De acordo com uma pesquisa realizada pela PWC[1] e pela IBM[2], cerca de 77% de 1.500 CEOs entrevistados apostam que a criatividade é a skill mais relevante para um profissional se destacar no mercado. Em um ambiente altamente disruptivo, competitivo e com novas oportunidades de mercado se revelando a cada dia, é comum exigir das pessoas uma postura pró-inovação. Ter exemplos de iniciativas inovadoras em seu currículo é sinal de entregar eficiência operacional para a organização, trabalhar a empregabilidade e, sobretudo, demonstrar sinais claros de criatividade.
Mas… O que vem primeiro? A criatividade ou a inovação? Essas skills são complementares? Uma depende da outra? Ou uma vem primeiro do que a outra? Esperamos responder esses 5 questionamentos ao longo deste curto artigo para auxiliar você e seu time a estruturar o seu processo de inovação (coletivo e individual!) com foco na criatividade. E essa fantástica jornada pode ser ainda mais proveitosa e disruptiva com o apoio dos insights e das ideias de alguns pesquisadores e estudiosos que tratam a inovação há alguns anos.
A criatividade não vem primeiro só no dicionário. E existe uma explicação lógica dos motivos pelos quais é assim. Ao passo em que a inovação, em apertadíssima síntese[3] envolve dois estágios (geração de novas ideias e implementação delas), a criatividade é a base estruturante para a inovação aparecer. Segundo o professor John Howkins[4], o indivíduo nasce com a matéria-prima da criatividade e passa a defendê-la e estimulá-la por meio das experiências de vida, educação e trabalho.
Segundo John, conhecido por ser o criador do conceito de “economia criativa” nos anos 1980, para “despertar o processo criativo, o indivíduo transita entre o estoque de sua memória e suas circunstâncias sociais e reúne duas ou mais ideias que nunca estiveram juntas antes”[5]. Assim, fica fácil entender a importância de ser criativo. Não podemos inverter a lógica. Criatividade vem antes e a inovação vem depois, posto que é uma consequência.
É interessante também reconhecer a percepção de sobre o que é criatividade para Austin Kleon, autor de livros ilustrados sobre criatividade na era digital. Ele não acredita em uma “jornada criativa”, mas sim em uma vida criativa, um espírito. E que, apesar de não ser tão atraente quanto ser um “gênio artístico”, a criatividade advém de um comportamento de muita técnica e principalmente… Rotina. Como bem diz: “Quando não souber o que fazer, a rotina sabe”.[6]
Como desenvolver a criatividade e tornar times jurídicos mais aptos ao alto rendimento e performance:
Apoio aos profissionais que querem testar coisas novas: as equipes são mais criativas quando possuem uma liderança que as estimula a tentar ‘o novo’. E isso vale inclusive quando há a possibilidade de erro, pois o encorajamento da alta gestão deve ser pragmático ao constatar que existe probabilidade de falha. É por esse motivo que os riscos devem ser calculados e os projetos executados em um ambiente de pequena escala, voltado para testes. Em caso de erro, todos os envolvidos devem aprender com o processo para buscar o aperfeiçoamento, preferencialmente em um processo de retrospectiva.
Clareza nos objetivos e metas de sucesso: os objetivos da equipe devem ser coletivos e, a partir deles, ter uma ação individual para cada subgrupo ou indivíduo. No caso de metas, saiba que precisam ser claras, mensuráveis (com métricas já estabelecidas) e com significado para todos os envolvidos, procure por OKRs e metas SMART e entenda o que faça mais sentido para sua organização.
Orientação a tarefas: não adianta saber suas métricas para mensurar o sucesso se não souber como estruturar as tarefas que levarão o time a alcançar tais resultados. Equipes que conseguem estruturar as atividades precípuas e secundárias (para priorizar as mais importantes), fornecem feedbacks e monitoram constantemente o desempenho para fazer eventuais ajustes se necessário for são as mais bem-sucedidas em termos de colaboração e criatividade.
Troca, colaboração e benchmarking: a criatividade surge da união de várias ideias e experiências do passado que passam a se conectar com as ideias e as experiências do presente quando há estímulo. E esses estímulos ocorrem com a troca, a colaboração, o benchmarking de boas práticas – sonhe e inspire-se ao olhar para fora! Mas desperte o espírito criativo olhando para dentro de si e da sua própria organização.
Comunicação assertiva: não existe equipe criativa com ruídos na comunicação. A mensagem deve chegar de maneira clara e uniforme para todos. Eleger embaixadores para serem porta-vozes da comunicação para fora do time geralmente facilita em equipes de muitos colaboradores, mas ainda assim, todos devem ser empoderados a ponto de entender o speech adequado. A falta (ou a falha) de comunicação é um grande sabotador da criatividade, pois o tempo que seria investido em novas ideias acaba sendo utilizado para reparar danos que, em tese, não deveriam ocorrer.
Feedback: está intimamente ligado ao tópico anterior. Fomentar uma cultura ávida por feedback e que se aperfeiçoa, se reestrutura e se desenvolve a partir das críticas recebidas (individuais e coletivas) é pavimentar um comportamento criativo. Feedbacks bem estruturados possuem dados, fatos, detalhes e exemplos reais do que está ou não funcionando. Ou seja… Terreno fértil para que a criatividade surja com o apoio da resiliência.
Encorajamento e empoderamento: estimule, encoraje e empodere que os colaboradores tragam soluções e participem ativamente do processo criativo. É possível começar formando squads multidisciplinares, sem hierarquias e com papéis e responsabilidades bem definidos para cada integrante. Distribua uma tarefa, missão ou problema para o squad resolver. Empodere o time a construir uma solução criativa, com prazos definidos e a elaboração de um plano estratégico para alcançar o resultado esperado.
Adie tomadas de decisão: isso mesmo. Adie. Pode parecer controverso, pode culminar no famoso ‘fechamento cognitivo’, mas ‘decidir não decidir’ pode ser um excelente método criativo (lembre-se de Lean Development![7]), especialmente se você não tiver munido de dados para uma tomada de decisão assertiva. Por mais angustiante que seja, tomar mais tempo para decidir também irá estimular que o time ajude a buscar a solução ou argumentos para que a decisão seja tomada. Não podemos subestimar o poder de processamento de novas ideias tardias feito pelo cérebro humano.
Ócio criativo: a habilidade de equilibrar tempo para o lazer, o trabalho, os estudos e o descanso leva a termos mais insights (e por consequência mais criatividade para resolver problemas). Então, se você quer surpreender e impactar por meio de sua produtividade… Você precisa encontrar espaço para o ócio na agenda atribulada.
Faça listas: comunicação, visibilidade, clareza sobre as tarefas… todos devem ter um ponto de partida e, ao fazer listas sobre o que precisa ser feito (mesmo que não hoje, apenas algum dia no futuro) cria-se um ponto de partida, abaixando o nível de ansiedade e abrindo espaço para a mente exercitar novas ideias, não ficando sobrecarregada em lembrar todas as vezes das mesmas tarefas pendentes.
O psicólogo americano Roger Schwarz aponta que, embora seja inegável o benefício que uma equipe diversa possui na construção do pensamento criativo, cabe ao líder prestar atenção nos potenciais conflitos (de ideias, de interpretações e de opiniões) que podem diminuir a coesão do grupo. Por isso, a importância de o líder lembrar com frequência aquilo que os une: o atingimento de metas e o reconhecimento por formarem um time de performance.
É interessante destacar que o próprio conflito, se bem administrado pela liderança e na dose certa acaba por fomentar a criatividade. Perceba que até quando resulta em conflito, a diversidade ajuda no processo, pois gera reflexões, redefinições de prioridades e até mesmo concessões para que a equipe continue caminhando. E não há processo criativo sem conflito, diálogo e constante reflexão sobre o processo em si, outras experiências ou pontos de vista. Ou seja, sempre acaba ajudando.
O mundo criativo está mais preocupado com a solução dos problemas até então teimosos a permanecer no nosso quotidiano do que com a autoria. Cada vez mais se vê cocriadores e muita gente falando sobre “cocriação”. Boas ideias surgem da discussão, do debate, da construção colaborativa. Aqui, podemos dizer que a criatividade possui dois grandes inimigos: o ego e a arrogância.
Criatividade é um comportamento? Definitivamente, sim. Quando um profissional molda seu comportamento a favor da criatividade, naturalmente deixa o ego e a arrogância de lado. E estudos indicam que não há a necessidade de muito esforço para que isso aconteça. Segundo Edward Deming[8], considerado o pai da eficiência e da melhoria contínua, 85% da eficácia de um trabalhador é determinada pelo próprio local de trabalho e apenas o restante diz respeito à sua habilidade. Ou seja, os colaboradores possuem potencial enorme quando inseridos em um ambiente favorável. E como é a partir do clima organizacional que se fomenta a criatividade… Definitivamente, não é um lugar para pessoas egocêntricas. Não há espaço para o “egossistema”, apenas para a mentalidade de ecossistema.
E a chave para a inovação acontecer de forma espontânea e natural é estimular a criatividade. Inovação, portanto, é um processo. Ela ocorre quando, ao nos habilitarmos a olhar de novas maneiras para os colaboradores e para os processos, temos a coragem suficiente para testar novas ideias e melhorá-las. Isso tudo é canalizado com uma competência interpessoal altamente desejável, a imaginação.
O leitor pode estar se perguntando como aplicar isso tudo na esfera jurídica. Somos cercados pela barreira intransponível da lei, conduzidos pelas vias jurisprudenciais e altamente catequizados pelas normas regulamentadoras. Como usar a imaginação no meio jurídico em uma atuação que não seja pela via legislativa?
Novas teses e argumentações não teriam nascido se houvesse sempre esse inconformismo. A habilidade que o profissional do Direito – seja ele advogado ou não – possui de se perguntar: “E se…?”, ver e testar novas possibilidades, além de um padrão, é a missão de todo líder hoje.
Mesmo que você não se identifique como alguém inovador, com alta capacidade imaginativa ou criativa, olhe novamente. Perceba o seu redor, seus pares, competidores e até mesmo profissionais de outros setores. É possível testar e fazer diferente? Se o que você está criando é um processo repetitivo, se há espaço para maiores resultados e se há a necessidade de entregar mais, talvez seja hora de interromper o padrão. O que você precisa é criar uma solução inovadora para a sua organização? Gostaria de melhor trabalhar sua imagem profissional e empregabilidade? Para isso, o que você está precisando é o espírito criativo. E tudo o que você precisa para ele despertar é mudar o seu comportamento.
[1] Você pode consultar o estudo publicado na íntegra aqui: <https://www.pwc.com/gx/en/ceo-survey/2017/deep-dives/ceo-survey-global-talent.pdf>. Acesso em 27/08/2023.
[2] Orientamos consultar a matéria “5 maneiras de desenvolver a criatividade no seu time” da Forbes e a própria pesquisa, respectivamente disponíveis nos links <https://hbr.org/2023/03/5-ways-to-boost-creativity-on-your-team> e <https://www.ibm.com/downloads/cas/XAO0ANPL>, ambas acessadas em 27/08/2023.
[3] “O que pesquisadores nos dizem sobre criatividade e inovação em equipes” é um excelente texto escrito por Roger Schawarz para a Harvard Business Review em 2015. O título foi traduzido livremente e o artigo na íntegra pode ser encontrado em <https://hbr.org/2015/12/what-the-research-tells-us-about-team-creativity-and-innovation>. Acesso em 27/08/2023.
[4] Trecho extraído do prólogo do livro “Transformação Jurídica: Criatividade é comportamento… Inovação é Processo”. SaraivaJur, 2023.
[5] Referência do mesmo local.
[6] Trecho extraído do livro “Siga em Frente: 10 maneiras de manter a criatividade nos bons e maus momentos”, de Austin Kleon. Rocco, 2019.
[7] Saiba mais em <https://hbr.org/2016/05/embracing-agile>. Acesso em 24/09/2023.
[8] Veja <https://www.bl.uk/people/w-edwards-deming>. Acesso em 27/08/2023.