A regulamentação da reforma tributária foi aprovada pela Câmara dos Deputados e agora segue para análise pelo Senado. Nesse processo, é essencial dedicar atenção especial à regulamentação do regime especial aplicável às atividades de seguro e resseguro, em meio às preocupações levantadas pelo PLP 68/2024 quanto à manutenção da carga tributária e à necessária simplificação.
O PLP 68 foi elaborado pelo Poder Executivo e estabelece critérios para esse regime tributário específico, incluindo a incidência do IBS e da CBS sobre a receita, com alíquota uniforme e restrição ao crédito. Apesar de representar uma possível simplificação ao evitar a incidência do tributo em cada operação, surgem discussões sobre a composição da receita e desafios para compatibilizá-la com a regra de creditamento, levando em consideração as particularidades das operações realizadas neste setor.
Conforme proposto no texto, as receitas das atividades das seguradoras e resseguradoras compreendem os prêmios e as receitas financeiras dos ativos financeiros garantidores de provisões técnicas, sendo certo que estas últimas só nas hipóteses em que as operações não gerem créditos de IBS e CBS para os adquirentes.
O governo afirma que quer equalizar o reconhecimento das receitas e despesas ao longo do tempo ao tributar a receita financeira da provisão técnica. Assim, defende que essa tributação evita distorções no mercado, pois o descompasso temporal entre o pagamento do prêmio e o momento em que o sinistro ocorre poderia tornar a contratação do seguro mais vantajosa do ponto de vista fiscal, em comparação com o pagamento direto pelo consumidor a um prestador de serviço no futuro, uma vez que o preço cobrado por este último já incluiria a atualização financeira.
Esse mecanismo estaria restrito às operações que não geram crédito, porque, para as demais situações, haveria uma neutralidade decorrente da não cumulatividade.
Apesar das considerações sobre os efeitos econômicos, a norma tributária deve priorizar a definição da base de cálculo, considerando o que a Constituição pretende tributar por meio do IBS e da CBS.
Há muitos anos se debate sobre a composição da receita bruta para fins de incidência de PIS e Cofins, tendo o STF definido que a receita bruta das instituições financeiras é aquela decorrente da sua atividade empresarial típica (Tema 732 do STF), o que poderia corroborar a conclusão das seguradoras de que a receita financeira de provisões técnicas não deveria estar inclusa nessa base de cálculo[1].
Adicionalmente, para fins de IBS e CBS, a composição da receita deve estar restrita às operações de consumo, sendo aquela proveniente da contraprestação pela operação com bens e serviços, cuja remuneração se resume ao prêmio nas atividades das seguradoras. Aliás, o próprio PLP 68 estabelece que somente são tributadas as operações onerosas com bens e serviços e não há onerosidade no recebimento de receitas financeiras decorrentes de obrigações legais.
A tentativa de incluir as receitas financeiras das seguradoras na base de cálculo da CBS e do IBS não apenas está desalinhada dos objetivos constitucionais, como cria distorções com aumento indireto da carga tributária e mantém os litígios sobre essa matéria no setor de seguros.
De outro lado, apesar de a reforma tributária trazer consigo a promessa de amplo direito de crédito, o PLP 68 parece restringir o direito de crédito dos fornecedores sujeitos ao regime específico, como é o caso das seguradoras e resseguradoras. Assim, é importante se debruçar sobre as hipóteses de dedução.
No caso, é permitido às seguradoras deduzir:
as despesas com indenizações referentes a seguros de ramos elementares e de pessoas sem cobertura por sobrevivência, exclusivamente quando forem referentes a segurados pessoas físicas e jurídicas que não forem contribuintes do IBS e da CBS sujeitas ao regime regular, correspondentes aos sinistros, efetivamente pagos, ocorridos em operações de seguro, depois de subtraídos os salvados e os demais ressarcimentos;
os valores referentes a cancelamentos e restituições de prêmios que houverem sido computados como receitas; e
os valores referentes aos serviços de intermediação de seguros e resseguros.
A exclusão das indenizações devidas a pessoas físicas e jurídicas não sujeitas ao regime regular do IBS e da CBS parece adequada e não geraria um resíduo tributário, pois a norma prevê que tais valores sejam recuperados na forma de crédito pelo adquirente segurado, sujeito ao regime regular do IBS e da CBS.
Contudo, não está claro se estariam inclusos diversos outros produtos em que o beneficiário do seguro (quem recebe a indenização) é outra pessoa diferente do segurado, como no exemplo do seguro de responsabilidade civil, em que o terceiro lesado poderá receber diretamente a indenização da seguradora.
Assim, a análise das hipóteses de dedução da base de cálculo é de extrema importância, pois a omissão de situações que representam aquisições de bens e serviços pelas seguradoras contradiz o amplo direito ao crédito, resultando em cumulatividade.
Além disso, é crucial ressaltar que essa regra parece entrar em conflito com a própria Constituição, a qual, ao prever a criação de um regime especial para o setor financeiro (art. 156-A, §6º), determina que, ao adotar o critério de tributação sobre a receita, só seria possível criar restrições ao crédito para o adquirente e não para o fornecedor do serviço financeiro.
Diante desse contexto, é fundamental que os contribuintes se engajem ativamente no debate, buscando compreender e contribuir para aperfeiçoar o texto em discussão. A complexidade das questões levantadas, como a definição da base de cálculo, a composição da receita e as hipóteses de dedução, demanda uma análise minuciosa e participativa.
[1] De forma específica as seguradoras vêm debatendo esse tema no bojo da PET 9607, no âmbito do STF, para definir se há aplicabilidade do RE 609.096 – Tema 372 para exigibilidade da PIS e da Cofins sobre as receitas financeiras oriundas de aplicações financeiras das reservas técnicas de empresas seguradoras.