Corte IDH condena Venezuela por violação de direitos em caso de violência obstétrica

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A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) declarou a Venezuela responsável pela violação dos direitos de uma mulher que sofreu violência e negligência obstétrica em um hospital privado há 25 anos. Balbina Rodríguez Pacheco teria padecido inúmeras sequelas após ser vítima de erro médico durante uma cesariana. Meses depois, ao denunciar a equipe médica, seu processo foi alvo de sucessivas irregularidades, até prescrever, sem que ninguém fosse responsabilizado.

Em sentença divulgada na segunda-feira (27/11), a Corte considerou que o Estado venezuelano falhou em garantir a integridade pessoal e o direito à saúde a Balbina Rodríguez Pacheco e violou direitos às garantias judiciais e à proteção judicial da vítima.

De acordo com a Corte, a Venezuela não adotou as ações para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, previstas na Convenção Interamericana, devido aos obstáculos enfrentados pelo processo depois de Balbina ter formalizado a denúncia por violência obstétrica e negligência médica na Justiça.

Na sentença anunciada pelo presidente do Tribunal, o juiz uruguaio Ricardo Pérez Manrique, a Corte determinou que o Estado venezuelano deverá investigar, em prazo razoável e por meio das instituições públicas competentes, os funcionários acusados de irregularidades, e aplicar as sanções administrativas, disciplinares ou penais correspondentes. Também determinou que o Estado pague uma indenização à vítima.

Para a Corte, é responsabilidade dos Estados “regular e fiscalizar todo atendimento de saúde” e “prevenir que terceiros cometam atos de violência obstétrica”.

Erro médico

Balbina Rodríguez Pacheco estava com 39 semanas de gestação quando buscou atendimento médico em um hospital particular. No momento do parto, por meio de uma cesariana, ela relatou que foi submetida a uma série de procedimentos equivocados e contra sua vontade que levaram ao rompimento do útero e a uma hemorragia interna, além de ter ficado com inúmeras sequelas.

Em audiência pública sobre o caso realizada em março deste ano na Corte, ela narrou o ocorrido aos juízes: “Escutei o aparelho de controle de sinais vitais e, como sou médica, sabia perfeitamente que o alarme indicava algo grave. Perguntei ao médico, e ele me disse que tínhamos problemas, porque havia um acretismo placentário. Eu, neste momento, perfeitamente consciente, pedi que, se era assim, eu preferia ficar sem útero, mas viva, porque eu sabia o que isso significava. Eu pedi que, por favor, não me deixasse morrer”.

Ela contou que foi levada à UTI, onde os médicos constataram a hemorragia e graves danos em consequência, alega, de uma cesariana malfeita. Balbina afirmou que teve infecções hospitalares, insuficiência renal e sequelas motoras decorrentes de um acidente vascular cerebral. Ela relatou à Corte na audiência que foi “um milagre” ter resistido.

“Depois de quatro intervenções, finalmente consegui sair da clínica, em uma cadeira de rodas, deformada. Não conseguia me sustentar em pé, não podia falar, porque fiquei entubada, olhava para as pessoas e não lembrava do nome delas. Assim eu passei vários meses, acamada, sem poder me mexer e muito menos atender ao meu filho, que tinha acabado de nascer”, contou.

Ela acrescentou que perdeu metade da capacidade de trabalhar, entrou em ansiedade e depressão, além de sofrer de dor crônica, sem contar os danos psicológicos e à vida familiar.

Em janeiro de 1999, Balbina apresentou uma denúncia contra a equipe médica que a atendeu. Mas o processo passou por uma série de anulações, porque os juízes e promotores não compareciam às audiências. Em março de 2012, depois de 13 anos de trâmite, a Justiça Venezuela decretou que a ação tinha prescrito. Ninguém foi responsabilizado.

Na sentença, os juízes da Corte IDH concluíram haver indícios de violência obstétrica e erro médico. E que a resposta do Estado se caracterizou por uma série de irregularidades que levaram à prescrição dos atos denunciados por Balbina.

O Tribunal ordenou que o Estado venezuelano adote as medidas necessárias para que os órgãos do poder judiciário e Ministério Público desenvolvam programas de capacitação e investigação de possíveis casos de violência obstétrica. E que ofereça, também, programas de formação e educação permanente dirigidos a estudantes de Medicina e médicos já formados, assim como a todo profissional de atenção em saúde reprodutiva em centros de saúde pública e privada sobre os direitos de saúde materna das mulheres e discriminação de gênero.

A Venezuela tem o prazo de um ano a partir da notificação para apresentar um relatório sobre as ações adotadas para cumprir com as determinações do Tribunal. O Estado não indicou representantes para o ato de anúncio de sentença, apesar de ter sido notificado oportunamente, afirmou a Corte.