Desembargador suspende sentença que estendia patente da liraglutida à Novo Nordisk

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O desembargador Flávio Jaime de Moraes Jardim, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), suspendeu, no último sábado (6/9), os efeitos de uma sentença de primeira instância que prorrogava a patente da liraglutida biológica (PI0410972-4) até o julgamento do mérito da apelação interposta nos autos da ação de origem.

A liraglutida é o princípio ativo dos medicamentos Victoza e Saxenda, da farmacêutica dinamarquesa Novo Nordisk, recomendados para tratar diabetes e obesidade. A sentença acrescentou 8 anos, 5 meses e 1 dia ao prazo de validade original da exclusividade da dinamarquesa sobre o fármaco.

Jardim acolheu aos pedidos da farmacêutica EMS, que pretendia, em caráter de urgência, ser admitida como assistente litisconsorcial do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) na ação de origem e atribuir efeito suspensivo à sentença que estendeu o prazo da patente PI0410972-4, ligada a Victoza e Saxenda.

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Como justificativa para ingressar como assistente liticonsorcial, a EMS afirmou que obteve autorização sanitária da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para produzir e comercializar a versão genérica de liraglutida assim que expirasse a proteção patentária. A patente da Novo Nordisk se encerrou em novembro de 2024 e, em agosto deste ano, a farmacêutica EMS lançou as canetas emagrecedoras Olire e Lirux, contendo a liraglutida como princípio ativo.

Além disso, a EMS cita como justificativa para o pedido de urgência o fato de que seus investimentos nos medicamentos injetáveis já ultrapassam R$ 1 bilhão para uma projeção de produção de cerca de 250 mil canetas por ano, cuja continuidade ficaria comprometida caso houvesse demora na decisão judicial, produzindo restrições concretas ao seu produto já disponível no mercado.

A Novo Nordisk, por outro lado, manifestou-se nos autos pela improcedência dos pedidos da EMS e pelo indeferimento da cautelar proposta, bem como pela condenação da EMS por litigância de má-fé. A farmacêutica dinamarquesa também pontuou a ilegitimidade da EMS para pleitos vinculados ao mérito da ação de origem, assim como a inutilidade da medida. Por fim, suscitou a suspeição do desembargador relator, alegando atuação prévia como advogado da EMS em processo semelhante, hipótese que foi rejeitada pelo magistrado.

Precedente do STF

Ao analisar os pedidos da farmacêutica EMS, o desembargador Flávio Jardim destacou que o que foi decidido na ADI 5.529 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi reafirmado em precedentes tanto de outras Turmas do TRF1 como do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Em agosto de 2021, a maioria do plenário do STF definiu que o prazo de exploração da patente deve ser fixado em até 20 anos, independentemente do tempo de análise do INPI.

Na ocasião, a Corte julgava a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei 9.279/96, que estabelecia que “o prazo de vigência não será inferior a 10 (dez) anos para a patente de invenção e a 7 (sete) anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão, ressalvada a hipótese de o INPI estar impedido de proceder ao exame de mérito do pedido, por pendência judicial comprovada ou por motivo de força maior”.

Por maioria, os ministros do STF entenderam que o texto afrontava a previsão constitucional que estabelece um limite temporal para a vigência das patentes. O ministro Dias Toffoli, relator do caso, considerou que, ao buscar compensar possíveis atrasos na análise administrativa do INPI, o parágrafo único feria preceito constitucional ao possibilitar um prazo indefinido para a vigência da patente.

“Quanto maior o prazo de exclusividade usufruído pelo titular da patente farmacêutica, mais será onerado o poder público e a sociedade, considerando-se a necessidade de aquisição de medicamentos em larga escala para a execução de políticas públicas em saúde”, afirmou o relator.

Decisão do desembargador

Segundo Jardim, a sentença de primeiro grau entendeu existir um dano concreto causado pela ineficiência administrativa, uma vez que houve demora na apreciação do pedido de concessão da patente PI0410972-4, referente à tecnologia empregada nos medicamentos Victoza e Saxenda. Diante desse dano concreto, a sentença concluiu pela existência de direito de reparação.

“Em que pese tenha feito referência ao que decidido pelo STF na ADI 5.529, a sentença parece não ter entendido adequadamente o que a Corte Suprema assentou naquele julgado”, disse o desembargador. Isso porque, segundo ele, a tese de que a demora na apreciação do pedido produziria um dano concreto foi expressamente afastada pelo próprio Supremo, no voto do ministro Dias Toffoli, uma vez que o ordenamento tem mecanismos efetivos de proteção nessa fase.

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Na visão de Jardim, não parece ter havido qualquer comprovação de atos concretos de descumprimento da patente por laboratórios concorrentes da Novo Nordisk durante o período de tramitação do pedido no INPI. Nesse sentido, ele reforçou que a tese da sentença é a de que dano concreto existiu, mas que “não parecer ter existido prova desse dano, tendo o conjunto probatório presente nos autos evidenciado que se verificou evidente monopólio de fato”, já que não houve concorrência efetiva na fase de exame do pedido.

Além disso, destacou que não foi juntada aos autos cópia de qualquer ação movida pela Novo Nordisk contra laboratórios concorrentes, evidenciado o lançamento de medicamentos concorrentes ao Victoza e Saxenda, na fase de análise do INPI. Por isso, avaliou que o dano reconhecido pela sentença parece ser “meramente especulativo”.

“Logo, não parece existir dúvidas de que a sentença de violou os deveres de manter a jurisprudência estável, íntegra e coerente, sobretudo quando se está diante de precedente com eficácia erga omnes [para todos] e efeito vinculante do STF que expressamente aduz que não há plausibilidade na pretensão de prorrogação da patente de produto farmacêutico fundada no tempo de tramitação do processo administrativo”, concluiu Jardim.

Procurada pelo JOTA, a Novo Nordisk não se manifestou até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

A tutela cautelar antecedente tramita sob o número 1032991-70.2025.4.01.0000.

Em primeiro grau, juiz federal concedeu extensão de patente da liraglutida

Publicada na última quinta-feira (4/9), a sentença do juiz Bruno Anderson Santos da Silva, da 3ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), concedeu extensão de patente da liraglutida biológica (PI0410972-4). O magistrado acrescentou 8 anos, 5 meses e 1 dia ao prazo de validade original da exclusividade da dinamarquesa sobre o fármaco.

Na sentença, Silva ressaltou o atraso no processo administrativo do INPI. De acordo com os autos, foram mais de 13 anos até a finalização da análise. Este prazo foi considerado desproporcional e injustificado pelo juiz. A Novo Nordisk tem pedido similar relacionado à patente da semaglutida, princípio ativo dos medicamentos injetáveis Wegovy, Ozempic e Rybelsus. A ação está aguardando julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ainda sem data definida para entrar em pauta.

A sentença do magistrado ainda cita o precedente do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.529, de 2021. De acordo com o texto, embora o STF tenha declarado inconstitucional o dispositivo legal que prorrogava automaticamente o prazo de patentes, houve uma ressalva quanto à possibilidade de ajuste pontual em casos específicos.

O processo tramita com o número 1089024-07.2021.4.01.3400.