De Wall Street à Faria Lima: o que as quebras de SVB, FTX e Master nos ensinam

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Stability is destabilizing.
Hyman P. Minsky

O medo de perder dinheiro em um colapso financeiro é uma preocupação universal. Seja em um banco tradicional ou em uma plataforma de ativos digitais, a possibilidade de ver economias desaparecerem da noite para o dia assombra investidores em todo o mundo.

Por sua vez, a regulação preventiva, que visa propiciar estabilidade e, dessa forma, estimular a funcionamento do mercado, pode também ser desestabilizando. Como bem apontou Hyman Minsky, quanto mais seguro o sistema parece ser, mais riscos os agentes financeiros estão dispostos a assumir, tornando o sistema, inevitavelmente, mais frágil.[1]

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As recentes e distintas quebras do Silicon Valley Bank (SVB) e da exchange de criptomoedas FTX nos Estados Unidos, e do Banco Master no Brasil, revelam verdades surpreendentes e contraintuitivas sobre risco, sanção e os sistemas de proteção ao investidor.

Com base em uma análise de Ian Ayres e John Donohue,[2] para os casos americanos, e em uma reportagem de Janize Colaço e Micaela Santos, pelo G1,[3] para o caso brasileiro, explora-se as lições que emergem desses eventos e o que elas significam para qualquer pessoa que busca segurança no sistema financeiro.

O paradoxo dos casos americanos: maior dano, nenhuma punição

No artigo “A Tale of Two Financial Collapses”, os autores Ian Ayres e John Donohue traçam um paralelo entre as quebras do Silicon Valley Bank e da FTX. Eles não apenas comparam as falhas estruturais de ambos, mas também questionam a “resposta extraordinariamente punitiva” à FTX em contraste com a leniência demonstrada no caso do SVB, expondo uma chocante disparidade nas consequências legais e financeiras.

Conforme descrito no artigo, os colapsos do SVB e da FTX compartilham uma mecânica fundamental:

  1. Crescimento rápido e bases de clientes concentradas: Ambos experimentaram uma expansão acelerada, atendendo a nichos específicos (startups de tecnologia no caso do SVB e investidores de cripto na FTX).
  1. Descasamento entre ativos e passivos: O SVB possuía passivos de curto prazo (depósitos) lastreados em ativos de longo prazo (títulos do governo), enquanto a FTX tinha uma exposição concentrada em ativos voláteis por meio de sua relação com a Alameda Research.
  2. Falhas na gestão de risco: A liderança do SVB falhou em se proteger contra o risco da alta das taxas de juros, enquanto a FTX não se protegeu contra a queda abrupta nos preços dos criptoativos.
  3. Corrida bancária: Ambos sofreram uma clássica “corrida bancária”, desencadeada pela perda de confiança do público, que levou a pedidos de saques massivos e insustentáveis em um curto período.

A chocante disparidade nos resultados

Apesar das semelhanças em suas falhas, os resultados financeiros e legais não poderiam ser mais diferentes, revelando o ponto central da análise dos autores.

No caso do SVB, o colapso exigiu um resgate governamental que socializou perdas de aproximadamente US$ 20 bilhões para o FDIC (o fundo garantidor de depósitos americano). Mesmo com o enorme prejuízo para o sistema, nenhum executivo enfrentou acusações criminais. O governo interpretou o caso como resultado de “má sorte e mau julgamento”, concedendo aos responsáveis o benefício da dúvida.

Já no caso da FTX, o seu fundador, Sam Bankman-Fried, foi condenado a 25 anos de prisão. No entanto, a empresa está reembolsando 100% dos créditos dos clientes com juros de 18%, utilizando seus próprios ativos. A análise mostrou que, mesmo no auge da crise, a FTX era ilíquida (não tinha dinheiro em caixa para atender aos saques imediatos), mas não insolvente (seus ativos superavam suas dívidas).

Análises posteriores mostraram que, mesmo no ponto mais baixo da crise, os ativos da FTX superavam suas dívidas, um fato que, segundo os autores, foi impedido de ser apresentado ao júri no julgamento de seu fundador. Em contraste com o SVB, o governo agiu com o em tempo recorde, sugerindo uma corrida ao julgamento para se evitar a possibilidade de se conceder a Bankman-Fried o benefício da dúvida.

O caso brasileiro: como a garantia do FGC financiou o ‘pedido de socorro’

Do outro lado do Equador, a liquidação do Banco Master no Brasil revela uma dinâmica diferente, mas igualmente preocupante. Com base na reportagem de Janize Colaço e Micaela Santos, o caso brasileiro ilustra como a percepção de segurança pode, paradoxalmente, alimentar um sistema insustentável e atrair investidores para um risco que eles acreditam não existir.

O principal chamariz do Banco Master eram seus Certificados de Depósito Bancário (CDBs) com remunerações muito acima do padrão de mercado. Enquanto bancos saudáveis ofereciam entre 100% e 105% do CDI, o Master atraía investidores com ofertas de 130%, 150% ou até 180% do CDI. Essa oferta, aparentemente generosa, era na verdade um sinal de alerta.

O planejador financeiro Jeff Patzlaff, em sua análise para uma reportagem publicada pelo portal g1, resume a situação de forma direta. O banco recorreu ao investidor pessoa física com taxas “irresistíveis” porque já havia perdido acesso ao crédito mais barato de grandes instituições, que perceberam que os números do Master “não fechavam havia algum tempo”. “Quando você via o Banco Master oferecendo 130%, 150% ou até 180% do CDI, isso não era generosidade — era um pedido de socorro”, afirma.

A mecânica da fraude

As investigações citadas por Janize Colaço e Micaela Santos apontam para um esquema insustentável.

Há a suspeita de que o banco utilizava o dinheiro captado de novos investidores para pagar os juros e resgates de clientes antigos. Além disso, para simular liquidez e solidez, mantinha em seu balanço ativos “fabricados”, como carteiras de crédito falsas que foram usadas em transações suspeitas com outras instituições, como o BRB e a empresa Tirreno, para simular liquidez.

Órgãos como o FDIC nos EUA e o Fundo Garantidor de Créditos (FGC) no Brasil têm uma função fundamental: proteger depositantes e investidores de varejo para manter a estabilidade do sistema financeiro. Ao garantir depósitos até um certo limite (US$ 250 mil nos EUA, R$ 250 mil no Brasil), eles evitam o pânico generalizado em caso de quebra de uma instituição.

No entanto, esses casos expõem o dilema do risco moral — a tendência de se assumir mais riscos quando as consequências negativas são cobertas por terceiros.

No caso SVB, a intervenção do FDIC foi além do seu mandato padrão. Ao garantir todos os depósitos, inclusive os que estavam acima do limite de US$ 250 mil, o governo socializou um prejuízo de US$ 20 bilhões. Com essa ação, os reguladores sinalizaram que algumas instituições são interconectadas demais para falir, o que inerentemente incentiva uma maior tomada de risco no futuro.

Em sentido oposto, no caso Banco Master a existência da garantia do FGC foi explorada para alimentar a captação insustentável. Muitos investidores, embora cientes de que o retorno oferecido desafiava a lógica econômica, sentiram-se confortáveis em assumir o risco. Na prática, o FGC tornou-se um cúmplice involuntário da fraude, pois sua rede de segurança era o que permitia ao banco continuar atraindo capital para seu esquema insustentável.

A lição aqui é paradoxal. Embora essencial, a proteção ao investidor pode permitir que práticas abusivas e insustentáveis, como as do Banco Master, persistam por mais tempo.

Elas são financiadas justamente por indivíduos que se sentem seguros devido à existência de uma garantia, transformando a rede de segurança em um facilitador involuntário do risco.

É melhor prevenir que remediar – mesmo com o remédio garantido

Os colapsos do SVB, FTX e Banco Master não são apenas histórias de má gestão; são diagnósticos precisos das falhas em nossos sistemas de sanção e proteção.

A disparidade de tratamento nos EUA e a exploração do risco moral no Brasil demonstram que esperar o colapso para depois decidir quem paga a conta e quem pode responder criminalmente é uma abordagem reativa e, muitas vezes, socialmente injusta.

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A lição final é que a verdadeira rede de segurança não é o fundo garantidor que paga os prejuízos, mas o regulador que impede a fraude de se financiar com o dinheiro destinado à proteção dos investidores.

Fica a questão: como podemos equilibrar a proteção essencial ao investidor com mecanismos que impeçam que essa mesma proteção se torne uma escada para a fraude e a tomada de riscos irresponsáveis?


[1] Wray, Larry Randall. Why Minsky Matters: An Introduction to the Work of a Maverick Economist. Princeton University Press, 2017.

[2] Donohue, John J.;Ayres, Ian, A Tale of Two Financial Collapses (October 11, 2025). Disponível em:  http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.5676142. Acesso em 22 Nov. 2025.

[3]  Colaço, Janize;  Santos, Micaela. CDBs irreais e carteiras de crédito falsas: entenda o que está por trás da liquidação do Banco Master. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2025/11/18/entenda-o-que-esta-por-tras-da-liquidacao-do-banco-master.ghtml. Acesso em: 22 Nov. 2025.