Corrêa da Veiga: Reclamação constitucional não pode ser usada com desvio de finalidade

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O uso indiscriminado das chamadas reclamações constitucionais no Supremo Tribunal Federal (STF), como forma de tentar cassar decisões da Justiça do Trabalho, principalmente que tratam de vínculo empregatício, foi criticado hoje pelo presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Aloysio Corrêa da Veiga, nesta quarta-feira (19/2), durante o lançamento do JOTA PRO Trabalhista, realizado na Casa JOTA, em Brasília.

“As reclamações não podem ser utilizadas como um instrumento de “bypass” para pular instâncias e obter antecipadamente uma solução que possa ser favorável”, afirmou o presidente. “É preciso que haja uma atenção às reclamações constitucionais para que não sejam utilizadas como um desvio de finalidade”.

Conforme mostrou o JOTA, em recente reportagem, o número de reclamações contra decisões da Justiça do Trabalho aumentou 65% em 2024 em relação a 2023. No ano passado, elas representaram 42% do total de reclamações recebidas pelo Supremo e, pela primeira vez, ultrapassaram as processuais civis.

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Corrêa da Veiga frisou que as reclamações são um meio legal para garantir as decisões do Supremo e de outras Cortes Superiores, mas ponderou que muitas vezes elas são ajuizadas quando não houve manifestação de instâncias anteriores, como o Tribunal Regional do Trabalho e o próprio TST.  “Muitas vezes o processo está no TST até em grau de suspensão, por força de decisões do Supremo, e vem uma reclamação lá embaixo”, observou.

O presidente do TST rebateu as críticas de que o aumento das reclamações está associado a um descumprimento pela Justiça do Trabalho de decisões vinculantes do STF.

“Eu tive uma vice-presidência do TST durante dois anos, dos quais eu decidi pela  admissibilidade de recurso extraordinário em 90 mil processos, em dois anos. E nesses 90 mil processos que houve provimento para chegar ao STF não chegou a 0,6%, os demais foram todos resolvidos no âmbito da própria competência da vice-presidência e baixaram. Logo, não há esse volume de descumprimento das decisões do STF. O que há muitas vezes é uma questão de interpretação”, diz

“A quantidade de decisões proferidas pela Justiça do Trabalho e a quantidade de recursos que chegam ao Supremo Tribunal Federal demonstram isso. As decisões do STF são cumpridas. Alguma divergência de interpretação poderá existir, mas não com relação às decisões vinculantes, que todos observam”, disse.

Competência da Justiça do Trabalho

A abrangência da competência da Justiça do Trabalho também foi abordada pelo ministro. Corrêa da Veiga relembrou que, conforme ampliação decorrente da Emenda Constitucional 45, a Justiça do Trabalho deve julgar não só as relações de emprego, mas as relações de trabalho e os conflitos decorrentes dessas relações,

“Quem tem vocação para julgar os conflitos da relação de trabalho é a Justiça do Trabalho. É a vocação dela. […] Nós, juízes do trabalho, precisamos tomar consciência de que a competência é como um cafézinho, não se rejeita. Se rejeitar, outro assume”, afirmou.

Corrêa da Veiga também fez observações sobre a necessidade de atualizar as normas que regem esse universo para acompanhar as mudanças recentes nas relações de trabalho, principalmente com o aumento do uso de plataformas e aplicativos.

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Ele ressaltou que a CLT é um dos documentos sociais mais importantes na história do Brasil e que ainda tem uma efetividade grande quanto às relações formais de trabalho, mas que precisa ser adaptada à realidade moderna. “Precisa de uma atualização e não de uma desconstrução ou um esquecimento daquilo que foi feito, que foi uma conquista”, disse.

Corrêa da Veiga, no entanto, pontuou que as novidades nas relações também demandam novas regulamentações. Ele ponderou que cabe ao Congresso Nacional legislar sobre o assunto, mas que o Judiciário não pode deixar de julgar na lacuna da lei.

Quais são as normas que o Judiciário tem para o trabalho subordinado não eventual, pago mediante salário? São os artigos 2º e 3º da CLT. Então, se todos esses elementos se definem nos artigos 2º, 3º, 4º e 8º da CLT, parece um contrato de trabalho. Agora, é verdade que há outras modalidades de prestação de trabalho e, com relação à plataformização, Uber, Ifood, entrega, é preciso que haja uma consciência da sociedade no sentido de que é preciso uma regulamentação”, disse.

Ao falar sobre o trabalho de plataforma, Corrêa da Veiga destacou a necessidade de que essas eventuais novas normas abarquem a proteção social para esses trabalhadores, com previdência social e seguro acidente, e estabeleçam limites para as jornadas.

Corte de precedentes

O ministro também voltou a enfatizar a importância de tornar o TST uma Corte de precedentes e ressaltou que a uniformização da jurisprudência contribui para a segurança e a previsibilidade do Judiciário. A intenção tem sido manifestada desde o início de seu mandato em outubro do ano passado.

“O meu entendimento individual não pode prevalecer sobre o interesse e o entendimento comum. Tenho que me vincular àquilo que foi decidido pela maioria, porque este é o processo democrático”, declarou o ministro.

Questionado sobre a percepção de há uma divisão entre os ministros que compõe o Pleno do TST, colegiado responsável por uniformizar a jurisprudência, Corrêa da Veiga afirmou que não vê um acirramento entre os magistrados, mas sim um debate construtivo, no sentido de que há o exame de divergências com propósito de chegar a uma melhor solução.

O presidente da Corte ponderou que cada ministro tem sua ideologia, mas que não vê isso como óbice. “O processo não é lugar para a ideologia. É lugar para a verdade, para a aplicação da lei ao caso concreto. Eu não vejo ideologia como óbice. A afinidade, transparência e conhecimento para a aplicação da lei tem que ser naturalmente diante dos ditames da própria razão. É claro que na aplicação da dúvida, o critério ideológico pode contribuir, mas não ser o fator determinante para o julgamento.”