Recentemente foi criada uma página na internet denominada Worst Place to Work, cujo objetivo principal é o de divulgar relatos sobre as supostas “empresas mais tóxicas do Brasil”. Para tanto, os usuários informam apenas o nome da empresa e o motivo do relato, sendo “garantido” o anonimato e sem qualquer pesquisa sobre elementos mínimos de verdade. Uma planilha é confeccionada com relatos agressivos contra empresas e ninguém tem a certeza se – de fato – algo na plataforma é real. Resumindo: amplo espaço para ataques à imagem de qualquer empresa.
Nesse cenário, realizando uma análise legal sobre o Worst Place to Work, há diversos aspectos jurídicos que chamam atenção, dos quais destacamos três: 1) a impossibilidade de confirmação da veracidade das informações; 2) a impossibilidade do exercício do direito de resposta por parte das empresas; 3) os danos causados à imagem das empresas.
Não resta dúvida da importância de se repelir atitudes no âmbito de trabalho que não condizem com as diretrizes da função social de qualquer empresa no Brasil. O acesso à justiça e a ampla liberdade de expressão, inclusive na internet, são ferramentas que garantem a busca por um ambiente organizacional saudável e ético. Outra coisa totalmente distinta é o papel que o site Worst Place to Work criou ao transformar-se numa plataforma digital sem qualquer responsabilidade sobre as informações que divulga.
Em relação à lista das “empresas mais tóxicas do Brasil”, importante citar estudo realizado pela London School of Hygiene & Tropical Medicine, que aponta influência direta dos cidadãos em caso de propagação de desinformação[1]. Ou seja, a disseminação de informações sem a devida constatação da veracidade pode desencadear ampla repressão contra as empresas, impactando diretamente no trabalho por si desempenhado e por seus colaboradores.
A Constituição Federal previu a livre manifestação do pensamento, contudo, que essa liberdade deve ser exercida com responsabilidade, especialmente quando sua manifestação possa afetar a reputação e os direitos individuais de outras pessoas – sejam elas físicas sejam jurídicas. O art. 220, § 1º da Carta Magna prediz que a liberdade de expressão está limitada ao disposto no art. 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV. O ponto fulcral da discussão é o devido respeito à imagem, visto ser este elemento de mais importância no mercado.
A Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa) já traz previsão de indenização por danos morais causados. Seus arts. 49 e 50 garantem àquele que teve a ofensa à honra, dignidade ou imagem prejudicadas por manifestações caluniosas e injuriosas a reparação na esfera civil, a qual é pautada pelos artigos 11 a 21,186 e 927 do Código Civil. A hipótese fática do caso Worst Place to Work indica a ocorrência de circunstâncias gravosas de divulgação de notícia distorcida/alterada: a) fatos manipulados/distorcidos; b) arbitrariedade na seleção dos fatos noticiados; e c) parcialidade na divulgação.
Conforme entendimento registrado pelo ministro Gilmar Mendes[2] prevalece a proteção à imagem, na condição de direito, em conflito com a garantia da livre manifestação do pensamento[3]. O exercício do direito fundamental à liberdade de expressão pressupõe que, se atingidos parâmetros de probidade da informação, é devida a responsabilização, caso se verifique que o “comunicador teve intenção de infligir dano ou que estava plenamente consciente de estar divulgando notícias falsas, ou se comportou com manifesta negligência na busca da verdade ou falsidade das mesmas”[4].
Conforme é verificado na grande maioria dos comentários inseridos na lista das “empresas mais tóxicas do Brasil”, há fortes indícios de condutas ilícitas – difamação contra pessoas jurídicas e calúnia, injúria e/ou difamação contra pessoas físicas. Paralelamente, pela exegese dos arts. 12, 17 e 20, todos do Código Civil, há o direito de retirada do conteúdo ofensivo da rede mundial de computadores.
Mormente, o art. 2º da Lei 12.965/14[5] prediz que o uso da internet em nosso país tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, mas essa não sem limites, os quais são encontrados no art. 7, I, que prevê a “inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Com efeito, o inciso X prescreve que é garantida a exclusão definitiva dos dados pessoais de seus servidores quando o usuário expressamente o requerer.
Apesar de o mencionado site divulgar que se trata de um formulário anônimo, há, como visto, meios judiciais aptos para a obtenção das informações relacionadas ao criador do site, bem como dos usuários que realizaram os comentários. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no acórdão paradigmático do REsp 1308830/RS[6], da lavra da insigne relatora-ministra Nancy Andrighi, definiu que os provedores da internet “devem, assim que notificados sobre a existência de dados ilegais, removê-los, no prazo de 24 horas, sob pena de responsabilização em razão da inércia; devem manter um sistema eficaz de identificação de seus usuários.
[1] Loomba, A. de Figueiredo, S. J. Piatek, K. de Graaf, H. J. Larson. Measuring the Impact of Exposure to COVID-19 Vaccine Misinformation on Vaccine Intent in the UK and US. Nature Human Behaviour. DOI:10.1038/s41562-021-01056-1.
[2] https://www.conjur.com.br/2019-set-16/direito-civil-atual-liberdade-expressao-direitos-personalidade, acessado em 08/09/2021, às 17h35.
[3] “A definição dos limites de liberdade de imprensa e da liberdade artística em relação aos direitos de personalidade, notadamente em relação ao direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, trava uma fundamental discussão acerca da colisão de direitos individuais. […] Nas situações de conflito entre a liberdade de opinião e de comunicação ou a liberdade de expressão artística (CF, art. 5º, IX) e o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (CF, art. 5º, X), o texto constitucional parece deixar claro que a liberdade de expressão não foi concebida como direito absoluto, insuscetível de restrição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo.”
[4] OEA. (2009). OEA – Organización de los Estados Americanos: Democracia para la paz, la seguridad y el desarrollo. https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/showarticle.asp?artID=132&lID=4
[5] Art. 2º A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como: I – o reconhecimento da escala mundial da rede; II – os direitos humanos, o desenvolvimento da personalidade e o exercício da cidadania em meios digitais; III – a pluralidade e a diversidade; IV – a abertura e a colaboração; V – a livre iniciativa, a livre concorrência e a defesa do consumidor; e VI – a finalidade social da rede.
[6] REsp n. 1.308.830/RS, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 8/5/2012, DJe de 19/6/2012.