Defesa do meio ambiente e do clima: a contribuição da AGU para uma construção coletiva

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Sabemos que a Constituição de 1988 tornou o meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito, e também um dever, de toda coletividade e do Poder Público. Nossa leitura jurídica precisa assumir essa responsabilidade. Concretizar juridicamente esse direito é olhar com essas lentes para um novo horizonte, pautado nas futuras gerações.

Presente em todos os ministérios, autarquias e fundações públicas federais, a Advocacia-Geral da União (AGU) é o órgão mais transversal do Poder Executivo Federal. E, em 2023, a instituição decidiu aproveitar essa característica singular para atuar de forma mais comprometida por um futuro sustentável. Afinal, problemas ambientais e climáticos são complexos. Demandam articulações entre organizações para alcançarem melhores resultados. Nós, advogados públicos presentes nelas, podemos, portanto, oferecer contribuição fundamental para nesse processo.

Desde a criação da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente da Advocacia-Geral da União, no início do ano, os desafios eram enormes. Reconstrução da política ambiental. Trabalhar para que o desmonte que ocorreu não mais se repita. Permear de clima as políticas públicas federais. Como advogados públicos, contribuímos com a elaboração de atos normativos, obtenção de decisões judiciais e construção de novas interpretações jurídicas. Não faltou empenho. Trabalhamos duro para tornar mais robusto o Estado de Direito Socioambiental brasileiro[1].

Com cinco decretos presidenciais editados ainda no dia 1º de janeiro, ajudamos a revogar retrocessos. Um deles, garantiu a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) e do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Bioma Cerrado (PPCerrado).

Criamos o AGU-Recupera, grupo de advogados especializados com metas anuais de propositura de ações de reparação do dano ambiental, além da atuação prioritária judicial em defesa do poder de polícia ambiental. Em maio, o grupo propôs 34 ações civis públicas para cobrar R$ 479 milhões de desmatadores da Amazônia e do Cerrado. Como resultado dessas ações, após cinco meses, conseguimos bloquear R$ 95,6 milhões de acusados por desmatamento.

Em setembro, ampliamos nossa atuação em defesa do Cerrado, com novas ações. Em resposta, obtivemos o bloqueio de R$ 15,5 milhões de bens e valores de desmatadores do Cerrado. Em novembro, propusemos mais 20 ações para cobrar R$ 432 milhões. Seguimos trabalhando para que o ilícito ambiental não valha a pena. Os processos movidos pelo AGU-Recupera somam um acervo de quase R$ 4 bilhões em ações públicas de reparação propostas. Pretendemos, em 2024, transformar esse litígio em acordos. Demandas judiciais de reparação transformadas em árvores. Temos uma meta de reflorestamento, da NDC (contribuição nacional no Acordo de Paris), a ser cumprida.

Demos, ainda, segurança jurídica às multas ambientais. Entendimento jurídico aprovado pelo advogado-geral na União, Jorge Messias, garantiu a validade de 183 mil processos sancionadores que representam R$ 29,1 bilhões. A discussão envolvia 84% das autuações aplicadas pelo Ibama de 2008 a 2019. Levamos o tema ao Judiciário e, recentemente, a Segunda Turma do STJ acolheu nossa posição jurídica. As multas ambientais foram mantidas. Não se trata, apenas, de litígio por valores. As multas materializam o trabalho sério, o esforço dos fiscais ambientais que se arriscam todos os dias em defesa do meio ambiente.

Criamos, ainda, o Grupo Especial de Defesa dos Povos Indígenas para elaborar e uniformizar estratégias judiciais e de assessoramento. Ajudamos na retomada das demarcações de seis terras indígenas. Atuamos em articulações complexas, e nos inúmeros questionamentos judiciais, das desintrusões das Terras indígenas Yanomami, Rio Guamá e Apterewa. Fomos ao território. Vivenciamos as dificuldades. Propusemos caminhos. Somos uma advocacia pública que constrói, junto com o gestor público, respostas juridicamente mais seguras.

Retomamos a participação em espaços federativos e normativos, como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Encontramos soluções para problemas comuns ambientais. Mediamos conflitos. Acreditamos que menos litígios e mais consensos são possíveis. Um exemplo foi o acordo com o estado de Pernambuco para gestão compartilhada de Fernando de Noronha e o acordo com o Ceará, para gestão do Parque Nacional de Jericoacoara. Os entes federativos brasileiros compartilham o dever de preservação ambiental. Nós, da AGU, oferecemos um espaço hábil para facilitar tais entendimentos em um federalismo cooperativo ambiental. Esperamos seguir construindo novos caminhos e acordos.

Mudamos nossa postura ambiental perante o Poder Judiciário. Defendemos a saída de um estado de coisas Inconstitucionais ambientais no Supremo Tribunal Federal, sem deixar de reconhecer a importância da sociedade civil e das decisões judiciais do chamado Pacote Verde. Batalhamos, na realidade, para cumpri-las. Celebramos acordo na ação movida por jovens ambientalistas contra a pedalada climática do governo anterior. Saímos da condição de réus para a de autores nos litígios climáticos, ao propor ação de R$ 292 milhões contra as emissões de um dos principais desmatadores da Amazônia. Retomamos o diálogo necessário com Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Participamos da Justiça Itinerante na Amazônia e da construção do protocolo para julgamento de ações de danos ambientais. Por meio dessas articulações, queremos mais efetividade judicial e menos litígios.

Revimos o parecer da boiada da gestão anterior e, com isso, ampliamos a proteção da Mata Atlântica. Outro parecer recente, aprovado pelo atual presidente da República, impedirá que infratores graves contratem com a Administração Pública Federal. Apoiamos juridicamente a transformação ecológica, nos debates para uma regulação do mercado de carbono. Unimos o debate político com a construção entre atores jurídicos para que houvesse segurança jurídica na defesa da natureza.

Aprofundamos a atuação junto com a Associação Latino-Americana de Advocacias e Procuradorias de Estado (Alap). No Dia do Meio Ambiente, juntamos esforços das advocacias públicas do Brasil, Paraguai, Bolívia, Chile, Costa Rica, Honduras Panamá e Peru na defesa do clima. O planeta é um só e os danos ambientais e climáticos não respeitam fronteiras. Participamos, pela primeira vez, de uma COP (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima). Falamos da nossa atuação judicial e consultiva no Brasil e aprendemos com os outros países, bem como com os movimentos ambientais, novas abordagens e estratégias. Fizemos parte da volta do Brasil ao protagonismo climático em nível global.

Ainda assim, são apenas os primeiros passos. Sabemos que não há tempo a perder. Precisamos unir esforços. A emergência climática não nos deixa dormir ou parar. Os desastres ocorrerem com frequência cada vez maior. Os impactos são sentidos no nosso cotidiano.

Sim, temos muito a fazer. Mas este artigo busca sobretudo agradecer as parcerias e os elos formados nesta estrada. Nada disso seria viável sem a vontade de somar que os temas climáticos exigem. Os êxitos são coletivos, difusos e transindividuais. Para chegarmos a metas mais ambiciosas, como pretendemos, é preciso mais. Mais parceiros. Mais diálogo. Mais debates. Mais aprendizado. Seguimos, como advogados públicos pelo clima, de portas abertas. Que em 2024 o meio ambiente e o clima entrem ainda mais no ciclo das políticas públicas. Nós, da AGU, queremos seguir construindo junto.

[1] BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Constitucionalização do ambiente e ecologização da Constituição brasileira. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (Org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.