Há tempos alertei aqui que corrupção não é bom guia para reformas do Estado. Reitero o aviso, mas receio que ele seja inócuo. No Brasil de hoje, qualquer iniciativa será avaliada sobre o crivo de eventuais impactos no combate à corrupção.
Nesse texto, chamo de corrupção a prática de obter vantagem indevida por meio do exercício de função pública.
Rendo-me ao contexto e retomo o assunto, desta vez para expor algumas simplificações que podem contaminar o debate.
Segue lista com recomendações que, em tempos outros, seriam tomadas como acacianas:
Probos são aprovados em concurso e nomeados para cargos ou empregos públicos. Mas também ocupam cargos em comissão. Gente de má índole é nomeada por concurso e pode, igualmente, exercer cargos comissionados. Portanto, virtude ou vício não são presumíveis a partir da natureza do vínculo que une o agente público à entidade estatal.
O agente público pode receber vantagem indevida para praticar atos ilícitos, mas também pode se corromper para simplesmente fazer o que deve. É necessário, portanto, separar a punição dos corruptos da análise sobre a validade do ato praticado em troca do benefício indevido.
Há quem seja contratado por licitação sem corromper. Há também quem seja contratado sem licitação de maneira ilibada. Empresas com más práticas participam de licitação e as vencem por causa da concessão de benefícios indevidos a agentes públicos, o que de igual modo pode ocorrer em situações de contratação direta. Portanto, não se deve presumir virtude de quem for contratado por licitação, nem supor vício de quem é contratado diretamente.
Contratos com sobrepreço podem ou não estar associados à prática de corrupção. Contratos com preços adequados e até com preço muito baixo, do mesmo modo, podem ou não gerar corrupção. É comum que empresas com más práticas vençam licitações com propostas agressivas e usem a corrupção para tornar os contratos viáveis economicamente. Portanto, o preço alto não deve ser supervalorizado na identificação da corrupção.
A reputação institucional de entidades estatais não está relacionada ao nível de discricionariedade de suas atribuições. Há corrupção no exercício de competências discricionárias ou vinculadas. O desvio de conduta é facilitado por fatores pessoais, estruturais e procedimentais e não pela natureza da competência exercida. A lavratura de um auto de infração, ato de natureza vinculada, realizada por agente isolado, é mais exposta a desvios do que a negociação de um acordo, com espaço para apreciação discricionária, se realizada em procedimento que envolva vários agentes, com decisões motivadas e transparentes.
Corrupção não se presume.
Ela não é provocada ou evitada por formalidade ou instituto jurídico específico.
Por isso, não se deve pautar reformas ou interpretações na expectativa de, com meras mudanças formais, se criarem barreiras efetivas à corrupção. É preciso dar mais atenção a outras razões que levam agentes públicos e privados a buscar vantagens indevidas nas relações de direito público.