O Comitê de Política Monetária (Copom) entregou tudo o que o mercado pediu na reunião encerrada na noite desta quarta-feira (19/6). A unanimidade em torno da parada dos juros em 10,5% ao ano mostra uma clara opção do grupo de indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em reduzir os ruídos em torno da política monetária e demonstrar comprometimento em tentar reancorar as expectativas inflacionárias.
Com a fala do chefe do Planalto no dia anterior sobre Roberto Campos Neto, a atuação conservadora do BC e a necessidade de que seu sucessor não se submeta a nervosismos do mercado, a decisão unânime também acaba sendo um gesto de autonomia política por parte de Gabriel Galípolo, Paulo Picchetti, Ailton Aquino e Rodrigo Teixeira.
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Em suas projeções, o BC vê o IPCA em torno de 4% neste ano, que já praticamente não tem efeito das decisões de juros, e em 3,4% em 2025, no cenário em que os juros seguem o previsto na pesquisa Focus e 3,1% mantida a Selic constante até o fim do ano que vem. Essas projeções justificam tecnicamente a decisão de manter a taxa básica de juros, ainda que isso signifique uma taxa real bastante elevada para padrões internacionais.
Com o apoio dos quatro indicados de Lula, a posição de Campos Neto como autoridade monetária, após os ataques do presidente da República, acaba saindo fortalecida.
Ainda que politicamente a crítica às jogadas políticas do chefe do BC faça sentido, o colegiado do Copom acaba dando um recado de que a postura mais conservadora na política monetária não estaria sendo usada como uma espécie de orquestração da direita, cada dia mais personificada no governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos). A maior cautela deriva apenas de uma reação à deterioração dos preços de ativos, especialmente a taxa de câmbio, que tem impactos na inflação.
Ainda é cedo para saber quais serão os efeitos para o diretor de política monetária, Gabriel Galípolo. Até agora tido como favorito para suceder Campos Neto, essa posição começou a ser corroída nas últimas semanas, com um receio de que o mercado pode forçar um nome mais ortodoxo.
A fala de Lula no dia anterior, ao mencionar que quer alguém “calejado”, algo que indica uma prioridade por mais experiência e peso político, reforçou a leitura de que o favoritismo de Galípolo diminuiu, ainda que ele seja até o momento o principal nome para a função.
O diretor, porém, tem perfil para transitar no complexo equilíbrio entre lidar com o mercado e com a política, e nessa reunião mostrou disposição de ir contra o desejo de Lula, o que o desgasta politicamente no curtíssimo prazo, ao mesmo tempo que o ajuda a recuperar credibilidade após a decisão de maio. Entretanto, um outro nome, que tenha o condão de acabar revivendo os tempos da dupla Lula-Meirelles entre 2003-2010, pode acabar surgindo até o fim do ano.
A escolha do presidente do BC no Brasil em um governo de esquerda é mais complicada politicamente. Lula quer dar maior peso ao crescimento econômico dentro do modelo decisório da autoridade monetária. Haddad pensa o mesmo. E o mercado financeiro teme que isso signifique um risco de “tombinização”, na qual o BC miraria o teto da meta de inflação.
Esse risco até existe, mas é preciso qualificá-lo melhor. Não parece ser razoável esperar que um BC de maioria lulista tenha uma obsessão em sacrificar tudo por uma meta de 3%. Mas é preciso lembrar que o atual governo topou manter esse alvo e que seu teto hoje é 4,5%, e não 6,5%, como foi no governo Dilma. Então, mesmo em um cenário factível de um BC que é mais confortável em acomodar a inflação na banda de tolerância, o quadro é bem melhor que no passado.
De qualquer forma, se hoje os quatro indicados de Lula fizeram um papel de tentar frear as tensões no front financeiro ao se alinhar na decisão e no discurso, essa tarefa ainda precisará ser completada no governo.
E, a bem da verdade, a despeito da fala presidencial contra Campos Neto, a mensagem fiscal começou a ser redirecionada. Com o governo entrando na discussão do gasto público e tentando mostrar maior comprometimento com as metas de resultado primário e com o arcabouço fiscal. Ainda há caminho a ser percorrido. Mas um novo passo para esfriar a crise foi dado.