Controvérsia de longa data diz respeito à possibilidade de tribunais de contas realizarem controle de constitucionalidade. Desde a edição da súmula 347 do STF, em 1963, cujo conteúdo diz “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”, houve dúvida sobre quais seriam os contornos concretos da competência reconhecida aos tribunais de contas pelo enunciado.
Ao longo dos anos, diferentes foram as posições assumidas pelo Supremo em suas decisões sobre o tema, sem conferir definitividade a ele. Recentemente, a corte esboçou considerações a respeito da compatibilidade da súmula com a Constituição Federal de 1988, no julgamento do mandado de segurança 25.888,[1] mas não chegou a decidir sobre o mérito da matéria, uma vez que reconheceu a perda de objeto no caso.
Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas no seu email
Diante das indeterminações, questiona-se: como o TCU tem compreendido a competência que a súmula 347 lhe reconhece? Para responder a essa dúvida, fez-se levantamento de acórdãos do plenário do TCU proferidos nos últimos cinco anos, nos quais se discutiu a competência do órgão para apreciar a constitucionalidade de leis e atos do poder público. Foram analisados 54 acórdãos.
As decisões recentes do TCU indicam que sua posição majoritária, expressamente aludida nos acórdãos analisados, é de que cabe a ele exercer controle concreto de constitucionalidade do seguinte modo: o Tribunal de Contas poderia apenas aplicar a jurisprudência do Supremo para afastar a incidência de normas já reputadas inconstitucionais pelo STF.
Porém, tal postura não se reflete integralmente na prática.
Ainda que os casos em que o TCU de fato realiza controle de constitucionalidade sejam poucos — apenas em 17 acórdãos — entre eles há situações em que se afasta a aplicação de normas a partir de um juízo originário de constitucionalidade que o próprio TCU realiza.[2] E os parâmetros adotados para essa avaliação tendem a ser pouco objetivos, baseando-se em violações genéricas à Constituição[3] ou mesmo a princípios constitucionais.[4]
O TCU também parece fazer uso impreciso da jurisprudência do STF. Isso ocorre tanto em relação aos acórdãos que tratam sobre a possibilidade de o Tribunal de Contas realizar controle de constitucionalidade,[5] quanto aqueles em que, sob a justificativa de aplicar entendimento do Supremo sobre determinada matéria, o TCU toma decisões que contrariam às da Corte Constitucional.[6]
De modo geral, as decisões do Tribunal de Contas parecem um tanto aleatórias. Contribui para tanto o fato de o STF não fixar limites claros ao que o TCU pode fazer em relação ao controle de constitucionalidade referido na súmula 347. Reforça-se, com isso, o que estudos anteriores já diziam sobre o tema: a jurisprudência do STF tem contribuído para a insegurança jurídica quanto ao controle de contas, permitindo, na ponta, que o TCU haja conforme seu próprio juízo.[7]
[1] Mandado de Segurança 25.888/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, j. em 21.8.2023.
[2] V. Acórdão 523/2023, Plenário, Rel. Min. Jorge Oliveira, j. em 22.03.2023.
[3] V. Acórdão 964/2024, Plenário, Rel. Min, Benjamin Zymler, j. em 22.05.2024.
[4] V. Acórdão 523/2023, Plenário, Rel. Min. Jorge Oliveira, j. em 22.03.2023.
[5] V. Acórdão 1367/2024, Plenário, Rel. Min. Jorge Oliveira, j. em 10.07.2024.
[6] V. Acórdão 1501/2023, Plenário, Rel. Min. Marcos Bemquerer, j. em 19.07.2023.
[7] TRISTÃO, Conrado Valentini. Controle do Tribunal de Contas da União pelo Supremo Tribunal Federal: uma análise a partir dos julgamentos de mandados de segurança. 2020. 101 f. Dissertação de mestrado, Fundação Getúlio Vargas, Escola de Direito de São Paulo, 2020.