Não há inteligência artificial sem energia, mais precisamente, eletricidade. Nos últimos anos, a IA ascendeu ao topo das agendas políticas e empresariais, consolidando-se como uma indústria multibilionária com aplicações cada vez mais complexas. No entanto, o processamento digital destas tecnologias requer uma grande quantidade de eletricidade, o que vem criando desafios significativos globalmente.
Grande parte desse consumo energético está concentrado em data centers, que funcionam como a infraestrutura física essencial para o treinamento e a operação de modelos de IA. À medida que a demanda por IA cresce, aumenta também a necessidade de data centers cada vez mais robustos, conectados e energeticamente eficientes — o que amplia a pressão sobre os sistemas elétricos.
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O que se observa é uma dificuldade do setor elétrico em atender essa demanda de maneira sustentável e superar as limitações das infraestruturas em transportar, de forma segura, este aumento substancial da carga elétrica.
O Brasil, com sua matriz elétrica predominantemente renovável, destaca-se como um competidor potencial na corrida para se tornar um hub de data centers. Contudo, para atingir tal posição de destaque, o país precisa primeiro superar certos desafios regulatórios e estruturais.
Eletricidade e data centers
Segundo o relatório “Energy and AI”, elaborado pela Agência Internacional de Energia (IEA), no mundo, entre 2014 e 2024, o setor de data centers foi responsável pelo consumo incremental de 250 TWh, equivalente à demanda de eletricidade da Espanha. Atualmente, os Estados Unidos possuem o maior consumo global de eletricidade (45%), seguidos pela China (25%) e pela Europa (15%).
Mesmo com o crescimento da demanda, outros setores ainda tiveram aumentos mais significativos do que os data centers. Por exemplo, o consumo para refrigeração cresceu cerca de 700 TWh nos últimos dez anos. Porém, esse cenário não deve se manter, já que, até 2030, projeta-se que o consumo de data centers seja de 945 TWh.
O desafio para viabilizar esse consumo nasce na entrega da eletricidade. Diversos países já vêm apresentando dificuldades em processar o acúmulo de pedidos de conexão diante da falta de capacidade das redes de transmissão em lidar com o aumento da carga.
Mitigar esses desafios será complexo, principalmente devido aos longos prazos necessários para implementação de novos projetos de transmissão. E esse não é apenas um problema de concessão de licenças e construção civil – as cadeias de suprimento para equipamentos de rede já estão sob forte pressão. Segundo a IEA, os pedidos para transformadores aumentaram mais de 30% em 2024.
Segundo a IEA, além da complexidade infraestrutural, a escolha na localização para novos data centers também como considera existência de terrenos acessíveis, energia renovável barata e incentivos fiscais. Um exemplo é o “Data Center Alley“, na Virgínia, que se tornou o principal mercado dos EUA para data centers, com crescimento de 20% ao ano desde 2016. Os data centers da região têm impulsionado a construção de mais de 6 GW de capacidade solar, bem como o desenvolvimento de um projeto de energia eólica offshore, o Coastal Virginia.
Brasil como hub em potencial
No contexto brasileiro, devido à sua elevada capacidade de geração de energia renovável e à robustez do seu sistema interligado de transmissão, o país tem sido considerado um polo atrativo para investimentos na construção de data centers. Todavia, assim como acontece em outras partes do mundo, o Brasil enfrenta desafios significativos no alinhamento entre carga e demandada e a capacidade de transmissão do sistema.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou, em seu Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2034, uma projeção de investimentos de R$ 128,6 bilhões destinados à construção de 30 mil km de novas linhas de transmissão e à instalação de 82 mil MVA em novas subestações até 2034.
A projeção é que sejam feitos 3 leilões de transmissão de energia entre 2025 e 2026. O primeiro, Leilão 4/2025-Aneel, está programado para ocorrer em 31 de outubro deste ano, com 11 lotes, totalizando a construção de 1.178 quilômetros (km) em linhas de transmissão novas e 4.400 mega-volt-ampere (MVA) em capacidade de transformação. Atualmente o edital está sob Consulta Pública, e deve ser publicado em setembro.
A EPE também tem realizado estudos específicos de planejamento para atender àdemanda de data centers, com foco nas regiões metropolitanas de São Paulo e Campinas, onde projetos estão mais concentrados até o momento.
No legislativo, o Senado propôs o PL 3018/2024, que visa regulamentar os data centers de inteligência artificial no país. Apresentado pelo senador Styvenson Valentim (Podemos-RN), o projeto propõe a criação de um marco regulatório para assegurar segurança, privacidade, transparência, eficiência energética e responsabilidade no uso de infraestruturas digitais.
O PL está em andamento na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informática do Senado e, atualmente, aguarda a realização de audiência pública.
Paralelamente, o governo federal está em processo de elaboração de uma Política Nacional de Data Centers. De forma similar ao Rehidro, o programa prevê isenções de IPI, PIS/Cofins e imposto de importação para equipamentos usados na implantação de data centers. De acordo com as estimativas do governo, o regime tributário especial poderá atrair até R$ 2 trilhões em novos investimentos ao longo da próxima década.
Perspectivas e desafios
Embora existam esforços evidentes do governo nacional para expandir a rede de transmissão e impulsionar o mercado de data centers, desafios relevantes ainda precisam ser superados.
Questões como: (i) a dificuldade em elaborar projeções precisas de consumo futuro dos data centers e de outros setores eletrointensivos – como o de hidrogênio –, e (ii) acomplexidade socioambiental envolvida na identificação de rotas viáveis para a implantação de novas linhas de transmissão, são apenas alguns dos complexos desafios que este mercado enfrentará caso deseje se estabelecer no Brasil.
Segundo a IEA, aproximadamente 20% dos projetos de data centers planejados precisarão de melhor disponibilidade de rede e operações mais flexíveis. A boa notícia e que essa flexibilidade de operação já tem certas soluções como: uso de baterias;geradores de reserva para uso de momentos de sobrecarga da rede elétrica; transferência de tarefas computacionais para períodos de menor demanda ou maior disponibilidade de geração renovável; e realocação de tarefas de processamento entre diferentes data centers.
Todavia, para que essas medidas sejam eficazes, é necessário que a regulação acompanhe as necessidades do setor e impulsione o desenvolvimento de estruturas inovadoras que incentivem a flexibilidade dos data centers, ajudando a garantir a estabilidade da rede elétrica.
O uso de novas tecnologias eletrointensivas é uma realidade inevitável tanto para o desenvolvimento nacional quanto para a transição energética. Nesse cenário, será imprescindível repensar algumas realidades e estratégias do setor elétrico, trazendo respostas inovadoras a problemas modernos.
Não obstante, é igualmente importante considerar os desafios que extrapolam o setor elétrico, como os possíveis impactos da reforma tributária no setor imobiliário e a conexão dos data centers a redes de internet de alta capacidade.
Dessa forma, o caminho para transformar o Brasil em um polo global de data centers é possível, porém irá exigir não apenas investimentos em transmissão e geração, mas também um planejamento estratégico amplo e integrado, através de uma abordagem regulatória inovadora e um olhar voltado à segurança do sistema elétrico e à sustentabilidade.