Desafios e oportunidades do uso de IA generativa na educação

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O uso da tecnologia na educação possui benefícios significativos para estudantes e profissionais, proporcionando fácil acesso à informação e flexibilidade no aprendizado, especialmente no contexto do impulsionamento do ensino a distância ocasionado pela pandemia de Covid-19.

Contudo, ao mesmo tempo que ferramentas de inteligência artificial, como modelos de linguagem de grande escala, podem aumentar a eficiência administrativa e melhorar a preparação de materiais didáticos, a implementação dessas tecnologias apresenta desafios, como a distinção entre conteúdos humanos e gerados por máquinas, além de vieses e erros nas informações geradas.

É nesse contexto que acreditamos que refletir sobre os desafios e oportunidades regulatórias para o Brasil é crucial para o desenvolvimento educacional do país, sendo fundamental a reflexão sobre a adequação dos currículos, profissionais e da política educacional brasileira para utilização dessas novas tecnologias de forma ética e sem que o aprendizado seja prejudicado.

Apesar de existirem legislações e medidas que incentivam o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) na educação, o Brasil ainda está longe de possuir regras específicas para lidar com os desafios e riscos apresentados pela IA generativa.

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), por exemplo, possibilita a mitigação de alguns riscos específicos associados ao uso de tecnologias por crianças e adolescentes, incluindo aquelas utilizadas na educação. Contudo, a legislação não chega a endereçar questões mais complexas suscitadas pela utilização de IA generativa.

Dessa forma, considerando as medidas propostas pela Unesco para guiar o planejamento de políticas que utilizam IA generativa na educação e na pesquisa[1], é necessário ressaltar que existem iniciativas regulatórias sob discussão no Brasil que tem como objetivo de tratar do desenvolvimento, fomento, uso ético e responsável da inteligência artificial, como o PL 2338/2023.

O relatório preliminar do PL 2338 apresentado na Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Brasil (CTIA) pelo relator, senador Eduardo Gomes (PL-TO), inclusive, possui previsões específicas sobre IA generativa e aborda a importância da educação sobre sistemas de IA.

A regulação proposta, contudo, não é suficiente para mitigar os riscos específicos que a tecnologia traz e garantir que a utilização da IA generativa nas salas de aula. É necessário considerar a efetiva modernização dos currículos educacionais e a capacitação de professores e profissionais que estejam aptos a utilizarem as tecnologias, cabendo ao poder público e instituições a formulação de políticas específicas para a utilização da tecnologia nesse setor. Tal medida parece acertada, uma vez que as especificidades e desafios do sistema educacional requerem uma avaliação da regulação educacional e do contexto brasileiro para políticas públicas direcionadas para o tema.

Observa-se que existe um alinhamento entre os objetivos e princípios da regulação educacional no Brasil e as diretrizes da Unesco para formulação de políticas específicas para IA generativa. Contudo, existe um grande caminho a ser percorrido entre o aprimoramento da estrutura e currículos do ensino público brasileiro voltados para tecnologias e o endereçamento de preocupações sofisticadas como a utilização de IA generativa na educação.

Apesar de a pandemia ter contribuído para o processo de digitalização nas escolas, uma Nota Técnica elaborada pela organização Todos pela Educação avaliou impactos da pandemia na alfabetização de crianças. De acordo com o estudo, “entre 2019 e 2021, houve um aumento de 66,3% no número de crianças de 6 e 7 anos de idade que, segundo seus responsáveis, não sabiam ler e escrever[2].

Tais impactos foram ainda maiores quando comparados os domicílios mais ricos e os mais pobres, de modo que “dentre as crianças mais pobres, o percentual das que não sabiam ler e escrever aumentou de 33,6% para 51,0% entre 2019 e 2021. Dentre as crianças mais ricas, por outro lado, o aumento foi de 11,4% para 16,6%”.

A partir desse cenário identifica-se um desafio estrutural para capacitação dos alunos sobre como utilizar ferramentas como IA generativa. Veja-se que, além da falta de habilidades básicas para elaboração e compreensão de textos que já seriam um impeditivo para a elaboração de “prompts”, muitas escolas sequer possuem estrutura tecnológica que passível de possibilitar um ambiente de aprendizagem adequado para os estudantes. A conectividade das escolas continua sendo um desafio no país.

É necessário também considerar a inclusão de temas da agenda digital, – como análise de dados, utilização de sistemas de IA etc. – no currículo do ensino médio. Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da área de ciências humanas já preveja que, no ensino médio, seja enfatizada a aprendizagem em relação às novas tecnologias e sua influência, é necessário adaptar o currículo para incluir objetivos concretos de aprendizagem, além de capacitar os alunos desde o ensino fundamental a se familiarizarem com o uso de dispositivos eletrônicos e com o acesso à informação por esses meios.

Na educação superior do país também se observa que a estrutura curricular não está alinhada com as demandas do mercado de trabalho brasileiro, especialmente no que diz respeito ao mercado de trabalho qualificado, que exige conhecimento e utilização de ferramentas tecnológicas. O catálogo de cursos técnicos e tecnólogos, por exemplo, poderia ser atualizado em relação às novas tecnologias, principalmente em matéria de IA.

Esse cenário é ainda agravado quando se considera que a política educacional do Brasil enfrenta barreiras significativas em relação à educação a distância (EaD), demonstrando uma resistência à adoção de novas tecnologias. Mesmo diante da importância da modalidade para democratização do conhecimento e para que instituições de ensino superior alcancem locais de difícil acesso, são frequentes as iniciativas que buscam impedir o estabelecimento de cursos de ensino superior na modalidade à distância[3].

Além das questões relacionadas ao domínio dos recursos tecnológicos pelos estudantes, um dos riscos da utilização da IA generativa no ensino reside na possibilidade de produzir conteúdo de forma rápida e simplificada.

Veja-se, por exemplo, a polêmica suscitada pela proposta do Governo de São Paulo de utilizar o ChatGPT para produção de aulas digitais para disponibilização em escolas da rede estadual paulista[4]. Após anúncio da utilização de inteligência artificial para elaboração dos materiais diversas críticas foram levantadas, sendo questionada a decisão de substituição dos professores pelas ferramentas, e a inadequação da forma como a tecnologia decidiu ser empregada, uma vez que ela foi utilizada de forma “preguiçosa”[5].

Assim, para pensarmos em uma agenda para a utilização ética e eficiente de inteligência artificial generativa no ensino e pesquisa no Brasil, é necessário: i) resolver problemas estruturais de alfabetização; ii) investir em infraestrutura tecnológica para as escolas; iii) modernizar a BNCC e o catálogo de cursos técnicos para incluir ciência de dados e inteligência artificial; iv) capacitar professores da rede pública, especialmente dos Institutos Federais, em ferramentas digitais; v) possibilitar que os alunos sejam treinados para utilizar ferramentas como IA generativa e; vi) ampliar a oferta de cursos técnicos.

É necessário um esforço conjunto do governo, instituições de ensino e sociedade civil para garantir a implementação de uma infraestrutura adequada, a modernização dos currículos e a capacitação contínua de professores e alunos, visando uma educação de qualidade e alinhada com as exigências da nova sociedade da informação.

[1] UNESCO. Guidance for Generative AI in Education and Research. Paris: United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, 2023. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386693 Acesso em 25 de janeiro de 2024. p. 24 – 28.

[2] TODOS PELA EDUCAÇÃO. Nota Técnica. Impactos da Pandemia na Alfabetização de Crianças. Fev/2021. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2022/02/digital-nota-tecnica-alfabetizacao-1.pdf Acesso em 01 de maio de 2024. P. 2 e 3.

[3] O Processo Administrativo nº 08700.006146/2019-00 que atualmente tramita no CADE, por exemplo, trata da edição ilegal da Resolução nº 1.256/2019 pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária para impedir o registro profissional de médicos veterinários formados na modalidade a distância, mesmo diante da proibição do art. 100 do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017, de identificação da modalidade de ensino na emissão e no registro de diplomas.

[4] PALHARES, Isabela. Gestão Tarcísio vai usar ChatGPT para produzir aulas digitais no lugar de professores. Folha de São Paulo, publicado em 17/04/2024. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2024/04/gestao-tarcisio-vai-usar-chatgpt-para-produzir-aulas-digitais-no-lugar-de-professores.shtml Acesso em 01 de maio de 2024.

[5] CORTIZ, Diogo. Gestão de Tarcísio escolhe o pior e mais preguiçoso uso de IA na educação. UOL, publicado em 19/04/2024. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/colunas/diogo-cortiz/2024/04/19/gestao-de-tarcisio-escolhe-o-pior-e-mais-preguicoso-uso-de-ia-na-educacao.htm?cmpid=copiaecola Acesso em 01 de maio de 2024.