Créditos de ICMS sobre Equipamentos de Proteção Individual

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Em continuidade aos estudos realizados pelo Observatório do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP) sobre o direito ao aproveitamento de créditos de ICMS na aquisição de produtos intermediários, esse artigo visa tratar, especificamente, dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI)[1] fornecidos a trabalhadores alocados pela pessoa jurídica nas atividades de produção de bens ou de prestação de serviços.

No artigo recentemente publicado, intitulado “Créditos de ICMS sobre produtos intermediários[2], foi abordada a legitimidade do creditamento do ICMS sobre produtos intermediários quando comprovada a necessidade do uso dos produtos para a atividade-fim do contribuinte, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente.

A relevância do estudo se dá pelo descompasso entre as decisões proferidas pela Câmara Superior do TIT-SP e a tese fixada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do REsp 1.221.170/PR (Tema Repetitivo 779)[3], que elucida que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Consoante jurisprudência do STJ, o critério de essencialidade está relacionado com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência (“teste de subtração”).

O critério de relevância é identificado no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal, como é o caso do EPI.[4]

A Secretaria da Receita Federal do Brasil, por meio do Parecer Normativo COSIT/RFB 05/2018, ao apresentar as principais repercussões decorrentes da definição do conceito de insumos na legislação da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, considerou que “talvez a maior inovação do conceito estabelecido pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça seja o fato de permitir o creditamento para insumos do processo de produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços, e não apenas insumos do próprio produto ou serviço comercializados”.

Partindo dessa premissa, a Receita Federal concluiu que a inclusão do EPI exigido da pessoa jurídica pela legislação no conceito de insumo deveu-se a uma visão conglobante do sistema normativo, consoante exposto pelo ministro Mauro Campbell Marques em seu segundo aditamento ao voto proferido no julgamento do REsp 1.221.170/PR. Confira-se:

“Contudo, após ouvir atentamente ao voto da Min. Regina Helena, sensibilizei-me com a tese de que a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos (v.g., aquisição de equipamentos de proteção individual – EPI). Nesse sentido, considero que deve aqui ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações, isto porque se a empresa não adquirir determinados insumos, incidirá em infração à lei. Desse modo, incorporo ao meu as observações feitas no voto da Min. Regina Helena especificamente quanto ao ponto, realinhando o meu voto ao por ela proposto.

Observo que isso em nada infirma o meu raciocínio de aplicação do “teste de subtração”, até porque o descumprimento de uma obrigação legal obsta a própria atividade da empresa como ela deveria ser regularmente exercida. Registro que o “teste de subtração” é a própria objetivação segura da tese aplicável a revelar a imprescindibilidade e a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.” (fls. 142/144 da íntegra do acórdão; grifos no original)

Alinhado ao posicionamento da Receita, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) pacificou seu entendimento no sentido de que o EPI utilizado pelos trabalhadores, exigido pelo Ministério Público do Trabalho e legislações vigentes, é imprescindível e, portanto, deve ser classificado como insumo. Confira-se ementa do Acórdão 3401-012.712, publicado em 14/06/2024:

“ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP

Período de apuração: 01/07/2010 a 30/09/2010

CONCEITO DE INSUMOS. PARECER NORMATIVO COSIT/RFB 05/2018. TESTE DE SUBTRAÇÃO E PROVA. CRÉDITO PARCIALMENTE CONCEDIDO.
A partir do conceito de insumos firmado pelo STJ no RESP 1.221.170/PR (sob o rito dos Recursos Repetitivo), à Receita Federal consolidou o tema por meio do Parecer Normativo COSIT/RFB 05/2018.
São premissas a serem observadas pelo aplicador da norma, caso a caso, a essencialidade e/ou relevância dos insumos e a atividade desempenhada pelo contribuinte (objeto societário), além das demais hipóteses legais tratadas no art. 3º das Leis 10.833/2003 e 10.637/2002.  […]

INSUMOS. EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. MATERIAIS DE LABORATÓRIO. DESPESAS COM LIMPEZA INDUSTRIAL. CRÉDITO CONCEDIDO.
Levando-se em consideração a exposição a agentes nocivos em laboratórios, pátio fabril e área florestal (agrícola) bem como, ante a exigência pelo Ministério Público do Trabalho, e legislações vigentes, os EPIs utilizados pelos funcionários da recorrente são imprescindíveis.
Igualmente, os bens e serviços despendidos nos laboratórios que auxiliam na fase de produção da matéria prima bem como, os custos necessários com a remoção de resíduo industrial.” (g.n.)

A Norma Regulamentadora 28 (NR-28), que define procedimentos da atividade de fiscalização do cumprimento das disposições legais e regulamentares sobre segurança e saúde do trabalhador e respectivas penalidades, prevê, à luz do disposto no art. 161 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que “o agente da inspeção do trabalho que constatar situação de grave e iminente risco à saúde e/ou integridade física do trabalhador, com base em critérios técnicos, deverá propor de imediato à autoridade regional competente a interdição do estabelecimento”.

A despeito de as empresas serem obrigadas a fornecer aos empregados, gratuitamente, o EPI adequado ao risco, nos termos do que determina o art. 166 da CLT, cuja subtração pode implicar  a interdição do estabelecimento empresarial, observa-se que as decisões proferidas pelo TIT-SP não fazem qualquer distinção entre os EPI e os chamados produtos intermediários, mantendo o entendimento de que a classificação como insumo requer o consumo de forma imediata e integral no processo produtivo.[5]

Em recente Resposta à Consulta Tributária, publicada no Diário Eletrônico em 23/04/2024, a Consultoria Tributária da Sefaz/SP reiterou seu entendimento – contrário à jurisprudência firmada pelo STJ – no sentido de que o EPI constitui material de uso e consumo, pois, não é utilizado na comercialização, nem mesmo empregado para integração no produto ou para consumo no respectivo processo de industrialização. Confira-se a ementa da Resposta à Consulta Tributária 29.533/2024:

“ICMS – Aquisição de uniformes e EPIs – Crédito.

Uniformes e EPIs, ainda que utilizados por funcionários que atuam exclusivamente na produção, constituem material de uso e consumo do estabelecimento, sendo que a entrada desses produtos no estabelecimento somente dará direito a crédito, quando a legislação do imposto permitir”.

Ainda que no âmbito do TIT-SP, de acordo com o disposto no art. 28 da Lei Estadual 13.457/2009, os julgadores só estejam vinculados a decisões judiciais proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em ações diretas de inconstitucionalidade, decisões definitivas do STF, em via incidental, desde que o Senado tenha suspendido a execução do ato normativo, e Súmulas Vinculantes, observa-se que as decisões têm seguido o entendimento da Sefaz/SP.

A falta de harmonia entre a jurisprudência administrativa e judicial e a forte resistência quanto à aplicação da Teoria dos Precedentes Judiciais, abordadas no artigo “ICMS e IBS: a experiência na construção do imposto novo[6], colocam em risco a segurança jurídica e a previsibilidade do direito que se almeja aperfeiçoar.

A classificação do EPI como material de uso e consumo, tal como se verifica nas Respostas às Consultas Tributárias da Sefaz/SP, contraria a tese firmada pelo STJ, em sede de recurso repetitivo, além de divergir do posicionamento da Administração Pública Federal, exarado no Parecer Normativo COSIT/RFB 05/2018 e aplicado nos julgamentos proferidos pelo Carf.

A temática traz à tona não somente a necessidade da análise individualizada do EPI, quando se trata de creditamento do ICMS sobre produtos intermediários, mas também da criação de mecanismos de harmonização, que garantam ao contribuinte tratamento isonômico pelos órgãos da Administração Pública e assegure a consistência e a previsibilidade nas decisões administrativas tributárias.

Autoria:

Luana Pinto Schunck – Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT, graduada em Direito e em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduada em Direito Tributário pela FGV. Advogada.

Coordenação:

Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin

[1] De acordo com as disposições gerais da Norma Regulamentadora 06 (NR-06), considera-se Equipamento de Proteção Individual o dispositivo ou produto de uso individual utilizado pelo trabalhador, concebido e fabricado para oferecer proteção contra os riscos ocupacionais existentes no ambiente de trabalho.

[2] SOARES, Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco. JOTA, 06/06/2024.

[3] Tese firmada (Tema Repetitivo 779): “(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.”

[4] Vide voto da Exma. Sra. Ministra Regina Helena Costa no julgamento do REsp nº 1.221.170/PR.

[5] Ilustrativamente, veja-se decisão proferida pela 11ª Câmara Julgadora no AIIM 4.000.071-0 que, por maioria de votos, negou provimento ao recurso ordinário, sob o entendimento de que os produtos que não se esgotam imediatamente na linha de produção e não se integram ao produto final devem ser classificados como de uso e consumo do estabelecimento: “ICMS. CRÉDITO INDEVIDO. AQUISIÇAO DE MERCADORIAS PARA USO E CONSUMO DO PRÓPRIO ESTABELECIMENTO. MATERIAL REFRATÁRIO E OUTROS. DECISÃO NORMATIVA CAT 01/2001. NECESSIDADE DO MATERIAL INTEGRAR O PRODUTO FINAL OU SER CONSUMIDO INTEGRALMENTE NO PROCESSO PRODUTIVO. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.” O recurso especial do contribuinte não foi conhecido pela Câmara Superior do TIT, encerrando a discussão administrativa.

[6] Bravo, Kalinka e FIGUEIREDO, Danilo Andrade Bertagnoli de. JOTA, 25/04/2024.