A crise de falta de luz em São Paulo deu forças para que propostas e ideias de limitar a atuação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) avancem em Brasília. O cenário que vem se desenhando em relação ao regulador tem levantado preocupações entre os servidores do órgão e inseguranças entre os agentes que atuam no setor elétrico.
A toque de caixa, sem análises dos impactos, a Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (17/10) o PL 1272/2024, que permite aos municípios realizarem atividades de fiscalização e controle dos serviços prestados por distribuidoras de energia. O texto também estabelece que os municípios sejam ouvidos previamente no processo de contratação da prestação de serviços das empresas.
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Pelas regras atuais, no caso de uma mudança nos contratos, como aconteceu recentemente com a Amazonas Energia, apenas a Aneel deveria ser consultada antes de uma decisão do Poder Concedente, uma vez que as concessões de distribuição de energia elétrica são federais. Além de tirar forças da agência, a proposta traz mudanças na legislação que, na avaliação do setor, podem causar inseguranças aos players do segmento e que vão na direção contrária da Constituição.
A medida é só mais uma ofensiva contra a agência reguladora do setor elétrico, que já vem sendo alvo de críticas públicas por parte de dirigentes e integrantes do governo. É notória a insatisfação do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, com a agência reguladora em diferentes casos, como a condução da regulamentação de medidas provisórias publicadas neste ano e da aplicação de bandeiras tarifárias.
É rotineiro que deputados sejam mais reativos às crises que acontecem no país, com a aprovação de medidas com pouca discussão e a curto prazo. Exemplo disso é a crise em São Paulo ter levado deputados a ventilar a possibilidade de ressuscitar proposta que ameaça contra a autonomia e independência das agências, tornando as decisões da agência suscetíveis ao escrutínio de comissões temáticas.
Constantemente deputados pressionam e aprovam medidas contra decisões da Aneel. É o caso, por exemplo, do PDL que trata do sinal locacional. A proposta teve força o suficiente para ser aprovada na Câmara, mas perdeu fôlego no Senado. Ainda não se sabe se esse será o mesmo caminho que o projeto de lei que dá mais poderes aos municípios em relação ao setor elétrico, mas existe essa possibilidade, segundo apurou o JOTA.
Embora a crise em São Paulo tenha sido combustível para inflamar o discurso do ministro e de parlamentares contra a agência reguladora, o governo parece mais disposto a levar a situação com mais cautela.
Como mostrou o JOTA, uma eventual proposta do governo em relação às agências reguladoras será discutida por um grupo de trabalho coordenado pela Advocacia-Geral da União (AGU), que terá como objetivo estudar medidas para aperfeiçoar a atual política regulatória do país. Entre outros pontos, o grupo vai discutir o atual modelo das agências reguladoras e possíveis propostas de atualização da Lei Geral das Agências.
Ainda que a iniciativa esteja alinhada com o que vem sendo observado em outros países, vale lembrar que a atuação das agências está ligada a avanços de diversos setores, como o de energia e telefonia. Cabe a elas equilibrar o interesse público e assegurar a sustentabilidade das empresas, além de exigir qualidade nos serviços. Aperfeiçoar o modelo é compreensível, mas é necessário cuidado para não colocar em jogo a capacidade de atuação desses órgãos.