Debate na saúde suplementar vai além do acesso a terapias avançadas

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O debate sobre acesso a medicamentos e a terapias na saúde suplementar ganhou uma nova perspectiva. Depois da discussão (que não terminou) sobre a extensão da cobertura do rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os embates passam a ter como ponto central as terapias avançadas. Esses tratamentos, explica a bióloga Lúcia Inês Macedo de Souza, são desenvolvidos com o propósito de corrigir um problema metabólico da célula, associado a uma doença. A correção pode ser feita por três caminhos. Pela manipulação do DNA, do RNA ou da proteína.

Frutos de tecnologia e conhecimentos avançados, tais terapias chegam ao mercado com preços milionários. Para uns, são técnicas promissoras para corrigir graves problemas de saúde. Embora se reconheça todo o potencial, empresas de saúde suplementar argumentam que a oferta destas terapias de forma desordenada poderá representar o fim de muitas empresas de planos de saúde e o aumento expressivo das mensalidades. Nesse raciocínio, muitas pessoas, sem condições, teriam de abandonar a saúde suplementar.

Hoje, o país tem cinco terapias avançadas registradas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Até três meses, para ter acesso ao tratamento era preciso ter recomendação médica e reunir as indicações para uso dos produtos biológicos 

A partir de uma nota técnica aprovada por seus diretores, no entanto, a ANS modificou essa lógica. Terapias avançadas passaram a ser consideradas como medicamentos especiais e, desta forma, o acesso pelo plano de saúde somente poderia ser feito depois de incluídas no rol de procedimentos da agência.

A indústria farmacêutica, por meio de entidades representativas, deixou claro a sua insatisfação e, semana passada, o Sindusfarma ingressou com uma ação judicial para anular a nota técnica da ANS. 

Presidente executivo da entidade, Nelson Mussolini afirmou que a medida era drástica, mas necessária. Mussolini argumenta que a ANS assumiu uma atribuição que não é sua — e sim, da Anvisa — para alterar a classificação das terapias. E com um jogo de palavras, a agência conseguiu restringir o acesso sem debate e sem respeitar o processo regulatório, que prevê análise de impacto da nova regra, consulta popular, por exemplo.

A ANS não se pronunciou — e somente deve falar na ação, distribuída em São Paulo. Mas ao longo dos três meses de discussão, integrantes da agência deixaram claro os argumentos: pelas características, terapias avançadas estão longe de ser um medicamento comum. A medida tem como objetivo proteger tanto pacientes quanto a saúde suplementar. Técnicos também deixaram claro a possibilidade de que, na discussão sobre a incorporação do produto ao rol de procedimentos, seja fixado um “teto” de custos, com algumas exceções.

A Interfarma ingressou como Amicus Curiae do Sindusfarma na ação proposta semana passada. Presidente da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), Anderson Mendes afirmou ao JOTA que a entidade estuda também pedir o ingresso na ação como Amicus Curiae, mas para assessorar a ANS: “Avaliamos se esse será de fato o melhor caminho. Nosso objetivo é de fato colaborar com essa discussão”.

Mendes está convicto de que o debate envolve o acesso a terapias avançadas, o custo e a eficiência da técnica. “Precisamos ter mais transparência para as incorporações. É importante que as pessoas saibam qual o impacto para o sistema, para mensalidades.”

Presidente da Interfarma, Renato Porto afirmou ao JOTA que a ação para suspensão da nota técnica da ANS era importante sobretudo para evitar um precedente. Mussolini tem avaliação semelhante.

Mendes concorda que a discussão que agora se inicia tem esse potencial. Mas, para ele, esse debate é indispensável. “É importante termos uma discussão prévia para incorporação mesmo para produtos usados em hospitais. Não é razoável que isso não ocorra. A transparência precisa estar presente sempre.” E completa: “Caso contrário, o que poderia ocorrer é, diante da dúvida da oferta de um tratamento, uma internação ocorrer apenas para garantir o acesso pelo plano de saúde”.

Uma das justificativas para tornar automática a oferta de procedimentos em hospitais é a urgência. No caso de terapias avançadas, diz Porto, os dias de espera podem colocar em risco o sucesso do tratamento.

O presidente da Unidas, no entanto, argumenta que as regras atuais da ANS dão rapidez para as análises. E isso pode ser feito num prazo de 90 dias, em termos gerais. Uma regra que valeria para todos. Para Mendes, a resistência oposta pelo setor farmacêutico não procede. “Estamos falando em trazer a discussão sobre custo-efetividade, a necessidade de acompanhar as terapias. Não estamos falando em impedir ou dificultar o acesso. Apenas em ter parâmetros para avaliação e discussão.”

Embora concorde que a decisão da ANS abre espaço para uma discussão ampliada — que vá muito além das terapias avançadas —, Mendes assegura que a nota técnica da agência não mudou, de imediato, a oferta de terapias avançadas. E explica: “Esses tratamentos são feitos em hospitais. Nenhuma instituição usa medicamentos tão caros como esses sem antes fazer uma consulta aos planos de saúde”. Afinal, completa, caso haja uma recusa das empresas, a conta num primeiro momento teria de ser paga pelo hospital.

Visões tão distintas mostram que o debate está apenas começando e deixam claro a necessidade de que outros atores sejam ouvidos. O Judiciário entra em recesso e a perspectiva é de que não haja uma solução num curto espaço de tempo. Num único ponto há convergência: o tema é essencial, não apenas para pacientes elegíveis para terapias avançadas, mas para todos os usuários e para a saúde suplementar.