Países que compõem o sistema interamericano de direitos humanos pediram urgência à Corte IDH no esclarecimento das responsabilidades jurídicas que cabem aos Estados na luta contra a mudança climática, principalmente em relação às populações mais vulneráveis. O Tribunal iniciou a discussão sobre o tema em uma série de audiências públicas realizada em Barbados, no Caribe, a partir de um pedido de opinião consultiva feito por Chile e Colômbia no ano passado.
Na maior e mais participativa audiência pública já realizada pela Corte, com mais de 600 contribuições de diferentes delegações, representantes de Estados, ONGs, instituições acadêmicas e organizações da sociedade civil discutiram as consequências já visíveis da emergência climática mundial, que atinge as populações de forma desigual. Para esse período de trabalho, os juízes deixaram temporariamente a sede do Tribunal em San José, na Costa Rica.
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A segunda parte da audiência pública da Corte sobre emergência climática e direitos humanos acontecerá no Brasil, em duas ocasiões: no dia 24 de maio, em Brasília, e de 27 a 29 do mesmo mês, em Manaus.
“Essas audiências têm o propósito de estabelecer um diálogo direto, diverso e participativo que contribua para a coleta de informação relevante para a resolução da opinião consultiva solicitada. Neste sentido, a Corte considerou realizar as sessões fora de sua sede para estar mais perto da realidade das regiões gravemente afetadas pelos impactos da mudança climática, como são os Estados insulares e a Amazônia”, afirmou a juíza Nancy Hernández López, atual presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Um dos solicitantes da opinião consultiva, o Estado chileno lembrou que a região não está entre os principais emissores globais de poluentes, mas é uma das que mais sofre com seus efeitos.
“Como já disse o secretário-geral da ONU, estamos em uma era que já não é de aquecimento global, mas de ebulição global, que impacta de maneira significativa o gozo de direitos humanos e a subsistência de milhões de pessoas. O impacto dessa emergência não é igual para todos. Ela é devastadora para crianças, povos indígenas, comunidades camponesas, mulheres, entre outros”, afirmaram representantes do Estado chileno, reforçando o apelo para que o Tribunal defina as consequências jurídicas derivadas da catástrofe ambiental.
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A iniciativa também faz parte de um esforço da Corte de avançar na jurisprudência sobre o tema, a exemplo de casos recentes analisados pelo Tribunal.
“Essa catástrofe é de tamanha magnitude que não é exagero dizer que é preciso enfrentar essa crise climática para garantir a subsistência da humanidade, como já foi reconhecido na recente sentença do caso La Oroya vs. Peru”, lembraram representantes da delegação do Chile.
A expectativa é que as considerações do Tribunal sobre a emergência climática imponham novas obrigações aos países que compõem o sistema interamericano na redução da emissão de gases do efeito estufa e na adoção de medidas de adaptação à mudança climática.
“Hoje não temos instrumentos de aplicação nacional nem estândares que permitam assegurar a idoneidade das contribuições para enfrentar a emergência climática em cada Estado e coletivamente, e esse deve ser um aspecto abordado pela Corte”, ressaltaram representantes do Estado do Chile.
“Pela incerteza nessa matéria, uma opinião consultiva pode prever o necessário esclarecimento sobre medidas de mitigação que devem ser adotadas individual e conjuntamente atendendo às circunstâncias de cada Estado e à contribuição que prestam à emergência climática”, acrescentaram.
Os países solicitantes reforçaram que as medidas devem seguir as realidades geográficas e culturais dos países da região, com especial atenção a grupos em situação de vulnerabilidade. Esses grupos, destacaram, requerem medidas diferenciadas de proteção por parte dos Estados.
Representantes da Colômbia afirmaram que mais de 30 milhões de hectares de seu território são territórios hídricos com culturas que vivem e dependem da água. Além disso, disseram, mais de 59 milhões de hectares do país já foram afetados ecologicamente, aumentando a vulnerabilidade desses ecossistemas nos últimos anos.
“É imperativa uma intervenção urgente da Corte para harmonizar as obrigações derivadas do sistema interamericano de direitos humanos com aquelas emanadas pelo direito ambiental internacional e estabelecer os princípios que devem guiar os Estados no cumprimento de suas obrigações ambientais, entendendo que formam parte do marco jurídico universal dirigido à prevenção e à mitigação da emergência climática em função dos deveres que lhes incumbe em matéria de direitos humanos. É um momento crucial para evitar esse cataclismo”, afirmou a delegação do Estado colombiano.
Para seus representantes, a opinião consultiva pode ainda ser um marco no sistema interamericano que orientará juízes de todos os níveis sobre as “obrigações exequíveis e na violação de direitos humanos ameaçados pela emergência climática”.
“Esse é um chamado de atenção para que os Estados deem a importância que o tema merece”, afirmaram.
Estados insulares em crise
Sede da primeira parte dessa audiência pública de opinião consultiva, o Estado de Barbados lembrou que as belezas naturais que dão fama e atraem turistas ao país correm risco de desaparecer devido às mudanças climáticas. Segundo representantes do país caribenho, o aumento do nível do mar ameaça as praias e aumenta a erosão da costa, além de ameaçar negócios e a atividade pesqueira.
Isso piorou desde 2021, quando a ilha, até então em grande parte poupada de eventos extremos, foi duramente atingida por uma tempestade tropical e depois por um furacão, o que gerou uma série de perdas e danos ao território.
“Ironicamente, os países mais afetados pela mudança climática não são seus principais causadores. Barbados é um exemplo. Ainda assim, a previsão é que será um dos mais atingidos por seus efeitos”, afirmaram aos juízes representantes do Estado caribenho.
Eles disseram ainda que acreditam “no papel da lei nas relações internacionais” e na ação da Corte para a aplicação de normas severas relativas ao tema. “Por favor, façam algo rápido, porque não podemos esperar”, apelaram.
Também presentes na audiência, representantes do México afirmaram que a região sofreu de maneira particular e direta os impactos da mudança climática, com aumento do nível do mar e da temperatura média, colocando a biodiversidade em risco.
“As discussões sobre emergência climática estão normalmente centradas em aspectos técnicos e econômicos, esquecendo a perspectiva de direitos humanos e gênero, base para a criação de sociedades justas e sustentáveis”, destacaram.
A delegação mexicana reforçou que as orientações da Corte sobre as obrigações estatais relativas ao tema serão essenciais para a região, em especial para mulheres, comunidades indígenas e pessoas que vivem em situação de pobreza. Lembrou ainda da importância de regulação e sanção também das atividades de entidades privadas, que podem ter impacto negativo no meio ambiente, dentro do próprio Estado ou com efeitos transfronteiriços.
Representantes do Estado de Vanuatu, conjunto de 80 ilhas no Pacífico, na Oceania, também participaram da audiência, reforçando o efeito devastador da mudança climática em pequenos territórios insulares.
Eles lembraram, assim como representantes de outros Estados, que não estão entre os principais causadores de eventos que contribuem para a emergência do clima, mas vivem cada vez com mais intensidade as consequências dessa crise.
Pediram à Corte medidas mais severas sobre a emissão de gases do efeito estufa e na responsabilidade dos Estados em reparar populações já afetadas pelos danos derivados da mudança climática, com punições previstas para a resposta – ou ausência dela – em medidas de mitigação e adaptação.
“A Corte pode dar uma valiosa contribuição à justiça climática, colocando os deveres e responsabilidades dos Estados nos danos derivados da mudança climática”, afirmaram, reforçando que a emergência expõe uma violação grave de direitos humanos.
Corte em Barbados
A Corte encerrou seu 166º Período de Sessões na última sexta-feira (26/4) na Universidade de West Indies, em Cave Hill, Barbados.
“Barbados tem buscado apelar à consciência do mundo para chamar atenção e, esperamos, alcançar um entendimento comum da necessidade de reconfigurar nossa arquitetura financeira para servir e responder melhor aos desafios financeiros e sociais enfrentados pelos pequenos Estados em consequência da emergência climática”, disse o ministro de Assuntos Exteriores e Comércio Exterior de Barbados, Kerrie D. Symmond.
A audiência seguirá agora para a segunda parte no Brasil, no fim de maio, onde está prevista a participação de mais 116 delegações de representantes de Estado, ONGs e organizações da sociedade civil.
“A riqueza e diversidade das contribuições e argumentos aqui apresentados contribuíram muito para essa significativa opinião consultiva e mostram a importância e a complexidade do tema submetido ao conhecimento da Corte”, disse a juíza Nancy Hernández López, presidente do Tribunal, reforçando que “ainda há muito trabalho por fazer”.