Criptoativos na balança comercial e sua relevância na economia brasileira

  • Categoria do post:JOTA

No dia 18 de junho, foi publicada a Portaria RFB 427, instituindo o GT Criptoativos, um Grupo de Trabalho criado para atuar em atividades relacionadas à conformidade tributária de criptoativos, e convocando as exchanges – corretoras que intermedeiam as transações entre os investidores – estrangeiras de criptomoedas para prestarem informações.

Até então, a Instrução Normativa 1.888/2019 disciplinava que apenas as exchanges formalmente estabelecidas no Brasil estavam obrigadas a informar à Receita Federal as operações realizadas com criptoativos em suas plataformas.

Nessa mesma IN, a Receita esclareceu que criptoativo é a representação digital de valor, denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso tanto em moeda soberana local, quanto estrangeira. Esse valor é negociado eletronicamente com o uso de criptografia e tecnologias de registros distribuídos, servindo como meio de investimento, instrumento para transferência de valores ou acesso a serviços, sem constituir uma moeda de curso legal.

Quanto à tributação das operações com criptoativos na DIRPF (Declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física), até 31/12/2023, na falta de uma legislação específica sobre o tratamento a ser dado, os criptoativos eram equiparados a ativos financeiros e os ganhos obtidos por residentes fiscais no Brasil, em razão da alienação ou permuta, eram tributados pelo IR às alíquotas de 15% a 22,5%, apurados por meio de preenchimento do Programa de Apuração dos Ganhos de Capital (GCAP).

Estavam isentas as operações que não excedessem, no mesmo mês, o valor de R$ 35 mil, levando em consideração o conjunto de criptoativos ou moedas virtuais alienados, sem distinção de nomenclatura (por exemplo, bitcoin, ethereum, litecoin, tether, entre outros).

Não obstante, havia a obrigatoriedade de declarar o conjunto de criptoativos cujo valor de aquisição tivesse sido igual ou superior a R$ 5.000.

Em razão da Lei 14.754, de 12 de dezembro de 2023, regulamentada pela Instrução Normativa RFB 2.180, de 11 de março de 2024, a partir de 2024, as operações realizadas com criptoativos no exterior e no Brasil passam a receber tratamento diferenciado.

Os ativos virtuais são considerados localizados no exterior, independentemente do local do emissor do ativo virtual e do correlativo arranjo financeiro, quando forem custodiados ou negociados por instituições localizadas no exterior.

Assim, tratando-se de criptoativos no exterior, as operações realizadas a partir de então ficam sujeitas à incidência do imposto de renda, à alíquota de 15%, sobre o total dos rendimentos em reais, computados na DIRPF, no ano em que forem efetivamente percebidos pela pessoa física, pelo regime de caixa. Os investimentos em criptoativos no exterior devem ser informados na ficha de “bens e direitos”, pelo valor original de aquisição (não deve ser usado o valor atual do ativo digital), indicando o país de origem investimento, sob o código correspondente ao tipo de ativo.

Estando a exchange localizada no Brasil, as alienações de criptoativos continuam sujeitas ao IR, com alíquotas de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital.

Como o fato gerador do IR compreende a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos ocorrida durante o período de 1º de janeiro até 31 de dezembro do ano-calendário, e não há que se falar em fato jurídico tributário antes de finalizado esse período (vale dizer, desse factum[1]), as mudanças introduzidas só terão validade para o exercício de 2025, quando deve ser esperado que novas fichas sejam disponibilizadas no programa da declaração para adequação à informação e tributação dos rendimentos obtidos no exterior em aplicações financeiras.

O fato é que o chamamento de exchanges situadas no exterior para prestar esclarecimento quanto as operações realizadas em suas plataformas, nos termos da Portaria RFB 427/2024, certamente desafia o direito posto e os limites jurisdicionais dos Estados, ao trazer uma norma direcionada a entidades fora do poder cogente do Estado[2].

A normativa veio em meio ao cenário de aumento considerável de criptoativos no país. De janeiro a julho de 2023, os brasileiros declararam R$ 133,6 bilhões em criptoativos, uma alta de 36,6% sobre igual período do ano anterior, segundo dados mais recentes da Receita Federal, que está trabalhando numa revisão tecnológica para divulgação de novos números este ano.

Deste total, R$ 14,5 bilhões foram declarados com uso de exchanges no exterior e outros R$ 20 bilhões sem o uso de exchanges. Além disso, no primeiro trimestre de 2024 houve um aumento de 118% na importação de criptoativos, relativo ao mesmo período em 2023, registrando a marca de US$ 4,689 bilhões[3].

Conforme explicou o Banco Central, em Nota para a Imprensa divulgada em 24 de junho de 2024[4], até então, em razão de uma Nota Técnica emitida em 2019 pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)[5], a importação de criptoativos era computada como compra de bens no exterior. Para o Brasil, que importa mais criptoativos do que exporta, a consequência era a redução do saldo comercial e do superávit da balança comercial brasileira.

Enquanto a Secretaria de Comercio Exterior tinha o registro de superávit da balança comercial brasileira em R$ 19 bilhões, o Banco Central, ao excluir dessa conta os valores de criptoativos importados, as compras de pequeno valor e as importações realizadas pela plataforma Repetro, chegava ao valor de R$ 12 bilhões[6].

Assim como a importação, a exportação de criptoativos também vem crescendo, mas em nível bem inferior, já que a exportação está mais atrelada à venda dos ativos do que propriamente a mineração deles.

A nova diretiva do FMI traz alívio aos dados da balança comercial brasileira, à medida que deixa de tratar a aquisição de criptoativos no exterior como uma importação de bens e passa a considerar como ativo não financeiro não produzido, com registro na conta de capital, e não na balança comercial do país[7].

[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2022, p. 582.

[2] TOMAZELA, Ramon. A tributação das operações com criptomoedas pelo imposto de renda nas leis internas e nos acordos de bitributação. Revista Fórum de Dir. Tributário – RFDT. Belo Horizonte, ano 20, n. 118, p. 29-48, jul./ago., 2022, p. 30.

[3] Compra de criptoativos bate recorde, pressiona importações e pesa na balança comercial do trimestre | Criptomoedas | Valor Econômico (globo.com)

[4]https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/hist_estatisticassetorexterno/202406_Texto_de_estatisticas_do_setor_externo.pdf

[5] Treatment of Crypto Assets in Macroeconomic Statistics (imf.org)

[6] Compra de criptoativos bate recorde, pressiona importações e pesa na balança comercial do trimestre | Criptomoedas | Valor Econômico (globo.com)

[7] https://www.imf.org/- /media/Files/Data/Statistics/BMP7/final-chapters/draft-bpm7-chapter-16-v11-digitalization.ashx