Diante do descontrole de preços de ativos financeiros e o crescente risco inflacionário, o Banco Central partiu para uma estratégia de choque de juros. O colegiado não só subiu a taxa Selic em um ponto porcentual, para 12,25% ao ano, como já sinalizou mais duas altas da mesma magnitude para o início de 2025, o que já contrata uma taxa Selic de 14,25% ao ano. E indica que, se necessário, pode ir além.
Apesar de o colegiado ainda ser presidido por Roberto Campos Neto e ter maioria de indicados do governo passado, a decisão contou com os votos também dos quatro nomeados pelo atual governo, inclusive o do futuro presidente, Gabriel Galípolo.
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O comunicado do BC transfere a fatura para o governo e sua política fiscal. “A percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”. O quadro, ponderam os diretores, contribui “para uma dinâmica inflacionária mais adversa”.
São dois os principais problemas que a autoridade monetária tenta resolver com essa estratégia mais agressiva: quebrar a espinha do “ataque especulativo” que está ocorrendo na taxa de câmbio e trazer o nível de atividade econômica para baixo do seu potencial, situação oposta à atual. Com isso, busca-se a chamada “reancoragem” de expectativas de inflação, que já estão fora do teto da meta para 2025 e já acima de 4% para o primeiro semestre de 2026, para onde está mirando a política monetária.
Naturalmente, a decisão vai suscitar reações políticas de insatisfação em parte da esquerda e do setor empresarial, como notas da CNI e Fiemg divulgadas logo após a reunião já demonstraram. Mas não deve ter maiores implicações de curto prazo para a gestão de Gabriel Galípolo. Ele não tinha muita alternativa diante do quadro de descontrole do mercado financeiro e deixou o governo ciente de que, em caso de insucesso do pacote fiscal, o BC teria que apertar mais a taxa de juros. Na primeira declaração sobre o assunto, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, evitou o conflito.
A autoridade monetária não é explícita, mas claramente aposta na retomada do carry trade para o Brasil ao sinalizar juros reais mais altos em um prazo curto. Nesse tipo de situação, os investidores pegam empréstimos em países de juros mais baixos para aplicar nos locais com taxas mais altas. O choque monetário também encarece e visa desestimular as apostas contra o real.
Uma das questões que surgem adicionalmente é se o BC vai se manter com tamanha passividade na atuação no mercado de câmbio. A esquerda tem questionado que as intervenções para conter a escalada do real despencaram sob o governo Lula, insinuando que seria uma sabotagem do atual presidente, Campos Neto. A tese é mantida por setores da esquerda mesmo diante de ponderações de que o indicado de Lula, Gabriel Galípolo, comanda a diretoria a quem cabe agir no câmbio. A alegação é que ele estaria de mãos atadas por ser minoritário.
A partir de janeiro, porém, Galípolo estará no comando da autoridade monetária. Há certa expectativa em setores do governo de que ele passe a ser mais ativo no mercado cambial, retomando swaps e mesmo venda à vista de reservas. O atual diretor de política monetária não dá sinais sobre o que pretende fazer nesse flanco, mas ao ser sócio do choque de juros, inclusive já se alinhando com duas altas até março do ano que vem, mostra que está comprometido em retomar as rédeas da situação e não se deve duvidar de que poderá ir além dos juros para tirar o sobrepreço da taxa de câmbio. Após a decisão sobre os juros, o BC anunciou dois movimentos de intervenção no mercado cambial para esta quinta-feira (12/12).
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Outra dúvida que surge é sobre como essa postura mais incisiva do BC nos juros vai afetar a atividade econômica e, a partir daí, como o governo vai conduzir suas políticas fiscal e parafiscal. Governo e mercado já esperavam redução do ritmo de atividade no próximo ano, para níveis mais próximos ao potencial da economia, mas agora o risco de uma desaceleração mais intensa aumenta.
Se o PIB esfriar demais, há sim risco de o governo querer usar mais fiscal e parafiscal (bancos públicos) para turbinar a economia. E se fortalece o interesse do governo em fazer a medida de isenção de IR até R$ 5 mil para 2026, compensando com tributação mínima de altas rendas.
Mas ainda é preciso observar como a economia do país vai se comportar. Interlocutores de Lula já lembraram ao presidente que o país, em seus dois mandatos, cresceu bem, mesmo com juros reais elevados. E que isso pode acontecer de novo, sendo mais importante desmontar o ataque especulativo contra o país e evitar que a inflação saia do controle.
A memória do “bolsocaro”, um dos fatores que ajudou Lula a vencer o ex-presidente, é evocada nessas conversas. E o próprio Lula sabe que inflação é uma demolidora de popularidade. Se der certo, o choque monetário, combinado com uma política fiscal que começa a ser menos expansionista, poderá permitir a volta da queda da Selic no fim de 2025 ou início de 2026, ajudando o governismo no período eleitoral. Mas essa resposta só o tempo dará.