São usuais em redes sociais[1] o compartilhamento massivo de notícias falsas que poderiam ser facilmente compreendidas como não verdadeiras se em idade escolar tivéssemos uma introdução adequada de temas básicos de Direito Constitucional e Teoria do Estado.
Além de todas as outras vantagens que o ensino de noções de Direito e cidadania nas escolas traria, desde o fortalecimento de atuação no ambiente público, com destaque às questões sociais, bancárias, trabalhistas e financeiras, até o estímulo de pensamento crítico, a abrangência de direitos e deveres de Estado e de como o sistema é organizado, traz a compreensão cívica da esfera democrática e das suas regras, o que estimula o cidadão a maior autonomia de fiscalização e cobrança do poder público.
Contudo, a realidade é que as relações jurídicas e políticas permeiam a vida pública e privada dos cidadãos, indistintamente, contudo, o que se evidencia é o desconhecimento até mesmo sobre os conceitos mais comezinhos do direito.
É frequente que cidadãos brasileiros cobrem, ou relevem atitudes de instituições e agentes, por questões que não são de suas capacidades ou que façam confusão sobre os perfis de atividades e construam narrativas falsas. Não que esta seja uma realidade apenas do Brasil visto que é agenda de conflito de narrativas, mas é notório que encontra particular força no país e em outros com baixos índices de qualidade educacional.[2] E em especial, em momentos de crise tal como vivencia o Rio Grande do Sul devido às inundações que atingiram o estado em abril e maio.
Tornou-se ambiente profícuo para informações falsas o cenário caótico e crítico provocado por chuvas e pela, até que se demonstre o contrário, negligências do Poder Público em Porto Alegre[3] e em outras cidades. Desde notícias inverídicas como o patrocínio do governo federal ao show de Madonna no Rio de Janeiro e a não destinação de recursos federais para o Rio Grande do Sul[4], quanto que as enchentes tenham tido dimensão maior por causa de abertura de comportas de barragens na serra gaúcha[5]. O abuso do drama gaúcho é intenso e explorado tanto por desconhecimento quanto de forma intencional, com estrutura e requintes buscando atacar e desacreditar indivíduos, coletividades e instituições.
Em relevância a temas de Direito Constitucional e Teoria do Estado, tem de se tomar cuidado a algumas informações falsas que poderão ser divulgadas e circuladas neste e nos próximos meses. No cenário posto, são temas que encontram espaço de compartilhamento massivo frente ao ambiente de crise.
Elencamos ilustrativamente cinco.
Declarações que propriedades privadas de áreas afetadas serão confiscadas pelo Estado sem contrapartida financeira.
Tema que viola diretamente o artigo 5º, no seu inciso XXIV, que estabelece procedimentos para desapropriação, com justa e prévia indenização em dinheiro
Informações falsas sobre controle midiático de imagens sobre os impactos da enchente.
Já há compartilhamentos de que está sendo realizado controle midiático, com retiradas de falsa divulgação de imagens de crianças mortas “boiando” nas águas enlameadas na cidade de Canoas, extensamente atingida pelas chuvas no Rio Grande do Sul.[6] A liberdade jornalística está garantida no artigo 220 da Constituição Federal, acrescida ao artigo 5º, inciso IX, que assegura a liberdade de informação. Com evoluções de ferramenta de inteligência artificial generativa de imagens, é facilitado a construção de imagens falsas e é dever das plataformas, quando trazido em seus termos de uso e diretrizes, a retirada de conteúdos explicitamente falsos.
Notícias falsas trazendo que a distribuição de ajuda humanitária e de recursos financeiros será baseado em afiliação política.
Por mais que exista no histórico brasileiro beneficiamentos políticos nestes cenários, há de se ter um cuidado específico neste tipo de notícia, quando falsa, pois impacta diretamente percepções político-partidárias. O ato viola expressamente o artigo 5º da Constituição Federal, que garante igualdade de todos sem distinção de qualquer natureza.
Notícias sobre conspirações internacionais, para exploração de recursos na calamidade ou para extermínio populacional.
Dentro dos princípios das relações internacionais, no artigo 4º da Constituição Federal, há o repúdio ao terrorismo, bem como prevalência dos direitos humanos. A alegação quando falsa é típica e comum em cenários conspiracionistas.
Divulgações que crise foi artificialmente criada pelo governo ou por entidades internacionais para implementação de modelos ou regimes políticos diferenciado.
De igual forma, é usual da agenda conspiracionista e negacionista, que não aceita os motivos oriundos das respostas científica que qualificam as mudanças climáticas como impactantes de cenários climáticos extremos. Tal notícia, que já encontra celeiro mesmo que tímido[7], pode evoluir nos próximos meses, e entra em cheque com o artigo 1º da Constituição Federal que enfatiza a soberania popular e o regime democrático, como fundamento da República Federativa, como o artigo 34 que trata sobre as condições que a União pode intervir nos estados, em manutenção de sistema, forma e princípios constitucionais.
Por mais que competentes profissionais, como o projeto RS Verifica, iniciativa voluntária criada por jornalistas gaúchas para propagação de conteúdo checado no período das enchentes[8], redes sociais a partir dos seus controles privados, e o sistema judiciário quando provocado, atuem no controle das informações falsas e exista um debate legislativo para maiores controles de informação falsas no ambiente virtual[9], entendemos que o melhor modelo para segurança social de ambiente, que tende a gerar graves problemas sociais caso compartilhado, esteja na educação.
No cenário hipotético, mas factível, das notícias falsas acima encontrarem compartilhamentos massivos, é necessário apenas um conhecimento introdutório de temas constitucionais e do conteúdo da Constituição Federal para que se compreendesse que são informações falsas ou que existe um controle Estatal perante elas, de poder. Conhecimentos estes importantes que gerariam avanços de civilidade e cidadania ao jovem e a todo ambiente social inserido, expandindo o conhecimento aos seus familiares e meio, tendo-se em conta que a capacitação incorpora o indivíduo singular com os seus direitos.
No Brasil não há lei específica que obrigue a inclusão de ensino jurídico nas Escolas[10]. Contudo há no conteúdo da Base Nacional Comum Curricular, orientações de que currículos das escolas de ensinos básicos incluam competências e habilidades relacionas aos deveres e direitos individuais e coletivos. De modo reflexo, há a abertura de trazer discussões de conceitos jurídicos básicos.
Entendemos, e este é o espaço de atuação cívico-ativista da Comissão Especial de Educação da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção Rio Grande do Sul, que há um espaço de inclusão dos conhecimentos básicos de ensino jurídico especial de temáticas de Direito Constitucional e cidadania enquanto matéria específica no currículo escolar do Ensino médio.
Ora, se concebemos a educação como instrumento de transformação do indivíduo e da sociedade, deve ela, pois, traduzir-se em um processo emancipatório que ocorre a partir da escola, que, por sua vez, não pode estar alheia às crises e às lutas globais da sociedade.
No cenário de reconstrução do Estado do Rio Grande do Sul, que demandará esforços individuais e coletivos relevantes, torna-se essencial que tenhamos ambientes seguros em que se confie e compreenda o que são informações reais e falsas relacionadas a temas constitucionais e de teoria de Estado, a fim de que os cidadãos tenham participação efetiva, porém consciente e ativa na vida política.
É menos custoso, com maior liberdade para a expressão, menores riscos democráticos e garantia de direitos, que a compreensão do que é verdadeiro ou não, e do que é factível, venha a partir da universalização do saber, que ainda é privilégio de poucos em nosso país. E a educação jurídica é ferramenta desta mudança.
[1] Compreendemos redes sociais como plataformas digitais que conectam pessoas para compartilhamento de informações. Nesta linha, WhatsApp e outros aplicativos de mensagens instantâneas, que permitem formações de grupos, compartilhamento de dados entre membros e criação de comunidades, são considerados, por nós, redes sociais.
[2] O Brasil ocupa a 65º colocação entre 81 países avaliados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), de 2022. O Estudo, realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é considerado pelo Ministério da Educação como o principal levantamento sobre educação no mundo.
[3] Documentos internos do Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre que mostram que a prefeitura foi comunicada sobre problemas em estações de bombeamento de águas pluviais. Estes documentos, foram entregues ao Ministério Público para averiguação de negligência do poder público. Já o Diretor do DMAE, alega que não houve negligência. Informações colhidas em matinal: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/reportagem-matinal/prefeitura-sabia-dos-problemas-na-casa-de-bombas-que-inundaram-menino-deus-cidade-baixa-centro-e-sarandi/ e gauchazh https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2024/05/nao-houve-negligencia-diz-diretor-geral-do-dmae-sobre-investigacao-referente-a-casas-de-bombas-da-capital-
[4] https://www.terra.com.br/noticias/e-falso-que-governo-lula-patrocinou-show-da-madonna-e-deixou-de-enviar-recursos-para-as-vitimas-das-tragedias-no-rs,32337712f9db23aea77e8c024771c42egvafz0dx.html#:~:text=O%20show%20da%20cantora%20custou,patrocinadores%20como%20o%20banco%20Ita%C3%BA.
[5] https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/abertura-cinco-barragens-rio-grande-do-sul/
[6] https://www.estadao.com.br/estadao-verifica/falso-resgate-corpo-bebe-canoas-boneca-rio-grande-do-sul/#:~:text=O%20Estad%C3%A3o%20Verifica%20desmentiu%20postagens,%C3%A0%20crise%20clim%C3%A1tica%20foram%20confirmadas.
[7] Postagens em redes socias disseminam sem provas que efeito climático no Rio Grande do Sul foi provocado por arma ultrassecreta HAARP. https://www.nexojornal.com.br/externo/2024/05/24/antenas-haarp-o-negacionismo-sobre-as-chuvas-gauchas
[8] Iniciativa criada por jornalistas gaúchas para propagar conteúdo checado no Rio Grande do Sul, acelerado pelo jornalismo da Unisinos e a Fonte Jornalismo. https://www.instagram.com/rsverifica/
[9] Há uma profusão de projetos de lei que debatem temas relacionadas as notícias falsas, comumente intituladas de “fake news”.Dentre há o debate acerca da revogação do veto 46/21 da lei 14.197/2021. O veto presidencial, do então presidente Jair Bolsonaro, impediu a tipificação do crime de comunicação em massa (disseminação de Fake News). Em Sessão Conjunta, na data de 28 de maio de 2024, o Congresso Nacional, por 317 votos, contra 139 manteve o veto.
[10] São inúmeras as iniciativas de projetos de ensino jurídico nas escolas que ocorrem no Brasil, como o OAB vão a Escola, da Ordem dos Advogados no Brasil, que aborda temas desde estatuto da Criança e do Adolescente como de Direito do Consumidor, o projeto Conhecer Direito, da Defensoria Pública, e propostas legislativas múltiplas, como o projeto de lei nº 3380/2015, que propõe a inclusão de direito constitucional como disciplina nas escolas.