Dino: como o ministro dos Três Poderes levará sua experiência para a atuação no STF

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A ideia de Três Poderes rigorosamente separados conforme propôs Montesquieu não faz parte do repertório intelectual de Flávio Dino. Mas a convicção de que o muro entre os Poderes não é rígido vai além de textos teóricos — Dino chega ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quinta-feira (22/2) com a versatilidade de quem consegue transitar nos três prédios da praça dos Três Poderes. Uma história semelhante à do ministro Nelson Jobim, com quem Dino trabalhou como juiz auxiliar no STF.

Mas o que Dino terá que mostrar daqui para frente como ministro do Supremo é se essa flexibilidade significa maior respeito à atividade de cada Poder ou uma maior interferência e tensão. Ao escolher o nome de seu ex-ministro para o STF, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espera alguém que possa exercer esse diálogo interinstitucional — pessoas próximas a Dino acreditam que ele será capaz de fazer esse meio de campo, embora opositores o vejam como uma figura mais conflituosa e voluntariosa. O certo é que Dino não terá cerimônia em convocar e conversar com integrantes de outros Poderes para resolver problemas que afligem a República, nem fugirá de embates.

Neste primeiro momento, o que se sabe é que separar o Dino político do jurista não será fácil, nem para ele, nem mesmo para os espectadores que o acompanham — vide a forma como ele foi sabatinado no Senado. O Dino político é conhecido, o magistrado, nem tanto. Vale destacar que os senadores não fizeram questão de explorar esse lado menos público da trajetória de Dino.

Embora tenha atuado por 12 anos na magistratura, Flávio Dino está fora dela há 18 anos. Portanto, muita coisa mudou entre o juiz de 1ª instância e o ministro do STF. Além disso, Dino operava como julgador de instâncias iniciais, com menos espaço para discricionariedade.

Não é possível mensurar de pronto como será o seu desempenho como ministro apenas focado em sua passagem pelo Judiciário. O Supremo é uma casa de interpretação das leis. Como Dino direcionará a sua interpretação?

De qualquer forma, não há dúvidas das capacidades jurídicas de Dino — foi juiz, leciona em cursos jurídicos em universidades públicas e privadas, foi presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), secretário geral do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e atuou na Comissão de Constituição e Justiça durante sua passagem pelo Congresso.

Pode-se esperar um perfil garantista — após ser preso, Lula não ousaria um perfil diferente deste. Dino também deve pesar o esforço do legislativo e as dificuldades da administração pública. Assim, o fato concreto e a realidade social podem pesar em suas decisões na Corte.

Durante a sabatina no Senado, Dino afirmou que entre as suas presunções centrais está a constitucionalidade das leis. Em um primeiro momento, a frase pode soar como uma postura legalista, mas alinhando a fala à trajetória de Dino o que podemos esperar é que o ministro deve tentar dosar até que ponto o Supremo pode entrar em questões já decididas pelo Legislativo. Como parlamentar, Dino conhece o quão difícil pode ser uma articulação para a aprovação de determinado projeto, assim como pode ser frustrante uma lei derrubada pelo Supremo após todas as negociações que as casas legislativas exigem.

Dessa forma, a postura ativista esperada por Dino deve se dar mais no campo da omissão legislativa, ou seja, em temas que os parlamentares não querem discutir. Basta lembrar que Dino é o autor do projeto de lei que criou a figura da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Se a omissão for relativa a direitos e garantias fundamentais, pode-se esperar de Dino uma postura mais ativista, ainda mais se envolver grupos vulneráveis. Dino já escreveu em artigos acadêmicos que “os juízes não podem tudo, nem devem poder. Mas podem muito, e devem exercer esse poder em favor da grandiosa e inesgotável utopia de construção da felicidade de cada um e de todos”.

Dino será o primeiro ministro do Supremo após a redemocratização do Brasil que já foi eleito a um cargo no Executivo: governador do estado do Maranhão. Dessa experiência ele deve levar às suas decisões certa ponderação sobre as dificuldades do gestor público e dados da realidade devem sensibilizá-lo mais do que a outros ministros do STF.  Dino já escreveu que corrobora as palavras do professor Joaquim Falcão em que na democracia, os juízes não podem lavar as mãos nas neutras águas de um formalismo imaginário. Sobretudo quando as sentenças  tomam posições diante da discricionariedade político-administrativa do Executivo.

“Da experiência de Deputado Federal e Senador, trago o respeito à função legislativa. Da experiência de Governador e de Ministro da Justiça, trago o respeito àqueles que têm a dura tarefa de concretizar os direitos, gerindo a escassez, e, ao mesmo tempo, velar pela estabilidade institucional”, disse Dino aos senadores durante a sua sabatina.

De uma forma geral, é possível mapear Dino mais na esfera do Direito Público, devido às suas experiências e sua afinidade com as matérias de administrativo e constitucional. Em relação a decisões da esfera privada, algo que pode ter força é a questão da responsabilidade civil, ou seja, a obrigação de reparação de danos. Desde o falecimento de seu filho por asma em um hospital privado de Brasília, em 2012, ele tem uma postura de ampliar a responsabilização a todos os envolvidos em situações em que alguém foi afetado.

Em seu discurso no Senado, antes de sua aprovação, Dino enfatizou que no Congresso é possível aos parlamentares usarem “cores diferentes”, mas no Supremo as togas são da mesma cor. “Ninguém adapta a sua toga ao seu sabor, todas as togas são iguais. E isso é uma simbologia fundamental em que a política é o espaço da pluralidade. O Poder Judiciário, claro, que tem saberes e sabores diferentes, mas as togas são iguais, a Constituição é igual, as leis são iguais, o comportamento ético é igual. E por isso que cada juiz ou cada ministro não pode ir com uma toga de uma cor diferente, com estilo diferente”. Agora resta saber quantos tons de preto Dino aplicará às suas decisões.