Ninguém duvida que o Supremo Tribunal Federal tem tido um papel pivotal na manutenção do Estado democrático de Direito restabelecido pela Constituição de 1988. Da mesma forma, é inconteste que nossa Corte Suprema foi essencial para conter os arreganhos fascistoides do finado governo Bolsonaro, tendo atuado, em variadas circunstâncias, com grande desassombro.
Por mais altos que sejam seus méritos, o STF é hoje uma instituição que ainda carece de muitos aperfeiçoamentos para ser reputada como verdadeiramente republicana. O republicanismo – um princípio constitucional em si – significa na essência a separação do público e do privado e o primado daquele sobre este. As instituições públicas, permanentes, devem se sobrepor aos agentes que a conduzem, transitórios.
Não é o que ordinariamente vemos no STF. A chamada “monocratização” das decisões da corte é apenas a ponta do iceberg de um voluntarismo exacerbado a que temos assistido no Excelso Tribunal, no qual, para ficar em exemplo trivial, o seu presidente se acha no direito de apresentar uma “agenda para o Brasil”, com soluções para supostos problemas nacionais tirados da sua cartola ideológica.
Não vou aqui sequer entrar no mérito da questão constitucional, sobre a possibilidade de o Congresso restringir as decisões monocráticas na corte. Pois isso é de uma obviedade descomunal. Basta lembrar que, quando do advento da Lei 9.868/99, que já havia restringido as liminares monocráticas no controle direto de constitucionalidade, ninguém sequer cogitou que esta norma fosse inconstitucional por violar a separação de Poderes. E, obviamente, se uma lei pôde fazê-lo, por que uma Emenda Constitucional não o poderia? Além do mais, se o Regimento Interno do STF permitiu uma aplicação desviante da norma, há de se restaurar o império da lei por legítima interpretação do legislador ou mesmo, como é o caso, do poder constituinte derivado.
Curioso que o STF, quando percebe que o Congresso está preocupado com suas exorbitâncias (que não são poucas), tira da manga a carta da “separação de Poderes”, como se o poder reformador estivesse totalmente impedido de regular o funcionamento interno da corte, por uma ampliação ad infinitum da cláusula pétrea constate do art. 60, par. 4º, inc III. Não se pode esquecer que nosso constitucionalismo, desde 1891, adotou a matriz americana em que o outro lado da moeda da separação de Poderes é o mecanismo de freios e contrapesos, que precisa ser acionado quando um dos Poderes se assenhora de funções que não lhe cabem.
O STF, pelas vozes de seu presidente e de seu decano, reagiu muito mal à aprovação da PEC no Senado. O ministro Gilmar Mendes proferiu declaração do plenário, em tom de ultraje, como se o Senado estivesse ameaçando a independência do tribunal (óbvio que não está). O ministro Barroso pediu uma reunião urgente com o presidente da República diante de uma suposta “crise”, pelo fato de que o líder do governo, senador Jacques Wagner (PT-BA), votou a favor da proposta de emenda à Constituição. A imprensa especulou até que as lideranças da corte pediriam a cabeça do senador.
Eu me pergunto em qual país do mundo juízes de uma Suprema Corte têm o desplante de sugerir ao presidente da República a renúncia de líder do governo no Senado pelo fato de que este tenha votado medida que desagrada aos ministros constitucionais. Essa reação desproporcional e incabível é em si a maior demonstração de que é preciso por cobro aos poderes exorbitantes dos ministros da corte.