Dez medidas para promover efetiva participação em processos regulatórios

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Acaba de ser lançado o livro Boas Práticas Regulatórias, louvável iniciativa do Programa de Aprimoramento da Qualidade da Regulação Brasileira QualiREG, da CGU/PNUD/UNOPS. A obra, coordenada por Patrícia Pessoa Valente, reúne artigos com medidas concretas para garantir a efetividade da política de melhoria regulatória no país.

A contribuição que eu e meus coautores oferecemos à obra consistiu em apresentar seis propostas para assegurar a efetividade das consultas e audiências públicas em processos regulatórios, construídas a partir de achados de pesquisas empíricas do projeto Regulação em Números, da FGV Direito Rio.

Apesar dos inegáveis benefícios introduzidos pela participação, é muito difícil torná-la efetiva. Conduzir mecanismos de participação torna o processo regulatório mais lento e mais custoso para o regulador. Participar de processos regulatórios pode ser algo muito difícil e ainda mais custoso para o público afetado pela regulação. O que fazer diante deste impasse?

Neste artigo, apresento dez recomendações para assegurar a efetividade dos mecanismos de participação em processos regulatórios. Parte dessas recomendações fazem parte do livro já mencionado, porém outras foram acrescentadas entre a data da redação do referido capítulo e sua recente publicação, período em que transformei e ampliei minhas percepções sobre o tema.

Quanto antes ocorrer a participação, melhor

A primeira recomendação que faço, e que consta do capítulo supramencionado, é a de uso de mecanismos de participação em fase inicial do processo regulatório. Apenas 5,8% de todos os mecanismos de participação realizados entre 1998 e 2022 pelas agências reguladoras federais foram realizados nesse estágio. 

A Lei Geral das Agências (LGA) exige a realização da consulta pública apenas quando a minuta de norma já foi elaborada. A literatura é vasta em enfatizar que isso é um problema, porque a agência tende a não mudar substancialmente de opinião após minutar uma norma. Qualquer modificação que ela fizer a partir de então no texto normativo será incremental, tornando a participação pouco efetiva.

Deste modo, é imperioso que as agências consultem as partes afetadas pela regulação muito antes de decidirem regular.

Quanto mais claras as informações fornecidas ao público participante, melhor

Minha experiência de sete anos analisando instrumentos convocatórios de consultas e audiências públicas revela que não há um esforço deliberado por parte de algumas agências em tornar as escolhas regulatórias inteligíveis para todas as partes afetadas pela regulação. Em todo o mundo, agentes econômicos regulados são o grupo que mais participa dessas consultas, mas não são o único grupo afetado pela maioria das normas regulatórias.

Há várias razões que explicam a baixa participação de consumidores e cidadãos em processos regulatórios, e uma delas é de ordem epistêmica. Uma linguagem excessivamente técnica e uma falta de clareza sobre o impacto da regulação nesses grupos pode constituir um obstáculo intransponível à participação.

Desse modo, recomenda-se que órgãos reguladores indiquem de forma explícita, já no ato convocatório, quem são as partes diretamente afetadas pela regulação. Além disso, recomenda-se que os órgãos reguladores disponibilizem as informações que possuem sobre o tema a ser regulado, e que as traduzam, se necessário, para uma linguagem mais acessível ao público que não dispõe de tempo, recursos e capacidade cognitiva para interpretar notas técnicas complexas.

Quanto mais ações de estímulo ao engajamento, melhor

A participação de grupos de interesse em processos regulatórios é, em geral, baixa, mas ela é ainda menor para certas partes afetadas, como organizações da sociedade civil e cidadãos. Analisando o conjunto de todas consultas públicas realizadas pela Anac até dezembro de 2023, verificamos que agentes econômicos regulados se fizeram presentes em 88% delas, ao passo que entidades consumeristas só participaram de 6% desses mesmos mecanismos de participação. Em um número não desprezível de casos, nenhum participante contribui nas consultas públicas da Anatel.

Esses números revelam que há muito por ser feito para promover engajamento das partes interessadas. Além de definir com clareza quais são os grupos afetados pela regulação, a agência deve promover ações para estimulá-los a participar. Se as partes afetadas não estão participando de processos regulatórios, isso tem mais a dizer sobre a forma como a agência se comunica do que sobre o seu comportamento propriamente dito.

Quanto mais precisas as informações sobre o público participante, melhor

Não raras vezes, os relatórios de análise de contribuições produzidos pelas agências apresentam informações incompletas sobre os participantes. O nome ou razão social do participante é muitas vezes divulgado sem a indicação do grupo de interesse do qual ele faz parte. Essa incompletude e imprecisão de informações compromete qualquer análise que se pretenda fazer sobre engajamento e influência de partes interessadas.

Desse modo, recomenda-se que as agências construam formulários de inscrição capazes de coletar informações padronizadas e essenciais para a identificação dos grupos de interesse participantes dos processos regulatórios. Acadêmicos, gestores, reguladores e a sociedade civil interessados em avaliar a efetividade dos mecanismos de participação agradecem.

Quanto maior a transparência das decisões da agência, melhor

As agências reguladoras federais não ofereceram respostas individualizadas para 55,05% de todas as consultas públicas realizadas entre 1998 e 2019. A falta de transparência ativa dessas respostas compromete qualquer análise que se pretenda fazer acerca da influência efetivamente exercida por grupos de interesse em processos regulatórios.

Recomenda-se que as agências não deixem de apresentar o relatório de análise de contribuições em mecanismos de participação, observando, assim, suas obrigações de transparência ativa. Além disso, esse relatório de análise de contribuições deve indicar, de forma clara, se as contribuições recebidas foram acatadas ou rejeitadas, bem como apresentar as razões utilizadas para embasar essas decisões. Antes que alguém se insurja contra essa recomendação de apresentação de respostas individualizadas às contribuições recebidas, sugere-se que, quando o número de contribuições for alto, a agência possa oferecer respostas em bloco. Além disso, quando o número de contribuições for excessivo, a agência não só pode como deve utilizar ferramentas tecnológicas de processamento de linguagem para identificar contribuições de teor semelhante e/ou idêntico e oferecer respostas claras para esses conjuntos de manifestações.

Quanto mais rápida a resposta da agência, melhor

Análises recentes revelam que as agências têm concluído seus processos de consulta pública de forma mais ágil. Desde que a LGA entrou em vigor, os tempos médio e mediano de publicação dos relatórios de análise de contribuições têm diminuído. Uma das possíveis causas dessa maior celeridade reside na introdução, pela LGA, de procedimentos e prazos bem delimitados para conduzir mecanismos de participação. A LGA não introduziu, no entanto, prazo para que as agências publiquem suas decisões após concluído o período de recebimento de contribuições. Não há limite temporal para que a agência publique esse relatório e não há a obrigação que ela comunique ao público alvo a decisão de não regular.

Recomenda-se, desse modo, que as agências se comprometam, por meio de normas internas, com prazos para responder às contribuições recebidas. Além disso, na hipótese de a agência desistir de regular o tema, ou adiar sua decisão para além do tempo estabelecido, recomenda-se que os participantes sejam informados desse fato.

Quanto maior a acessibilidade e padronização das respostas da agência, melhor

A LGA tem contribuído para uma maior padronização dos processos decisórios das agências. Embora os ritos, prazos e nomenclaturas dos mecanismos de participação tenham se tornado menos assimétricos com a introdução da LGA, ainda persiste uma falta de padronização acerca da forma como os dados das agências são registrados e disponibilizados, comprometendo análises comparativas entre agências.

Recomenda-se, assim, que as agências divulguem todos os documentos relacionados aos mecanismos de participação em formatos abertos e facilmente processáveis por máquina (como CSV, XML, HTML, ODS, ODT, dentre outros), facilitando a realização de análises quantitativas e qualitativas pelos interessados, essenciais no atual estágio de amadurecimento e implementação da política de melhoria regulatória no país.

Quanto mais variadas as oportunidades de participação, melhor

Há um vasto arsenal de mecanismos de participação que podem ser utilizados em complementação às consultas e audiências públicas para receber inputs dos grupos afetados. Exemplos incluem tomada de subsídios, reuniões participativas, conselhos consultivos, consultas setoriais, reuniões negociadas, dentre outros. Não disponho aqui de espaço para tratar deles, mas posso adiantar que é imprescindível que a agência utilize esses mecanismos de forma flexível, porém transparente e previsível (veja recomendação seguinte).

Quanto maior a procedimentalização e a transparência, melhor

Independentemente do mecanismo de participação a ser utilizado, as agências devem garantir que normas procedimentais previamente conhecidas do público sejam observadas e que seja garantida a transparência ativa de todas as informações necessárias para cada etapa do processo normativo. Por exemplo, quando a agência decidir consultar partes interessadas de forma dirigida, em complementação à consulta pública, ela pode fazê-lo desde que o faça de forma transparente, com regras claras de convocação e deliberação e com respostas ágeis e adequadas para grupos de interesse que porventura se sintam prejudicados.

Quanto mais deliberativa a participação, melhor

O uso de mecanismos variados de participação, em etapas diversas do processo regulatório, propiciará um ganho na qualidade da participação que, além de contar com o engajamento mais democrático e plural das partes afetadas, tende a promover a deliberação entre os participantes. Processos decisórios efetivamente deliberativos exigem interação e efetivo diálogo entre as partes, o que infelizmente não tem ocorrido nas consultas públicas realizadas em estágios avançados do processo normativo.

Acredito no potencial e na força da participação para aperfeiçoar as políticas regulatórias. A participação é um dos eixos centrais da agenda de melhoria regulatória de qualquer país. Com o engajamento das partes interessadas, o processo de tomada de decisão regulatória torna-se mais legítimo, mais transparente e mais bem informado. São muitos os desafios a serem superados para aumentar a efetividade da participação. No entanto, só assim será possível atingir a tão almejada melhoria regulatória.