Defensoria Pública e o direito constitucional de compor CNJ, CNMP e tribunais

  • Categoria do post:JOTA

A Defensoria Pública (que adota, em muitas situações, postura contramajoritária) resiste a questionamentos jurídicos – vale lembrar a ADI 3.943[1], em que se discutiu a legitimidade da Defensoria para propor ações coletivas; a ADI 5.296[2], em que se impugnou a autonomia concedida pela EC 74/13 à DPU e à Defensoria Pública do DF; e, mais recentemente, a ADI 6.852[3], em que a PGR questionou a prerrogativa de requisição defensorial, ação julgada improcedente pela maioria dos ministros do STF.

Isso revela que a instituição, mesmo convivendo com cortes orçamentários[4] e posicionando-se na defesa de temas que nem sempre agradam à maioria de ocasião, avança paulatinamente, com respaldo em sua autonomia administrativa e financeira, com o objetivo de assegurar a tutela jurídica individual e coletiva dos mais necessitados, exercendo gradualmente sua função de provedora de justiça.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

Raul Seixas[5] já advertia: “Não diga que a vitória está perdida, se é de batalhas que se vive a vida, tente outra vez”. Essa parece ser a tônica que impulsiona a atuação da Defensoria Pública.

Em um Estado como o brasileiro, em que cerca de 90% da população aufere, mensalmente, menos de três salários mínimos[6], a Defensoria Pública revela-se vocacionada constitucionalmente a garantir assistência jurídica às pessoas e coletividades necessitadas (hipossuficientes e hipervulneráveis[7] – indígenas, comunidades quilombolas, pessoas em situação de rua ou privadas de liberdade, mulheres vítimas de violência doméstica, entre outras), assegurando que a dignidade de expressiva parcela dos cidadãos seja efetivada por meio da educação em direitos, da resolução extrajudicial de conflitos e do acesso ao Poder Judiciário.

No que tange aos direitos humanos, o Poder Constituinte derivado reformador alçou a Defensoria Pública ao patamar de única instituição responsável pela sua promoção a nível nacional[8] (estando legitimada, inclusive, a acionar os sistemas internacionais de proteção[9]), instituição do sistema de Justiça que, por ser caracterizada pelo perfil de portas abertas, reúne condições para primeiro tomar conhecimento acerca de eventuais abusos e omissões estatais.

O projeto constitucional desenhado pelo legislador para a Defensoria nos permite asseverar que a instituição defensorial: (i) materializa a face fraterna e solidária[10]  da Carta Magna (garantindo, por meio da assistência jurídica gratuita, a redução das desigualdades sociais); e (ii) irradia verdadeira função de anteparo erigido pelo Poder Constituinte em favor da população vulnerável, obstando que haja a possível perpetuação na violação de direitos fundamentais das atuais e futuras gerações e viabilizando, por consequência, o progressivo reconhecimento de novos direitos titularizados pelos assistidos.

Contudo, constata-se que a instituição defensorial, diferentemente do que ocorre com a Advocacia e o Ministério Público, não tem representatividade no Conselho Nacional do Ministério Público, no Conselho Nacional de Justiça, nos Tribunais de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça, situação que contraria o entendimento contemporâneo da Suprema Corte acerca da simetria existente entre a Defensoria e o Ministério Público e que configura um vácuo legislativo, em tese, inconstitucional em órgãos de sobreposição, denotando que a instituição incumbida de prover justiça aos mais necessitados é justamente a alijada da oportunidade de contribuir com a pluralização do debate nesses importantes espaços de decisão.

A pretensão de equiparação entre as citadas instituições do sistema de justiça decorre da própria simetria existente entre a Defensoria Pública e o Ministério Público, fato reconhecido pela ministra Rosa Weber, em voto proferido nos autos da ADI 5.296 (oportunidade em que o STF julgou improcedente ação direta que questionava a autonomia da DPU e da Defensoria Pública do Distrito Federal), trecho abaixo transcrito:

“Observo, ainda, que o artigo 127, §2º, da Constituição Federal assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa, e no §1º, aponta como princípios institucionais da instituição a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, que a Emenda Constitucional no 80, de 04.6.2014, ao incluir o §4º no artigo 134, também veio a consagrar como princípios institucionais da Defensoria Pública – a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional. Densificado, assim, deontológica e axiologicamente, pelo Poder Constituinte Derivado o paralelismo entre as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado que atuam na defesa da sociedade, sem desbordar do espírito do Constituinte de 1988″.

No mesmo sentido, o ministro Alexandre de Moraes, em voto proferido na ADI 6.852, assevera com precisão que:

“Cabe ter presente, ainda, em contraponto ao argumento de desequilíbrio processual entre as partes, a circunstância de que o poder de requisição conferido à Defensoria Pública não diverge daquele atribuído ao Ministério Público pelo artigo 26 de sua respectiva Lei Orgânica Nacional (Lei 8.625 /1993).
O paralelismo deontológico e axiológico entre a Defensoria Pública e o Ministério Público foi muito bem ressaltado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL na ADI 5296, no voto condutor da eminente relatora, a ministra ROSA WEBER, tendo-se em perspectiva a legitimidade ativa comum a ambas as instituições na proteção de grupos vulneráveis, por meio da ação civil pública”.

Adotando raciocínio semelhante, transcrevo trecho do voto proferido pelo ministro Edson Fachin, nos autos da ADI 6.852:

“Delineado o papel atribuído à Defensoria Pública pela Constituição Federal, resta evidente não se tratar de categoria equiparada à Advocacia, seja ela pública ou privada, estando, na realidade, mais próxima ao desenho institucional atribuído ao próprio Ministério Público”. Convém, ainda, refutar eventual argumento de que o acesso de membros da Defensoria Pública à composição dos referidos Conselhos e Tribunais poderia se dar por meio das Seccionais e do Conselho Federal da OAB, já que, conforme definido pelo STF, no Tema 1.074, “É inconstitucional a exigência de inscrição do Defensor Público nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil”.

Naquela oportunidade, o ministro Gilmar Mendes, nos autos do RE 1.240.999/SP[11], acompanhou o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes, e definiu que “[…] a alteração constitucional de 2014, que modificou a disposição do Capítulo IV da Constituição Federal, eliminou residuais dúvidas em relação à natureza da atividade dos membros da Defensoria Pública. Tais membros definitivamente não se confundem com advogados privados ou públicos. A topografia constitucional atual não deixa margem a discussão. São funções essenciais à Justiça, em categorias apartadas, mas complementares: Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia e Defensoria Pública”.

O tema ora suscitado foi parcialmente objeto de proposta de emenda constitucional (PEC 488/2010) de iniciativa do então deputado federal Sérgio Carneiro (PT-BA), texto no qual se propunha a alteração do art. 94 da CF/88, reconhecendo a legitimidade da Defensoria de ter acesso à regra do quinto constitucional, em simetria ao que ocorre com a advocacia e o Ministério Público.

A referida PEC 488/2010 terminou sendo apensada à PEC 128/2007, que, ao final, contou com parecer do relator na Comissão de Constituição e Justiça, delegando o exame da matéria a comissão especial que deveria ser criada para tratar do tema. A PEC 128/2007 foi arquivada em 2015[12].

Ante o exposto, constata-se que o reconhecimento do direito constitucional da Defensoria Pública de compor o CNJ, o CNMP, os Tribunais de Justiça, os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça é questão que merece ser debatida em sede própria (Poder Legislativo) e que reflete o status constitucional de que já usufrui a instituição defensorial no cenário jurídico nacional.


[1]Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%203943%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em 13 abr. 2025.

[2]Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%205296%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true Acesso em 13 abr. 2025.

[3]Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206852%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em 13 abr. 2025.

[4] SEIXAS, Raul. In Novo Aeon. Rio de Janeiro, Phillips Records, 1975.

[5] Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/dinheiro/90-da-populacao-brasileira-ganha-menos-de-r-3-mil-por-mes-veja-o-grafico/. Aceso em 13 abr. 2025.

[6] Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/dinheiro/90-da-populacao-brasileira-ganha-menos-de-r-3-mil-por-mes-veja-o-grafico/#google_vignette. Acesso em 13 abr. 2025.

[7] Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?preConsultaPP=&pesquisaAmigavel=+hipervulneraveis++e++LAURITA+VAZ&acao=pesquisar&novaConsulta=true&i=1&b=ACOR&livre=hipervulneraveis+&filtroPorOrgao=&filtroPorMinistro=&filtroPorNota=&data=&operador=e&thesaurus=JURIDICO&p=true&tp=T&processo=&classe=&uf=&relator=%221120%22&dtpb=&dtpb1=&dtpb2=&dtde=&dtde1=&dtde2=&orgao=&ementa=&nota=&ref=. Acesso em 13 abr. 2025.

[8] Art. 134, caput, da CF/88.

[9] Artigo 4º, III e VI, da LC 80/94.

[10] Art. 3°, I, da CF/88

[11]Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22RE%201240999%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em 13 abr. 2025.

[12] Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=359981. Acesso em 13 abr. 2025.