A Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio), instituída pela Lei 13.576/2017 para contribuir com a redução das emissões de gases de efeito estufa no âmbito do Acordo de Paris, tem sido alvo de ações judiciais por parte das distribuidoras, que apontam problemas concorrenciais e assimetrias que impactam o preço final da gasolina e do diesel.
A nova Lei 15.082/2024, em vigor desde o fim do ano passado, modificou o RenovaBio para endurecer ainda mais as sanções às distribuidoras pelo descumprimento das metas de aquisição de CBIOs, num movimento em que o governo parece ter dobrado a aposta na solução punitivista, sem corrigir as inconsistências do programa.
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A dúvida mais imediata é quando as novas penalidades passam a valer. O Decreto 12.437/2025, publicado em 17 de abril, trouxe mais dúvidas do que respostas.
Por exemplo, a Lei 15.082/2024, publicada no último dia de 2024, prevê que o não cumprimento da meta individual anual configura crime ambiental (art. 68 da Lei 9.605/1998). Como essas metas devem ser cumpridas até 31 de dezembro, teriam as distribuidoras menos de 24 horas para se adequar? Bastaria o mero estado de inadimplência no dia 1º de janeiro para configurar o crime? O ilícito penal requer processo administrativo prévio instaurado pela ANP?
O artigo 23 da LINDB estabelece que a imposição de novos deveres deve prever transição proporcional e sem prejuízo ao interesse público. Mas esse não foi o caso do novo decreto.
Coube à Procuradora Federal junto à ANP (PROGE), em parecer solicitado pela agência, esclarecer que a lei vale somente a partir de 2025, e que o crime só se configura após processo administrativo regular, com garantia do contraditório e ampla defesa.
E não poderia ser diferente, pois se trata de “norma penal em branco”, que exige procedimento complementar para apuração. Além disso, pelo princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, as novas punições e valores de multa não podem alcançar o exercício de 2024 ou anteriores.
É o caso da revogação da autorização de distribuição de combustíveis para quem não cumprir metas por dois exercícios ou mais (novo art. 9-C da Lei 13.576/2017). Como essa punição entrou em vigor em 31/12/2024, sua aplicação só será possível após dois exercícios completos a partir de 2025, com direito ao devido processo.
O mesmo se aplica à vedação de comercialização com distribuidores inadimplentes (novo art. 9-B). Embora prevista para entrar em vigor no fim de março de 2025, alguns produtores passaram a restringir vendas com base em listas anteriores da ANP, levando a própria agência a esclarecer que essas listas não têm vínculo com a nova lei. O Decreto, por sua vez, apenas transfere à ANP a regulamentação, adiando sua aplicabilidade.
O § 4º do art. 6-A do decreto, por fim, autoriza a inclusão de distribuidoras na lista de sanções mesmo com punição apenas em primeira instância, violando os princípios da presunção de inocência e do duplo grau de jurisdição.
As observações acima não esgotam os problemas do RenovaBio, mas buscam contribuir para o debate e o aperfeiçoamento de uma política pública mais justa. Uma transição energética que se quer “justa” deve ter como premissa a segurança jurídica dos agentes econômicos que cumprem função de interesse público na distribuição de combustíveis e podem impulsionar a descarbonização da economia.