Divergências sobre plágios em looping e a proteção dos direitos autorais

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Em um país multifacetado e multicultural, o fim de ano é um período de muitas tradições e rituais. Apesar de os ritos variarem entre as gerações, regiões e grupos, é certo que os brasileiros também são aderentes à tendência mundial das retrospectivas.

Nas últimas semanas, o Spotify, um dos mais populares aplicativos de streaming musical no mundo divulgou a retrospectiva das músicas e podcasts de seus usuários. As informações disponíveis referentes ao público brasileiro indicam um momento de transformação lírica em nosso país.

O sertanejo continua liderando as caixas de som, mas os estilos rap, trap e funk brasileiros estão cada vez mais populares. Segundo o levantamento da plataforma, o funkeiro paulista MC Ryan é o terceiro músico mais ouvido no país. Também de São Paulo, o trapper “Veigh” conta com 2 álbuns entre os 5 mais escutados do Brasil. Já nos podcasts, o favorito do rap, Mano Brown, tem o segundo podcast mais acessado da plataforma.

Apesar do ano de glórias para os estilos rap, trap e funk no Brasil, presenciamos muitas discussões relacionadas a alegações de plágio referentes a esses gêneros musicais: os músicos Emicida e Fióti alegaram que as cantoras Duda Beat e Juliette teriam plagiado seu álbum “AmarElo” no lançamento do projeto “Magia Amarela”, o qual teria sido cancelado após a repercussão do caso.

Fatalmente, notícias desse tipo fazem parte da rotina dos artistas do meio musical, cada vez mais eletrônico. Há cerca de dez anos já se presenciava uma discussão sobre um alegado plágio da obra “Voz Ativa” dos Racionais MC’s por Marcelo D2 em sua obra “Qual é?”.

E o caldeirão multicultural que temos o prazer de viver no Brasil inspira e gera até discussões sobre possíveis plágios perpetrados por renomados artistas internacionais, como casos de Jorge Ben Jor x Rod Stewart; e Toninho Geraes, Martinho Da Vila e Simone x Adele.

Sem pretensão de entrar no mérito ou expressar opinião sobre os emblemáticos casos citados, nossa provocação é saber: afinal, no mercado da produção artística musical atual, o que é plágio e quais as ferramentas legais para se evitar ou remediar conduta infratora? Estamos diante de obras artísticas multiculturais compostas por uma série de recursos que ultrapassam o resultado perceptível pela audição.

O plágio vai além da “mera” reprodução – ainda que parcial – da obra musical de outro artista, como parece ter ocorrido em campanha publicitária de Tyler, the Creator, em que teria sido alegadamente reproduzida a obra “Duplo Sentido” do compositor e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil. A campanha também teria deixado de ser veiculada nos Estados Unidos da América.

Podemos identificar inúmeros casos de acusação de plágio acadêmico, de design, arquitetônico e de conceito, como exemplo da acusação sofrida pelo filme As Aventuras de Pi em 2013 por suposto plágio da obra brasileira Max e os Felinos, de Moacyr Scliar.

Às margens do recesso forense de 2023-2024, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou – em fase de liquidação de sentença – a empresa de Xuxa Meneghel pelo uso e reprodução de personagens desenvolvidos por Leonardo Soltz em cerca de R$ 43 milhões[1], sendo este mais um exemplo de discussão sobre plágio.

As obras artísticas – em suas mais variadas formas – são protegidas no Brasil pela Lei 9.610/1998 (Lei de Direitos Autorais). Em conjunto com o art. 5, XXVII da Constituição brasileira, o ordenamento jurídico brasileiro garante que os direitos dos autores sobre suas obras são inalienáveis, inextinguíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e de disponibilidade limitada[2]e[3], conforme preceituam os arts. 27 e 49 da LDA.

Isso significa dizer que os artistas detêm uma série de direitos e garantias sobre as suas obras, podendo optar, desde que observados os requisitos legais, pela  divulgação ou ocultação de suas obras; retirada da obra de circulação – ainda que já tenha vendido/doado para terceiros;  proibição da revenda ou edição de suas obras por terceiros adquirentes; e limitação do acesso ou reprodução da obra (como em casos de samples), por exemplo.

Além do direito de requerer a abstenção do uso, edição e reprodução da obra, em caso de violação de direitos autorais, os artistas têm o direito de serem indenizados pelos danos materiais e morais sofridos por tais infrações, sendo que os danos materiais são calculados na forma dos arts. 102, 103 e 104 da LDA.

Já os danos morais, que prescindem de comprovação pelo lesado[4], são fixados caso a caso. Além do dever de indenizar, o infrator pode incidir em conduta tipificada (crime) ao violar direito autoral, conduta passível de pena de até 4 anos de reclusão, nos termos do art. 184 do Código Penal.

Também importante notar que os direitos patrimoniais[5] sobre obras artísticas protegidas pela autoria perduram por 70 anos a partir da sua divulgação, ainda que o autor já tenha falecido (arts. 41, 44 e 96 da LDA e 5, XXVII da CF). Transcorrido esse período, a obra será de domínio público.

Na hipótese de falecimento do autor, os direitos sobre as obras serão de seus herdeiros, que poderão optar pela publicidade de obras inéditas produzidas pelo artista enquanto ainda em vida[6] – como parece ser o caso dos cantores Marília Mendonça (top 4 artista mais ouvida no Spotify esse ano) e MC Kevin (que teve o álbum “O menino ainda encanta a quebrada” lançado esse ano).

No âmbito preventivo, apesar de o registro das obras perante os órgãos competentes não ser requisito para obtenção de proteção ou garantias (nos termos do art. 18 da LDA), é possível que os artistas busquem registrar suas obras perante os órgãos competentes – com exemplo da Biblioteca Nacional[7], de forma a dar publicidade, divulgação e concretizar a expressão de sua criação de espírito ou de seu trabalho criativo.

Aliás, alguns artistas também registram seus nomes artísticos como marca perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI)[8], a fim de evitar que outros cantores, bandas, selos e estúdios divulguem sua arte utilizando termos idênticos, semelhantes ou afins.

Em uma sociedade cada vez mais moderna, fluida e tecnológica, importante que os artistas sigam produzindo sua arte de maneira criativa e única, em especial os artistas brasileiros que tanto trazem orgulho, mas que sempre procurem assessoria técnica e jurídica especializada para garantir exercício, proteção e tutela adequada dos seus direitos de autor e direitos conexos.

[1] TJRJ; Agravo de Instrumento nº 0040732-18.2023.8.19.0000; Des. Rel. Eduardo de Azevedo Paiva; 3ª Câmara de Direito Privado; Julgado em 13.12.2023.

[2] SILVEIRA, Newton. Direito de autor no design. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2012. Pág. 94.

[3] REsp n. 1.615.980/RJ, Min. Rel. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 13.06.2017.

[4] TJSP, Apelação Cível 1084969-87.2021.8.26.0100, Des. Rel. Alexandre Marcondes, 1ª Câmara de Direito Privado, julgado em 12.09.2023.

[5] Os direitos morais de autor, tais como o direito à paternidade, previstos no artigo 24 da LDA, têm regramento e proteção distintos dos direitos patrimoniais, dado seu caráter inalienável e irrenunciável.

[6] Conforme previsão dos arts. 24, §1º e da LDA:

Art. 24 (…) § 1º Por morte do autor, transmitem-se a seus sucessores os direitos a que se referem os incisos I a IV

Art. 55. Em caso de falecimento ou de impedimento do autor para concluir a obra, o editor poderá: I – considerar resolvido o contrato, mesmo que tenha sido entregue parte considerável da obra; II – editar a obra, sendo autônoma, mediante pagamento proporcional do preço; III – mandar que outro a termine, desde que consintam os sucessores e seja o fato indicado na edição.

[7]A Biblioteca Nacional é responsável pelo registro de obras intelectuais desde 1898, quando foi publicada a primeira lei específica brasileira sobre direitos autorais, e até hoje, através do Escritório de Direitos Autorais, oferece esse serviço e outros correlatos aos cidadãos brasileiros, para segurança jurídica dos direitos morais e patrimoniais do autor, nos termos da lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.” Disponível em: https://antigo.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais. Acesso em: 03.12.2023.

[8] Como exemplo do próprio Emicida (marcas nº 830734228, 905545427, 905545451, 905545460); e da cantora mais ouvida no Spotify em 2023, Ana Castela (marcas nº 928942724; e 929756843, ambas aguardando exame de mérito do INPI).