As defesas do ex-assessor Filipe Martins e de réus acusados de integrar o núcleo 2 da tentativa de golpe de Estado no Brasil buscaram “empurrar” a pessoas do entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro e de seu governo a responsabilidade pelos atos imputados. Ainda reforçaram que seus clientes estavam seguindo ordens recebidas por superiores e não podem ser criminalizados por isso.
As manifestações dos advogados se deram nesta terça-feira (9/12) na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento será retomado na próxima terça-feira (16/12) e será reiniciado com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e, na sequência, os demais magistrados votarão.
O grupo cujas condutas são analisadas foi responsável pelas principais iniciativas que visavam manter Bolsonaro no poder, mesmo após perder as eleições, como a minuta golpista, as blitzes nas estradas e o plano para matar autoridades, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).
A estratégia de empurrar para terceiros os atos golpistas foi usada pelo advogado Jeffrey Chiquini, que defendeu Filipe Martins, o ex-assessor para assuntos internacionais da Presidência da República. Durante a sustentação oral, Chiquini imputou ao tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, a criação de “narrativas falsas” contra Filipe Martins.
Chiquini disse que Mauro Cid “teve em suas mãos o controle de toda narrativa” que envolve Filipe Martins. Conforme a defesa, Cid apresentou à investigação o documento com uma lista provisória de passageiros que teriam integrado viagem do ex-presidente aos Estados Unidos, no final de dezembro de 2022.
“Filipe Martins foi preso por uma viagem que não fez, e hoje todo mundo sabe que não fez, mas não é assunto superado porque aqui começa toda a guerra de narrativas falsas que Martins tem sofrido, por uma narrativa falsa criada por Mauro Cid. Mauro Cid cria Filipe Martins”, disse Chiquini.
Chiquini acusou Mauro Cid de ter apresentado uma minuta golpista a militares. O advogado destacou que o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, disse em depoimento que Martins não participou da reunião sobre apresentação do documento aos chefes das Forças Armadas.
Ainda no início da sessão, Chiquini protagonizou um embate com os ministros em que foi preciso a interferência de uma segurança. O ministro Flávio Dino acionou um policial judicial após Chiquini interromper a fala do ministro Alexandre de Moraes. O advogado pediu para inserir slides em sua apresentação e Moraes negou.
Cármen desmente advogado
O advogado do ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques, Eduardo Simão, disse na tribuna que o seu cliente procurou o ministro Alexandre de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), de livre e espontânea vontade por conta dos vídeos que circulavam na internet de que a corporação estava fazendo blitzes em estradas para atrapalhar o livre trânsito de eleitores. Mas ele não teria conseguido contato com Moraes porque ele estaria em São Paulo. Segundo o defensor, a preocupação de Vasques era com a imagem da corporação.
Contudo, a ministra Cármen Lúcia, vice-presidente do TSE à época, e o próprio ministro Alexandre de Moraes desmentiram a informação. Moraes disse que não foi procurado por Silvinei Vasques e foi ele quem convocou o então chefe da PRF para esclarecimentos dos fatos e ordenou a retirada dos bloqueios das estradas sob pena de prisão.
Simão disse que Vasques cumpria ordens e que não tinha como fazer uma avaliação jurídica dos comandos que recebia.
“No dia das eleições, vários vídeos circularam dando o tom de que o meu cliente estava tentando impedir o voto popular naqueles locais onde o atual presidente teria a preferência dos eleitores. São dados falsos. Os vídeos são verdadeiros, mas as notícias referentes aos vídeos são falsas”.
Manifestações
Na mesma linha de atribuir a membros de 1º escalão do governo Bolsonaro os atos golpistas, o advogado Luiz Eduardo Kuntz disse que o ex-assessor Marcelo Câmara era um “bombeiro das bobagens” que Mauro Cid fazia.
Para a defesa do coronel Marcelo Câmara, ele foi usado por Mauro Cid para tarefas de obtenção de informações. “Ficou claro que ele não sabia da minuta do golpe, que ele desconhecia a operação, que não participou da operação”, afirmou o advogado Luiz Eduardo Kuntz.
“É bem possível que o coronel Marcelo Câmara tenha sido usado para passar informações. Passou informações importantes para Cid, mas que a ele não parecia nada, não tinha o dolo específico de fazer parte de nada. Só tinha interesse de exercer, como exerceu, as suas funções administrativas”, declarou.
Conforme Kuntz, a acareação feita no processo “foi excepcionalmente favorável” porque Cid “explicita que o coronel Marcelo Câmara não sabia do que estava acontecendo”.
Segundo a acusação, Câmara foi responsável por obter informações sigilosas de interesse de Bolsonaro, como os dados usados no monitoramento do ministro Alexandre de Moraes.
Omissões do superior
Já a defesa de Fernando de Sousa Oliveira, que ocupou funções no Ministério da Justiça e na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, buscou ressaltar omissões do então superior do réu, o ex-ministro Anderson Torres.
O advogado Guilherme de Mattos Fontes disse que Fernando de Sousa Oliveira passou a trabalhar no Ministério da Justiça em 2020, antes da gestão de Anderson Torres – condenado no Núcleo 1 da trama golpista. Também buscou destacar “falhas” de Torres que levaram aos atos de 8 de janeiro.
Fernando Oliveira exerceu o cargo de Diretor de Operações do Ministério da Justiça e depois o de Secretário-Executivo da Secretaria de Segurança Pública do DF em janeiro de 2023. Ele é acusado de assessorar integrantes da pasta nas ações golpistas, como na mudança de planejamento das blitzes da PRF no 2º turno em locais com maior percentual de votos para o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva. Também é acusado de ter sido omisso com a segurança nos atos de 8 de janeiro.
O defensor afastou vínculos de Oliveira com o então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e afirmou que ele não teria “qualquer ascendência hierárquica” sobre a corporação.
Conforme o advogado, as mensagens trocadas por Oliveira com outras pessoas, obtidas pela investigação, “não demonstram qualquer participação ativa em qualquer plano de uso da PRF fora dos parâmetros legais”. A defesa também citou que Oliveira recusou três pedidos de verba suplementar para a corporação. “Se estivesse alinhado, não teria se oposto à liberação de verba naquele momento”.
“Sem vínculo”
Pela defesa de Marília Alencar, o advogado Eugênio Aragão disse que não há provas de que os documentos de inteligência que a ré produziu tivessem sido remetidos para o diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Silvinei Vasques. Diretora de inteligência da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça, Alencar é acusada de ter elaborado boletins que teriam sido usados para as blitzes nas estradas para barrar eleitores de Lula.
Conforme Aragão, não existia vínculo entre Alencar e Silvinei e nem uma relação de proximidade dela com o então ministro da Justiça, Anderson Torres. “É normal que o ministro a requisite [para reuniões]. É uma relação hierárquica e funcional”.
“Marília era um quadro de assessoramento informativo, não era operacional. Ela não tinha poder nem sobre Silvinei Vasques nem sobre o diretor da PF para dizer o que fazer. Ela fazia análise de risco”, afirmou o advogado.
Defesa de Fernandes
Já o advogado Marcus Vinicius, que falou pela defesa do general Mário Fernandes, afirmou que o militar não participou de nenhuma organização armada e nem integrou o núcleo de monitoramento de autoridades.
Fernandes é acusado da autoria do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a morte de autoridades, como o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva; o vice, Geraldo Alckmin; e o ministro Alexandre de Moraes. Em depoimento no STF, o militar disse que escreveu o plano, mas era um “pensamento digitalizado” e que não compartilhou com ninguém.
Segundo a defesa, a minuta deste documento “não apresenta em nenhuma linha” o nome de Moraes. “A minuta não foi compartilhada com ninguém. E o colaborador Mauro Cid atesta jamais ter tido conhecimento ou contato com a minuta do Punhal Verde e Amarelo, exceto em dezembro de 2024”, afirmou.
O advogado também afirmou que “nunca houve encontro” de Fernandes com Mauro Cid e com Rafael Martins, um dos kids pretos condenados em outro núcleo do caso.
A PGR pede a condenação dos réus pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, organização criminosa armada, dano qualificado por violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, além de deterioração de bem tombado.