ser apreciado logo no Senado. Segundo o senador, o novo texto deve trazer aspectos do PLP 164/22 considerados importantes para o executivo e abarcar pontos do projeto de lei (PL)15/24, proposição de autoria do governo que propõe a criação de programas de conformidade tributária e aduaneira e inclui a definição do devedor contumaz. Parado na Câmara, o PL perdeu força devido a impasses entre deputados sobre o tema e o avanço dos dois projetos ligados ao assunto na Casa Legislativa vizinha.

Uniformidade e amplitude

Atualmente, cerca de 15 estados e o Distrito Federal têm normas próprias sobre a figura do devedor contumaz. O setor, no entanto, quer uma legislação uniforme e de amplitude nacional.

“Não podemos abrir brechas. A norma não poderá ser estendida para um tipo de tributo ou estado ou produto”, diz Faccio. Para os representantes do ICL, além do potencial de provocar distorções concorrenciais, as normas estaduais não impedem que a empresa mude de uma unidade da federação para outra para continuar cometendo a prática. Outra demanda é que o projeto de lei aprovado não tenha previsões sobre setores específicos.

Veneziano chegou a inserir disposições específicas para a indústria do petróleo, gás natural e biocombustíveis em uma das versões do seu parecer do PLP 164. Mas o capítulo foi posteriormente retirado após diálogo com representantes dos setores. A exclusão, segundo o senador, “evita a sobreposição de controles e garante maior segurança jurídica ao manter o foco da proposição na uniformização do tratamento dos devedores contumazes em âmbito nacional, independentemente do setor econômico”.

Ainda assim, no texto há a perspectiva de que regimes especiais de fiscalização sejam aplicados para setores com histórico de sonegação, como o de combustíveis, e o de bebidas e cigarros. De acordo com pesquisa do Instituto Ipec de 2024, só no setor de cigarros, 10 fabricantes devedoras contumazes acumulavam uma dívida de R$ 22,6 bilhões.

Sonegação no radar

A inadimplência e a sonegação representam 15% da perda anual do setor de combustíveis, de acordo com o ICL. Os representantes do setor de combustíveis defendem que não é possível tratar apenas de um dos problemas sem atacar na mesma proporção o outro. “Você pode corrigir toda a sonegação, como está sendo construído em cima da Reforma Tributária, mas se os elementos para o inadimplemento continuarem iguais, é fácil depois migrar”, afirma Faccio.

A dívida total dos sonegadores reiterados no setor de combustível já alcança os R$ 100 bilhões, conforme estimativa do ICL. De forma mais ampla, as perdas decorrentes de sonegação, adulteração e fraudes operacionais chegam a R$ 30 bilhões por ano.

O CEO do ICL também afirma que a caraterização do devedor contumaz é um passo importante para o combater o crime organizado. Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), de fevereiro deste ano, aponta que os combustíveis são o segundo maior negócio do crime organizado na economia, com operações por meio de fraudes fiscais. “O devedor contumaz é a entrada do crime organizado em vários setores”, diz Kapaz. “O crime organizado enxerga isso também como uma seara de atuação. É uma brecha importante”, afirma.

Definição de devedor contumaz

Os dois principais projetos de lei em tramitação no Congresso definem a inadimplência reiterada como a falta de pagamento integral de tributos em pelo menos quatro períodos consecutivos de apuração ou em seis períodos alternados, dentro do prazo de doze meses. O devedor contumaz é aquele com débitos tributários inscritos em dívida ativa ou declarados e não pagos, desde que esses débitos sejam iguais ou superiores a R$ 15 milhões ou correspondam a mais de 30% do faturamento do ano anterior, com valor mínimo de R$ 1 milhão.