Devedor contumaz: necessária regulamentação e jurisprudência de STJ e STF

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Como vimos, o Senado acaba de aprovar o PLP 125/2022, e isso representa um marco importante para quem trabalha com direito tributário.

Pela primeira vez, teremos critérios objetivos para separar o joio do trigo: empresas que passam por dificuldades pontuais versus aquelas que transformaram a sonegação numa estratégia empresarial deliberada.

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Nessa linha, essa distinção não é novidade no STF. Em agosto de 2025, na ADI 4.854, os ministros foram unânimes ao validar a lei gaúcha sobre devedores contumazes.

Inclusive, o ministro Nunes Marques foi categórico: existe diferença substancial entre quem deixa de pagar por dificuldade econômica real e quem usa “a inadimplência reiterada como estratégia de negócio”.

Ora, a Constituição permite – e na verdade exige – que tratemos de forma diferente situações que são estruturalmente diferentes. O princípio da isonomia material funciona exatamente assim: empresas que sonegam sistematicamente não merecem o mesmo tratamento dispensado àquelas que enfrentam crises legítimas.

Jurisprudência consolidada do STJ sobre regimes especiais

Vale lembrar que, antes mesmo do STF se manifestar, o Superior Tribunal de Justiça já havia aberto caminho para medidas como essas. O RMS 65.714-SE, julgado em fevereiro de 2022, estabeleceu que “é possível a imposição de regime especial de fiscalização, desde que haja previsão legal, inadimplemento reiterado de obrigações tributárias”.

Perceba, a decisão é clara: o fisco tem não apenas o direito, mas o dever de tratar diferentemente contribuintes com histórico de inadimplência sistemática.

Assim, o PLP 125 materializa essa orientação jurisprudencial, oferecendo finalmente o respaldo legal que a administração tributária vinha precisando há décadas.

Critérios objetivos como garantia de segurança jurídica

Nessa lógica, os números são claros: débitos acima de R$ 15 milhões, representando mais de 100% do patrimônio conhecido da empresa, mantidos em situação irregular por períodos determinados. Logo, esses critérios eliminam qualquer margem para interpretações subjetivas ou perseguições seletivas.

Ademais, há uma exigência de que a inadimplência seja “injustificada”. Isto é,  situações de calamidade pública, resultados negativos comprovados, ausência de indícios de fraude à execução – tudo isso pode afastar a caracterização da contumácia (o que denota uma preocupação pela subjetividade).

Em resumo, o objetivo não é punir quem enfrenta dificuldades reais, mas identificar quem age de má-fé.

Vedação a benefícios fiscais e transações

Aqui reside uma das maiores virtudes do projeto. Como bem observou o relator, senador Efraim Filho (União-PB), seria um contrassenso o Estado oferecer benefícios fiscais para quem sistematicamente ignora suas obrigações tributárias básicas.

Isto porque a Lei 13.988/2020 ampliou enormemente as possibilidades de transação tributária no país. Sem uma definição clara de devedor contumaz, correríamos o risco real de ver empresas especializadas em sonegação se beneficiando repetidamente de programas de regularização, enquanto contribuintes honestos arcam com o ônus da arrecadação.

Proteção da concorrência leal

Além disso, a vedação à participação em licitações públicas protege mais que o erário – protege a própria essência da livre concorrência. Empresas que sonegam conseguem ofertar preços artificialmente baixos em certames, prejudicando diretamente seus concorrentes que cumprem a lei. É uma distorção que o mercado brasileiro não pode mais tolerar.

Modernização através dos programas de conformidade

Por fim, os programas Confia e Sintonia introduzem uma filosofia nova na relação entre fisco e contribuinte. Em vez de apenas castigar quem descumpre, o sistema passa a recompensar efetivamente quem cumpre. Bônus de até 3% no pagamento da CSLL, renovação automática de certidões, priorização em processos administrativos – são benefícios concretos que fazem diferença no dia a dia empresarial.

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No fundo, essa mudança de paradigma alinha o Brasil com experiências internacionais bem-sucedidas. Holanda, Austrália e Reino Unido desenvolveram programas similares de cooperative compliance que reduziram significativamente tanto a litigiosidade quanto os custos de arrecadação.

Lado outro, o programa Confia permite algo inédito: empresas podem submeter operações complexas à análise prévia da Receita Federal e obter posicionamento oficial antes de executar os negócios. Para quem atua com planejamento tributário, isso representa redução substancial de riscos e custos futuros de compliance.