Dinâmicas decisórias entre os ambientes virtual e presencial de julgamento do STF

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Compreender como as decisões judiciais são tomadas é uma questão central tanto nas ciências sociais quanto no direito[1], orientando de forma consistente nossas linhas de investigação.

Desde 2008, quando começamos a analisar a influência do amicus curiae no processo decisório do Supremo Tribunal Federal (STF), com foco na assimetria de informações e na necessidade de reequilibrar o jogo informacional (Medina, 2010), até os estudos mais recentes sobre o impacto da repercussão geral no fluxo decisório, nosso trabalho tem destacado o plenário virtual como um mecanismo central que alterou a dinâmica decisória (Medina, 2016). Esses esforços contribuem para a compreensão das transformações do desenho institucional e sua influência na reconfiguração dos centros de poder (Medina, 2024).

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Nesse contexto, diversas abordagens teóricas foram propostas para analisar o comportamento judicial, e a literatura sobre o tema pode ser organizada em quatro principais modelos: o modelo legal, o modelo atitudinal, o modelo estratégico e o novo institucionalismo. Embora essas abordagens ofereçam perspectivas distintas, elas se complementam ao enfatizar diferentes aspectos que influenciam o processo decisório judicial.

O modelo legal, o mais antigo, parte da premissa de que os juízes fundamentam suas decisões de maneira imparcial e neutra, com base nos princípios do direito, como precedentes e a intenção do legislador. Ulmer (1974) descreveu essa abordagem como slot machine jurisprudence, enfatizando a previsibilidade das decisões judiciais. Contudo, esse formalismo foi criticado por sua rigidez, especialmente com a ascensão de abordagens comportamentais.

Nos anos 1950, o movimento behaviorista trouxe o modelo atitudinal, desenvolvido por Segal e Spaeth (2002). Ele sustenta que as decisões judiciais são determinadas principalmente pelas preferências ideológicas dos juízes. Schubert (1974) e Pritchett (1949) usaram métodos quantitativos para demonstrar que a adesão aos precedentes muitas vezes encobre preferências políticas subjacentes, mas esse modelo foi criticado por reduzir o processo decisório a uma questão exclusivamente ideológica.

Em resposta, surgiu o modelo estratégico, que complexifica a tomada de decisão ao incorporar as interações entre juízes e outros atores institucionais. Os juízes são vistos como atores racionais que buscam maximizar seus objetivos políticos, mas que devem considerar as preferências dos colegas e as pressões externas. Maltzman, Spriggs e Wahlbeck (2000) argumentam que o contexto institucional é crucial para compreender o comportamento judicial.

O novo institucionalismo amplia essa visão ao enfatizar como forças externas, como o Congresso, o Presidente e a opinião pública, influenciam as decisões judiciais. Murphy (1964) destacou que os ministros frequentemente moderam suas posições para evitar reações adversas de outros poderes, e Clayton e Gillman (1999) defenderam que as decisões judiciais devem ser entendidas dentro de um contexto político mais amplo.

Mais recentemente, o modelo integrado combina elementos das abordagens anteriores, reconhecendo que o processo decisório é moldado por uma combinação de preferências políticas e restrições institucionais e normativas. Bailey e Maltzman (2011) argumentam que, embora as preferências políticas dos juízes sejam relevantes, elas são constrangidas por normas legais e institucionais, oferecendo uma visão mais completa das dinâmicas que influenciam as decisões judiciais.

Esses modelos teóricos fornecem uma base sólida para entender como diferentes desenhos institucionais afetam as decisões judiciais. O novo institucionalismo e o modelo integrado mostram que o arranjo institucional molda ativamente o conteúdo das decisões. Isso é particularmente relevante para cortes constitucionais, onde as interações com outros poderes definem os limites da atuação judicial.

O ambiente de julgamento no STF, seja virtual ou presencial, influencia diretamente o processo de tomada de decisão, impactando as dinâmicas decisórias e a formação de consensos. Essa constatação torna essencial uma análise empírica das decisões proferidas nos plenários virtual e presencial do STF, já que cada um desses ambientes impõe diferentes constrangimentos e oportunidades. Este artigo é o primeiro de uma série dedicada à análise quantitativa e qualitativa das decisões do plenário virtual, com base nas decisões proferidas em 2023. A pesquisa foca em três categorias principais: decisões unânimes, decisões por maioria e decisões que combinam unanimidade nas preliminares e maioria no mérito.

Nos artigos subsequentes, as decisões do plenário presencial serão examinadas, e por fim ofereceremos uma comparação abrangente entre os dois ambientes decisórios, o que permitirá uma compreensão mais profunda de como o desenho institucional influencia o comportamento judicial e a decisão.

O plenário virtual do STF

A pandemia da Covid-19 acelerou processos de transformação em diversas esferas, especialmente no que tange à adoção de soluções tecnológicas para superar os desafios impostos pelo distanciamento social. No STF, essas mudanças foram particularmente impactantes, catalisando a migração para o ambiente virtual de julgamento. Esse processo, no entanto, já estava em curso desde a criação da repercussão geral e do plenário virtual em 2007, que gradualmente alteraram a dinâmica decisória da Corte.

O movimento de digitalização integral de todos o processo do STF deu origem a uma nova era de tutela digital, sob a égide de princípios e regras da tutela hermética do processo físico. Dados de 2023 indicam que, das 18.082 decisões do Plenário, 17.986 se deram em ambiente virtual e apenas 96 nas sessões presenciais, o que equivale a 0,53% das decisões. Nas turmas, a realidade não é diferente. De 4.690 decisões da 1ª Turma, 4.672 foram de forma virtual (99,6%); na 2ª Turma, de 4.957, 4.938 foram no virtual, com o mesmo percentual[2].

O plenário virtual se consolidou como uma ferramenta indispensável ao funcionamento do STF, acelerando o ritmo dos julgamentos e ampliando o acesso à justiça. A pandemia serviu como catalisador, levando à equiparação das competências entre os julgamentos virtuais e presenciais, o que introduziu uma nova era no processo decisório da Corte. Em 2023, 99,47% das decisões foram proferidas no ambiente virtual, revelando a magnitude dessa transformação e, ao mesmo tempo, levantando questões sobre os efeitos dessa nova dinâmica sobre a colegialidade, a qualidade deliberativa e a legitimidade das decisões.

Apesar de seu sucesso em termos de celeridade e eficiência, o impacto das dinâmicas virtuais no processo decisório ainda é pouco explorado pela literatura. A presente pesquisa busca suprir essa lacuna, oferecendo uma análise empírica das decisões proferidas nos ambientes presenciais e virtuais do STF em 2023. Com isso, pretende-se identificar as diferenças e semelhanças nos padrões de julgamento, o nível de consenso entre os ministros e a influência das novas tecnologias no comportamento dos atores processuais. Mais do que isso, será investigado se a transição para o ambiente virtual, embora inevitável, trouxe desafios para a transparência, a participação dos advogados e o acesso efetivo à justiça.

Ao compreender as novas dinâmicas impostas pela virtualização dos julgamentos no STF, este estudo visa oferecer uma contribuição relevante para a literatura sobre jurisdição constitucional, ao mesmo tempo em que lança luz sobre os desafios e oportunidades de um tribunal cada vez mais dependente das tecnologias digitais.

Metodologia

Este estudo investiga o perfil decisório do plenário virtual do STF por meio de uma análise quantitativa e qualitativa das decisões proferidas em 2023, organizadas em três grupos principais: decisões exclusivamente por unanimidade, decisões exclusivamente por maioria e decisões que apresentam dicotomia entre unanimidade nas preliminares e maioria no mérito. A pesquisa identifica a distribuição de resultados favoráveis e desfavoráveis, utilizando critérios rigorosos de busca e categorização com base em um conjunto de palavras-chave. Os padrões decisórios observados, como a prevalência de decisões unânimes e a frequência de decisões favoráveis, são discutidos em termos de suas implicações reais e com foco nos achados objetivos do estudo.

Coleta de dados

Foram analisadas 17.986 decisões proferidas no plenário virtual do STF em 2023. A análise foi feita com base em um conjunto de palavras e expressões que identificam o tipo de decisão (unanimidade, maioria) e o resultado (favorável ou desfavorável).

Definição dos grupos e critérios de busca

As decisões foram categorizadas em três grupos, utilizando expressões específicas para garantir a consistência e objetividade da análise:

Decisões exclusivamente por unanimidade:

Foram identificadas decisões que mencionavam explicitamente a palavra “unanimidade” e não mencionavam “maioria”. Isso foi feito para assegurar que essas decisões representavam um consenso completo entre os ministros tanto nas questões preliminares quanto no mérito.
Palavra-chave: “unanimidade”.
Quantidade: 15.501 decisões (86,18% do total).

Decisões exclusivamente por maioria:

Decisões que mencionavam “maioria” e não mencionavam “unanimidade” foram categorizadas como decisões por maioria. Essas decisões indicam dissenso entre os ministros, seja nas questões preliminares, seja no julgamento do mérito.
Palavra-chave: “maioria”.
Quantidade: 2.382 decisões (13,24% do total).

Decisões com dicotomia (unanimidade em preliminares e maioria no mérito):

Foram categorizadas como decisões com dicotomia aquelas que mencionavam tanto “unanimidade” quanto “maioria”, indicando consenso nas questões preliminares e dissenso no julgamento do mérito.
Palavras-chave: “unanimidade” e “maioria” no mesmo documento.
Quantidade: 103 decisões (0,57% do total).

Classificação dos resultados

Além de classificar o tipo de decisão, também analisamos os resultados com base nas seguintes palavras-chave, que indicam se a decisão foi favorável ou desfavorável ao litigante:

Resultados favoráveis: Decisões que mencionavam palavras como “provimento”, “procedente” ou “acolheu parcialmente”, indicando que o pedido do autor foi aceito total ou parcialmente.

Palavras-chave: “provimento”, “procedente”, “acolheu parcialmente”.

Resultados desfavoráveis: Decisões que mencionavam expressões como “desprovimento”, “improcedente” ou “negou”, indicando que o pedido foi rejeitado.

Palavras-chave: “desprovimento”, “improcedente”, “negou”.

Desenvolvimento

Distribuição geral

A análise das 17.986 decisões do plenário virtual foi organizada em três grupos principais:

15.501 decisões exclusivamente por unanimidade (86,18% do total).
2.382 decisões exclusivamente por maioria (13,24% do total).
103 decisões com dicotomia entre unanimidade em preliminares e maioria no mérito (0,57% do total).

Essa distribuição mostra que a grande maioria das decisões no plenário virtual foi tomada por unanimidade, indicando que o uso desse ambiente favorece julgamentos em que há consenso entre os ministros.

Resultados favoráveis e desfavoráveis por grupo

A análise dos resultados favoráveis e desfavoráveis foi realizada com base nas palavras-chave descritas na metodologia. Aqui estão os resultados ajustados:

Decisões exclusivamente por unanimidade:

Favoráveis: 12.951 decisões (83,53% do grupo).
Desfavoráveis: 2.550 decisões (16,46% do grupo).

Decisões exclusivamente por maioria:

Favoráveis: 1.768 decisões (74,22% do grupo).
Desfavoráveis: 614 decisões (25,78% do grupo).

Decisões com dicotomia (unanimidade em preliminares, maioria no mérito):

Favoráveis: 83 decisões (80,58% do grupo).
Desfavoráveis: 20 decisões (19,41% do grupo).

Esses dados revelam uma tendência de decisões favoráveis aos litigantes, independentemente do tipo de decisão. Mesmo nas decisões por maioria, onde poderia haver maior dissenso, 76,14% das decisões foram favoráveis.

Resultados no universo total

No universo total de 17.986 decisões:

Decisões favoráveis: 14.995 decisões (83,38% do total).
Decisões desfavoráveis: 2.991 decisões (16,61% do total).

Esses dados indicam que o plenário virtual tem uma clara tendência de conceder provimento na maioria dos casos.

Padrões decisórios

Prevalência de decisões unânimes (86,18%)

A alta prevalência de decisões unânimes indica que o plenário virtual é amplamente utilizado para casos em que há consenso entre os ministros. Isso sugere que a ferramenta é ideal para resolver questões processuais e de mérito que já possuem um entendimento consolidado.

Decisões por maioria representam parcela pequena (13,24%)

As decisões por maioria representam uma fração relativamente pequena, sugerindo que o plenário virtual é menos frequentemente utilizado para casos de alta controvérsia ou que exigem debates mais profundos entre os ministros.

Alta frequência de decisões favoráveis (83,38%)

A maioria das decisões, tanto unânimes quanto por maioria, foi favorável aos litigantes. Isso pode indicar que os casos levados ao plenário virtual tendem a ser aqueles onde há maior previsibilidade em favor do autor, ou onde o direito do autor está mais consolidado pela jurisprudência.

Decisões com dicotomia são raras (0,57%)

O número de decisões com dicotomia (consenso nas preliminares e dissenso no mérito) é bastante baixo, sugerindo que, quando há consenso sobre a admissibilidade, ele geralmente se estende ao julgamento do mérito.

Implicações

Os padrões observados no plenário virtual têm várias implicações:

Eficiência e consenso: O alto grau de decisões unânimes e favoráveis sugere que o plenário virtual é utilizado principalmente para aumentar a eficiência no julgamento de casos com menor controvérsia. O uso desse ambiente possibilita julgamentos mais rápidos e previsíveis, sem a necessidade de deliberação presencial prolongada.
Dissenso em casos específicos: Embora o número de decisões por maioria seja pequeno, ele indica que há espaço para divergências, especialmente em casos mais complexos. Contudo, a prevalência de decisões favoráveis, mesmo entre as decisões por maioria, aponta para uma certa previsibilidade e tendência protetiva no STF.
Previsibilidade e segurança jurídica: A maioria dos casos analisados resultou em decisões favoráveis, o que pode gerar maior segurança jurídica e previsibilidade no uso do plenário virtual para resolver disputas. Litigantes e advogados podem ter maior confiança em obter provimento em casos em que os direitos do autor já estejam mais claros ou alinhados com a jurisprudência consolidada.

Transição digital no STF: desafios e redefinição das funções do relator

Antes da introdução dos ambientes virtuais de julgamento no STF, o controle das pautas colegiadas era centralizado nas mãos dos presidentes dos órgãos colegiados — especificamente nas 1ª e 2ª Turmas e no Plenário. Nessa configuração, o relator tinha duas alternativas: proferir decisão monocrática ou, em caso de recurso, solicitar ao presidente a inclusão do processo em pauta.

O advento dos ambientes virtuais de julgamento promoveu uma transformação estrutural no controle das pautas de julgamento. Cada relator passou a ter a prerrogativa de incluir processos diretamente na pauta de julgamento, tanto nas turmas virtuais quanto no plenário virtual. Isso promoveu uma descentralização significativa do poder antes concentrado na presidência.

Além disso, o instrumento do destaque[3] — tradicionalmente utilizado para retirar um processo do julgamento em lista — foi ressignificado. No ambiente virtual, o destaque não apenas retira um processo da pauta, mas também o transfere para o ambiente presencial, resultando no reinício do julgamento.

Isso permite a apresentação de novos votos, conferindo ao destaque um efeito quase recursal. Qualquer ministro, incluindo o próprio relator, pode acionar esse mecanismo, que, em alguns casos, atua como um poder de veto individual. Por outro lado, o pedido de vista[4] mantém sua função original de suspensão temporária do julgamento, sem alterar o ambiente ou reiniciar o processo.

A digitalização trouxe novas dinâmicas, mas ainda convivemos com a persistência de práticas processuais herdadas do modelo físico presencial. Instrumentos como protocolo presencial, distribuição, relatoria e pedido de vista foram originalmente concebidos para processos físicos, mas permanecem presentes no contexto digital. A contagem de prazos considerando feriados e outros privilégios processuais dos entes públicos também reflete um sistema moldado para autos físicos e dinâmicas procedimentais presenciais, criando um descompasso com a realidade dos processos totalmente digitais e dos julgamentos virtuais.

No modelo anterior, a distribuição dos autos físicos ocorria presencialmente e por sorteio. O relator realizava a leitura e análise do caso, elaborava um relatório e, posteriormente, solicitava sua inclusão em pauta — tarefa do presidente do colegiado. Os demais ministros tinham conhecimento limitado do processo, dependendo do relatório elaborado pelo relator. O pedido de vista operava de forma literal: os autos físicos eram enviados ao gabinete do ministro solicitante para exame detalhado.

Contudo, com a virtualização integral dos processos e julgamentos, a eficácia prática das funções do relator passa a ser questionada. Todos os ministros e partes têm acesso imediato ao inteiro teor dos autos, especialmente em processos de controle concentrado. Nesse contexto, as figuras do relator e do pedido de vista, ainda que formalmente mantidas, parecem não acompanhar a transformação digital do sistema processual. Um exemplo dessa adaptação é a supressão da figura do revisor, eliminada em função da digitalização dos processos.

Ao anunciar a mudança procedimental que extinguiu a revisão, o ministro Luís Roberto Barroso “destacou que o avanço tecnológico tornou anacrônicas as suas atribuições, entre elas a de sugerir medidas que tenham sido omitidas porque, no processo eletrônico, todos os membros do tribunal têm acesso aos autos e podem examiná-los de maneira meticulosa a qualquer hora[5]. É possível antever um movimento semelhante em relação às funções do relator em um cenário onde os processos são 100% digitais e os julgamentos virtuais colegiados mainstream.

O futuro do processo constitucional digital aponta para uma reconfiguração das funções do relator. É possível prever a introdução de uma relatoria mais compartilhada, colegiada e cooperativa, semelhante aos votos conjuntos já observados em decisões proferidas pelos ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso em casos específicos.

Assim, além de ampliar o acesso à jurisdição constitucional ao eliminar barreiras geográficas[6], os ambientes virtuais de julgamento promovem a descentralização da pauta e a dispersão do poder antes concentrado na presidência do colegiado. Essa transformação poderá, no futuro, favorecer uma diluição mais ampla das funções da relatoria, com uma consequente redução do poder decisório individual do relator, impactando a crítica frequente à figura do “Supremo Relator” e da monocratização, apontada na literatura como disfuncionalidades do processo constitucional brasileiro[7].

Conclusões

A análise das 17.986 decisões do plenário virtual do STF revela um sistema amplamente eficiente, caracterizado por uma forte predominância de decisões unânimes (86,18%). O plenário virtual se mostra como um mecanismo ideal para lidar com casos em que há um consenso consolidado entre os ministros, tanto em questões processuais quanto de mérito.

Essa alta taxa de decisões unânimes ressalta a celeridade e a previsibilidade dos julgamentos nesse ambiente, otimizando o fluxo processual do tribunal. Ao analisar o percentual de decisões favoráveis (83,38%), observa-se uma tendência significativa do STF em conceder provimento aos pedidos, algo que pode estar diretamente relacionado à natureza dos casos julgados nesse ambiente, muitos dos quais baseados em direitos com sólida jurisprudência pré-existente. Essa previsibilidade oferece uma vantagem estratégica para advogados e litigantes, que podem estruturar suas demandas com maior confiança em situações em que os direitos já estão bem estabelecidos.

Por outro lado, as decisões por maioria, que correspondem a 13,24% dos julgados no plenário virtual, demonstram que, embora exista espaço para dissenso, esse ambiente é predominantemente utilizado para questões de menor controvérsia. Esse uso preferencial do plenário virtual para casos mais simples e com jurisprudência consolidada reflete o foco em assegurar celeridade, evitando que questões mais complexas e divisivas sejam decididas em um formato onde o debate e a troca interpessoal são mais limitados.

O fato de apenas 0,57% das decisões apresentarem dicotomia (unanimidade em questões preliminares e dissenso no mérito) reforça que, uma vez atingido o consenso inicial, os ministros tendem a mantê-lo ao longo do julgamento, o que é particularmente eficiente para garantir a previsibilidade dos resultados.

Esses dados sugerem que o plenário virtual é uma peça central na estrutura processual do STF, sendo responsável por dar vazão a um grande volume de processos sem comprometer a segurança jurídica e a uniformidade jurisprudencial.

No entanto, a análise qualitativa indica que o plenário virtual se concentra em casos de menor complexidade ou em disputas onde a jurisprudência já está pacificada, sendo, portanto, um fórum preferencial para a resolução de litígios repetitivos ou processuais. Questões constitucionais mais complexas, que envolvem maiores dissensos entre os ministros ou que exigem um debate mais profundo e público, raramente são remetidas a esse ambiente. Isso evidencia que o plenário virtual desempenha uma função complementar, mas não abrangente, dentro da jurisdição constitucional brasileira.

Embora o plenário virtual tenha se consolidado como uma ferramenta crucial para a celeridade processual e o descongestionamento do tribunal, ele não parece ser o espaço mais adequado para decisões inovadoras ou polêmicas, que demandam maior deliberação e trocas interpessoais, características que são mais adequadamente exploradas no plenário presencial.

Assim, o plenário virtual contribui de forma substancial para a eficiência do STF, mas apresenta limitações evidentes em termos de profundidade e complexidade dos debates. Ele se consolida como um mecanismo essencial no fluxo de julgamentos, mas com restrições quanto ao tipo de questões que podem ser tratadas com efetividade nesse formato.

A transição para ambientes virtuais de julgamento no STF está redefinindo profundamente as funções tradicionais do relator e as dinâmicas processuais na definição das pautas de julgamento. A descentralização do controle das pautas, aliada ao acesso imediato aos autos por todos os ministros, redimensiona as funções da presidência e questiona o papel centralizador do relator e de instrumentos como o pedido de vista.

Esse cenário aponta para um futuro em que a relatoria será mais compartilhada, colegiada e cooperativa, diluindo o poder decisório individual e respondendo às críticas sobre a monocratização do processo constitucional brasileiro. Assim, os julgamentos virtuais não apenas ampliam o acesso à justiça ao eliminar barreiras geográficas, mas também promovem uma distribuição mais equilibrada do poder dentro do tribunal, alinhando-se às exigências de um sistema processual digital.

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[1] Sobre o tema ver a obra seminal de Rodriguez (2013), para um debate mais atual Arguelhes (2023) e para uma perspectiva comparada Garoupa e Gil (2023).

[2] Dados disponíveis na Corte Aberta, acesso de .

[3] Destaque: Mecanismo processual que permite a retirada de um processo da pauta de julgamento para análise mais aprofundada, transferindo-o do ambiente virtual para o presencial (RISTF: art. 21-B, § 3º).

[4] Pedido de Vista: Instrumento pelo qual um ministro solicita a suspensão temporária do julgamento para examinar melhor os autos do processo (RISTF: art. 134, § 5º).

[5] STF. Turmas do STF voltam a julgar ações penais. Disponível em <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=521817&ori=1>, acesso de 21/10/2024.

[6] Sobre o tema ver Medina (2020).

[7] A literatura tem dedicado grande atenção ao fenômeno da monocratização, emprestando-lhe variada designação, como: onze ilhas (Mendes, 2010), palco de solistas (Mendes, 2012), 11 supremos (Falcão, Arguelhes e Recondo, 2016), 11 estados soberanos (Recondo, 2018) e Ministrocracia (Arguelhes e Ribeiro, 2018).