Um tema que tem recentemente alcançado importantes espaços de debates[1] é o dos padrões comerciais deceptivos, mais conhecidos como dark patters[2], na medida em que se percebeu uma escala do uso de nudges[3] para um patamar de clara exploração por meio de padrões comerciais que enganam os usuários.[4]
Ante a inexistência de um conceito unificado, a mesa redonda da OCDE baseou-se na definição proposta por Mathur e Kshirsagar como “interfaces de usuário usadas por algumas empresas online para levar os consumidores a tomarem decisões que de outra forma não teriam tomado se estivessem totalmente informados e capazes de selecionar alternativas.”[5] Também conhecidas como práticas de design enganosas, as dark patters podem ser descritas como “truques usados em sites e aplicativos que fazem você fazer coisas que você não queria fazer, como comprar ou se inscrever para algo”[6] ou, ainda, como meios para “coagir, dirigir ou enganar os consumidores a tomarem decisões não intencionais e potencialmente prejudiciais.”[7]
No âmbito do European Data Protection Board (EDPB) foram discutidos os padrões de design deceptivos em plataformas de mídia social. A partir da segunda versão do documento disponibilizado para consulta pública preferiu-se o emprego da expressão deceptive design patterns ao invés de dark patterns, por ser mais inclusiva. Nos mais recentes estudos sobre o tema é perceptível a intrínseca relação das práticas deceptivas com o uso de dados pessoais, na medida em que influenciam o comportamento dos usuários e reduzem a sua capacidade de efetivamente protegerem seus dados pessoais e de fazerem escolhas conscientes.[8] Os estudos têm inclusive destacado as infrações aos requerimentos do Regulamento europeu de proteção de dados (General Data Protection Regulation – GDPR).
O EDPB destacou seis categorias principais de práticas de design deceptivo: i) Overloading ou sobrecarga: os usuários recebem uma grande quantidade de solicitações, informações, opções ou possibilidades, objetivando induzi-los a compartilhar ou permitir involuntariamente o processamento de mais dados pessoais; ii) Skipping ou pular: a interface é projetada de modo que o usuário se esqueça ou não pense na proteção de dados; iii) Stirring ou agitação: a prática afeta a escolha que os usuários fariam apelando para suas emoções, por meio de direcionamento emocional ou de planos visuais deceptivos; iv) Obstructing ou obstrução: corresponde à dificuldade ou ao bloqueio imposto aos usuários para se informar ou gerenciar seus dados, tornando a ação difícil ou impossível de ser realizada; v) Fickle ou inconstante: o design da interface é inconsistente e não é claro, tornando difícil a navegação pelas diferentes ferramentas de controle de proteção de dados ou de compreensão da finalidade do processamento; vi) Left in the dark ou deixado no escuro: a interface é projetada de forma a ocultar informações ou ferramentas de controle de proteção de dados, ou para deixar os usuários inseguros sobre como seus dados são processados e que tipo de controle que eles podem ter sobre eles, por meio de informações conflitantes e redação ou informações ambíguas.[9]
As práticas de design deceptivo podem, em tese, ser enquadradas como infrações da ordem econômica (Lei 12.529/2011, art. 36, § 3º), na medida em que prejudicam a livre concorrência, criando dificuldades ao funcionamento ou desenvolvimento dos demais fornecedores de bens ou serviços, utilizando-se de meios enganosos aos consumidores. Nos termos do art. 33 da Lei Antitruste, são solidariamente responsáveis as empresas ou entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, quando pelo menos uma delas praticar infração à ordem econômica, sujeitando-as às penas previstas na Lei.
Identificar, coagir e resistir a dark patterns não é uma tarefa fácil, pois os projetistas usam padrões deceptivos para esconder, enganar e induzir os usuários a fazer algo que provavelmente não fariam em outras circunstâncias. Práticas de design enganosas podem estar associadas a menor autonomia, redução do bem-estar social e do consumidor em geral, erosão da confiança, aumento da insegurança e tratamento desleal entre os consumidores.[10]
Também os efeitos anticompetitivos[11] dessas práticas comerciais não podem ser ignorados. É fundamental incluir medidas concretas de prevenção dessas práticas enganosas nos programas de governança e compliance, assim como integrar os profissionais do design, da comunicação e da publicidade às discussões sobre práticas comerciais deceptivas e os limites impostos pela legislação de defesa dos consumidores, de proteção de dados pessoais e de defesa da concorrência. É necessária, sobretudo, uma consciência mais ampla dos exemplos e das consequências das práticas comerciais deceptivas.
O projeto de regulamentação da inteligência artificial na União Europeia prevê no artigo 5º, 1, “a” que: “estão proibidas as seguintes práticas de inteligência artificial: a) A colocação no mercado, a colocação em serviço ou a utilização de um sistema de IA que empregue técnicas subliminares que contornem a consciência de uma pessoa para distorcer substancialmente o seu comportamento de uma forma que cause ou seja suscetível de causar danos físicos ou psicológicos a essa ou a outra pessoa”.[12]
A proposta de vedação, que foi reproduzida também no projeto em trâmite perante o Congresso Nacional[13], pode não ser suficiente para coibir condutas limítrofes, que não configuram técnicas subliminares, mas que empregam o uso de dados pessoais em sistemas de inteligência artificial para induzir ou influenciar fortemente comportamentos dos consumidores.
Nesse contexto, necessária a implementação de mecanismos de transparência e imediata identificação das técnicas empregadas na comunicação mercadológica e no comércio eletrônico, inclusive o uso de dados pessoais para formação de um perfil do consumidor. A informação clara e adequada ao consumidor é uma ferramenta fundamental para coibir práticas comerciais desleais.
[1] Confiram-se os resultados do encontro promovido pela Diretoria Nacional de Proteção ao Consumidor da Argentina em conjunto com a Autoridade de Concorrência do Quênia do Subgrupo de Educação do Consumidor e Orientação Empresarial do Grupo de Trabalho sobre Comércio Eletrônico da UNCTAD, com o tema “Dark Commercial Patterns: Experiences and Tools for Education and Business Guidance“, em 30 de março de 2022. Na ocasião, discutiram-se diferentes tipos de padrões comerciais escuros, como lidar melhor com dark patterns, incluindo educação do consumidor e boas práticas comerciais. (UNCTAD. The Report of the Working Group on Consumer Protection in E-Commerce to the sixth session of the Intergovernmental Group of Experts on Consumer Protection Law and Policy. Junho, 2022. Disponível em: https://unctad.org/system/files/non-official-document/ccpb_IGECON2022_Report_WG_e-commerce_final_5b_en.pdf. Acesso em: 26 jul. 2023).
[2] Conforme destacado pela OCDE, “Há uma preocupação crescente de que os padrões comerciais obscuros possam causar prejuízos substanciais ao consumidor. Essas práticas são comumente encontradas em interfaces de usuário on-line e direcionam, enganam, coagem ou manipulam os consumidores para que façam escolhas que, muitas vezes, não são do seu interesse.”. Veja: OECD. Dark comercial patterns. Disponível em: <https://www.oecd.org/digital/dark-commercial-patterns-44f5e846-en.htm>. Acesso em: 26 jul. 2023.
[3] Nudges são pequenas cutucadas para direcionamento das escolhas. Baseiam-se em estudos de psicologia humana, economia comportamental e métodos de concessão de incentivos. SUSTEIN, Cass; THALER, Richard. Nudge: o empurrão para a escolha certa. Tradução: Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
[4] NCC – Norwegian Consumer Council. Deceived by design: How tech companies use dark patterns to discourage us from exercising our rights to privacy. Disponível em: <https://fil.forbrukerradet.no/wp-content/uploads/2018/06/2018-06- 27-deceived-by-design-final.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2023.
[5] OCDE. Roundtable on Dark Commercial Patterns Online. Summary of discussion. Mesa redonda sobre Padrões Comerciais Escuros Online. Resumo da discussão. Disponível em: https://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=DSTI/CP(2020)23/FINAL&docLanguage=En. Acesso em 18 de março de 2022.
[6] Deceptive Design: formerly darkpattersns.org. Design enganoso: antigamente darkpattersns.org. Disponível em: https://www.deceptive.design/. Acesso em 20 de março de 2022.
[7] OCDE. Draft Agenda: Committee on Consumer Policy (CCP) 99th Session – Part II. Roundtable on dark commercial patterns online.
[8] EDPB – European Data Protection Board. Guidelines 3/2022 on Dark patterns in social media platform interfaces: How to recognise and avoid them. Version 2.0. Adotada em 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: <https://edpb.europa.eu/our-work-tools/documents/public-consultations/2022/guidelines-32022-dark-patterns-social-media_en>. Acesso em: 26 jul.2023.
[9] EDPB – European Data Protection Board. Guidelines 3/2022 on Dark patterns in social media platform interfaces: How to recognise and avoid them. Version 2.0. Adotada em 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: <https://edpb.europa.eu/our-work-tools/documents/public-consultations/2022/guidelines-32022-dark-patterns-social-media_en>. Acesso em: 26 jul.2023.
[10] MARQUES, Claudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. São Paulo, Revista de Direito do Consumidor, v. 145, p. 295-316, Jan./Fev. 2023.
[11] LEISER, M. R; CARUANA, Mireille M. Dark Patterns: Light to be Found in Europe’s Consumer Protection Regime. (EuCML 2021, 237).
[12] Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece regras harmonizadas em matéria de inteligência artificial (regulamento inteligência artificial) e altera determinados atos legislativos da união. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:52021PC0206>. Acesso: 20 jan. 2024.
[13] Veja o relatório final da Comissão de Juristas instituída pelo Ato do Presidente do Senado nº 4, de 2022, responsável por subsidiar a elaboração de minuta de substitutivo para instrutir a apreciação dos Projetos de Lei n°s. 5051, de 2019; 21, de 2020 e 872, de 2021.
DONEDA, Danilo (coord.). A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além da informação creditícia. Escola Nacional de Defesa do Consumidor. Brasília: SDE/Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, 2010.
EDPB – European Data Protection Board. Guidelines 3/2022 on Dark patterns in social media platform interfaces: How to recognise and avoid them. Version 2.0. Adotada em 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: <https://edpb.europa.eu/our-work-tools/documents/public-consultations/2022/guidelines-32022-dark-patterns-social-media_en>. Acesso em: 26 jul.2023.
LEISER, M. R; CARUANA, Mireille M. Dark Patterns: Light to be Found in Europe’s Consumer Protection Regime. (EuCML 2021, 237).
MARQUES, Claudia Lima; MENDES, Laura Schertel; BERGSTEIN, Laís. Dark patterns e padrões comerciais escusos. São Paulo, Revista de Direito do Consumidor, v. 145, p. 295-316, Jan./Fev. 2023.
MENDES, Laura. Segurança da informação, proteção de dados pessoais e confiança. Revista de Direito do Consumidor, v. 90, p. 245-260, Nov/Dez. 2013.
NCC – Norwegian Consumer Council. Deceived by design: How tech companies use dark patterns to discourage us from exercising our rights to privacy. Disponível em: <https://fil.forbrukerradet.no/wp-content/uploads/2018/06/2018-06- 27-deceived-by-design-final.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2023.
OCDE. Draft Agenda: Committee on Consumer Policy (CCP) 99th Session – Part II. Roundtable on dark commercial patterns online.
OCDE. Roundtable on Dark Commercial Patterns Online. Summary of discussion. Mesa redonda sobre Padrões Comerciais Escuros Online. Resumo da discussão. Disponível em: https://www.oecd.org/officialdocuments/publicdisplaydocumentpdf/?cote=DSTI/CP(2020)23/FINAL&docLanguage=En. Acesso em 18 de março de 2022.
OECD. Dark comercial patterns. Disponível em: <https://www.oecd.org/digital/dark-commercial-patterns-44f5e846-en.htm>. Acesso em: 26 jul. 2023.
SCHNEIDER, Andressa Caroline. Do direito da concorrência ao direito à concorrência: o reconhecimento do direito fundamental à concorrência a partir do direito fundamental à defesa do consumidor. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2016.
SUSTEIN, Cass; THALER, Richard. Nudge: o empurrão para a escolha certa. Tradução: Marcello Lino. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
UNCTAD. The Report of the Working Group on Consumer Protection in E-Commerce to the sixth session of the Intergovernmental Group of Experts on Consumer Protection Law and Policy. Junho, 2022. Disponível em: https://unctad.org/system/files/non-official-document/ccpb_IGECON2022_Report_WG_e-commerce_final_5b_en.pdf. Acesso em: 26 jul. 2023.