Congresso da ABIPAG abre com foco em regulação, inovação e mudanças do BC

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A quarta edição do congresso anual da Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos (ABIPAG) reuniu autoridades do setor público e representantes do mercado nesta quinta-feira (29/5), em Brasília, para discutir os impactos da inovação tecnológica no sistema financeiro.

Entre as autoridades presentes, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e de Resolução do Banco Central, Renato Dias Gomes, afirmou que o BC deve lançar uma nova consulta pública para discutir limites à tarifa de intercâmbio no crédito, em linha com medidas já adotadas nos arranjos de débito e pré-pago.

Ele também comentou os avanços no uso internacional do Pix, mas enfatizou a importância da conformidade com normas de prevenção à lavagem de dinheiro. Gomes destacou ainda os objetivos da Consulta Pública 104, que trata do gerenciamento de riscos nos arranjos de pagamento e foi realizada no começo do ano e está em análise pelo BC.

Segundo ele, não haverá imposição de modelos específicos, como câmaras de compensação, mas será exigida uma estrutura proporcional ao risco de cada arranjo. “O Banco Central será rigoroso na aprovação dos modelos para evitar distorções concorrenciais”, afirmou.

A proposta também prevê a segregação de garantias, levando em conta o porte e o grau de supervisão prudencial das instituições envolvidas.

Alexandre Cordeiro, presidente do Cade, revisitou os avanços dos últimos dez anos no setor, lembrando que o mercado de pagamentos, antes considerado consolidado, foi transformado pela entrada de novos atores e pela atuação coordenada entre empresas e órgãos reguladores.

“O papel do Cade foi dar condições para que o mercado evoluísse, não comandar esse processo. Somos como um barco que ajuda a manter o rumo enquanto vocês remam”, disse. Ele citou casos envolvendo exclusividades e atos de concentração como exemplos de decisões que favoreceram a interoperabilidade e a concorrência.

O procurador-geral do Banco Central, Cristiano Cozer, reforçou a importância da convivência entre regulação e liberdade econômica no sistema financeiro. Para ele, a regulação “não substitui o mercado, mas complementa o ambiente em que ele pode se desenvolver”.

Cozer lembrou que o papel do BC se expandiu nas últimas décadas e que hoje inclui, além da estabilidade monetária, agendas de inovação, inclusão e concorrência. “Estabilidade e eficiência se reforçam mutuamente”, afirmou.

Open Finance e Pix: desafios para ampliação do crédito e adesão do público

No primeiro painel do evento, o debate se concentrou no papel do Open Finance e do Pix para a ampliação do crédito no Brasil. A CEO do Open Finance Brasil, Ana Carla Abrão, abriu a discussão com uma pergunta direta ao público: “Quem é que já deu o seu consentimento aqui?”

Diante da baixa adesão, mesmo entre especialistas, ela compartilhou sua surpresa ao assumir a liderança da associação. “Cheguei achando que a gente ainda estava patinando, que estava muito medor. E a surpresa que tive foi que já temos quase 60 milhões de consentimentos e mais de 3,5 milhões de chamadas por semana”, disse

Apesar do avanço dos números, Ana Carla reconheceu que ela própria só aderiu ao sistema este ano. “Desde março deste ano, compartilhei meu consentimento pela primeira vez. E brinco que, se os conselheiros soubessem disso antes, talvez nem tivessem me eleito.” Para ela, o principal obstáculo à adesão está na comunicação.

“Confesso que me passou simplesmente porque acho que temos um problema sério de comunicação. Não era desinteresse, era falta de informação no radar.”

A executiva ressaltou a segurança do sistema e a importância de demonstrar seus benefícios. “Esse é um ecossistema que roda em uma rede distribuída, regulada pelo Banco Central, com todas as garantias de segurança.”

O diretor de Regulação do Banco Central, Gilneu Vivan, complementou o debate afirmando que o sucesso do Open Finance depende da confiança dos usuários.

“Eu não vejo a população com consentimento, não é que não queira, mas há uma desconfiança… E essa desconfiança, na minha opinião, vem da falta de visibilidade.” Segundo ele, a adesão depende de mostrar ao consumidor o que ele ganha ao compartilhar seus dados.

“Para que isso se transforme em alguma coisa de valor, a educação tem que mostrar esse benefício para as pessoas.”

Vivan lembrou que, no início do projeto, houve muitos consentimentos sem produtos disponíveis. Hoje, com mais soluções sendo criadas, o desafio é garantir que a população compreenda e confie no sistema para que ele possa, de fato, impulsionar o crédito e a personalização dos serviços financeiros.

A procuradora do Banco Central, Natália Barbosa, destacou que a principal falha de mercado que o Open Finance busca enfrentar é a assimetria informacional.

“Quando a gente identifica uma falha de mercado isso se deve principalmente à assimetria informacional”, afirmou, ao explicar que o compartilhamento de dados com consentimento pode levar a melhores condições de crédito e investimento.

Ela comparou a resistência inicial ao Pix com o desafio atual do Open Finance. “Quando começou o Pix, eu falei pra minha família: ‘Vamos todos nos cadastrar com a chave Pix’. Eles: ‘Eu não confio, não’”, relembrou, destacando que a popularização do sistema veio com o uso prático.

“É um tema que começou com desconfiança, mas, devido à palpabilidade, popularizou muito rápido”, concluiu.

FGC deve rever metodologia de cálculo

O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) prepara ajustes para acompanhar o crescimento dos depósitos no Brasil. Segundo Daniel Lima, presidente do FGC, o fundo realizará no segundo semestre de 2025 discussões com os associados sobre possíveis alterações na metodologia de cálculo do fundo.

“Vamos realizar, de forma técnica e debatida, o dimensionamento do fundo diante da vida útil desse crescimento dos depósitos”, explicou.

Segundo ele, para fazer depósitos a liquidez deve ser entre 2,3% e 2,7% dos depósitos elegíveis, enquanto o Fundo de Resolução está em cerca de 1,5%. Ele pontuou ainda que os depósitos elegíveis no país passaram de R$ 2,2 trilhões em 2010 para cerca de R$ 5 trilhões atualmente, o que reforça a necessidade de adaptação do sistema.

Daniel Lima ressaltou que o FGC, criado em 1995 e que completa 30 anos de atuação, é uma instituição privada que exerce uma função tipicamente pública: proteger os depositantes e evitar crises bancárias.

“O FGC funciona como o freio necessário para que o carro da economia possa acelerar com segurança. Evitar que uma crise bancária se transforme em uma crise econômica mais ampla é parte essencial da estabilidade do país”, afirmou o presidente. Ele destacou ainda o papel do fundo na preservação de empregos, renda e do funcionamento das empresas.

A modernização do sistema de garantias também passa pelo uso crescente da tecnologia. Lima explicou que o FGC vem incorporando ferramentas para obter informações mais imediatas e proativas sobre o comportamento dos bancos e dos clientes, o que ajuda a antecipar riscos.

“Essa tecnologia que possibilita fazer negócios, do nosso lado a gente tem que usar também no mar de justiça da tecnologia para conseguir ter uma informação cada vez mais imediata, cada vez mais proativa”, disse.

No mesmo sentido, o diretor do Banco Central, Ailton Aquino, defendeu a ampliação da transparência sobre dados das instituições financeiras, mesmo diante de resistências internas.

“Às vezes perco nos debates internos [no BC] porque eu gostaria de entregar mais informações para a sociedade. A transparência é importante. Quanto mais informação para tomar decisão, melhor”, afirmou. Aquino destacou que já iniciou esse processo e sugeriu que o caminho é irreversível.

Ele também enfatizou a necessidade de modernizar o ambiente regulatório para acomodar a entrada de novas plataformas e participantes no sistema financeiro, citando lacunas existentes, especialmente fora do Sistema 1 (S1).

“Temos que lidar com problemas que parecem pequenos, mas que geram grandes incertezas e sofrimento”, afirmou, defendendo maior clareza e previsibilidade nas regras.

Aquino reforçou a importância da coordenação entre o Banco Central e demais órgãos no processo de resolução de crises. “Precisamos trabalhar na agilidade entre o Banco Central e os fundamentos para soluções prontas”, disse, destacando a necessidade de uma nova lei de resolução que acompanhe a dinâmica atual do sistema financeiro e suas redes sociais.

Vinicius Carrasco, diretor executivo da ABIPAG, destacou o papel dos bancos na transformação de prazos e intermediação financeira. “O banco capta no curto prazo e empresta no longo. Essa mágica gera um enorme poder de financiamento e permite o lançamento de projetos produtivos e serviços essenciais à sociedade”, disse.

Ailton Aquino reforçou o papel do Banco Central em momentos de estresse, destacando os avanços dos últimos 20 anos e a importância da solidez institucional. “O arco regulador e a rede de proteção estão muito presentes. Isso é importante para garantir a estabilidade do sistema, a confiança e a continuidade”, afirmou.

Ele também citou a Resolução 51 como exemplo da construção coletiva e do avanço da arquitetura regulatória, mencionando a capacitação para fortalecer a supervisão e a importância de uma rede de proteção atenta aos riscos futuros.

Ricardo Mourão, chefe do Departamento de Arranjos de Pagamento (Decem) do Banco Central, destacou que o processo de formulação e implementação de normas para o setor de pagamentos é técnico e dinâmico, envolvendo intensa discussão na indústria antes de finalizações.

“O processo não é social, e nem deve ser social, porque o assunto é extremamente técnico e vivo”, afirmou. Mourão ressaltou a importância da transparência e do diálogo, garantindo que “não haja coisas escondidas, nem ambiguidades”.

Segundo ele, o Banco Central está sempre aberto para estudar propostas e conversar com os participantes, mantendo um compromisso com a efetividade e eficiência. O processo de reabilitação do sistema de pagamentos, segundo Mourão, começou há cerca de 20 anos e segue em avaliação cuidadosa para assegurar evolução segura e consistente.

Thaís Mendonça, conselheira da ABIPAG, comentou sobre a evolução dos debates em torno dos riscos no sistema de pagamentos, ressaltando a mudança do cenário de “falta de transparência e segurança” para uma fase em que o setor “tem muita vontade de olhar e nos atingir sobre o que tem pela comunidade”.

Ela enfatizou a necessidade do Brasil manter um sistema “seguro, eficiente e robusto” para evitar crises inesperadas e destacou o planejamento de longo prazo do Banco Central e do sistema francês.

Thaís elogiou o regulador brasileiro, classificando-o como “dirigente, cauteloso, que tem um marco de cultura” e sublinhou a importância do Banco Central em “dar uma maior definição sobre o que é esse direcionamento de risco mais seguro”. Sobre as bandeiras de pagamento, destacou a necessidade de manter uma visão panorâmica para garantir regras coerentes com o mercado. Apesar dos avanços, reconheceu que o “resultado ainda não é a nova letícia, mas uma boa indicação de respeito”.

Carlos Jacques Vieira Gomes, conselheiro do Cade, afirmou que o órgão tem foco na defesa da competição, mas reconhece que em setores regulados o regulador tem objetivos tão importantes quanto a concorrência.

Ele explicou que o CADE atua principalmente em cooperação com o regulador, buscando alternativas normativas, mas pode investigar e firmar acordos para evitar condutas prejudiciais quando o regulador permite liberdade para as empresas.

Jacques também discutiu a importância da proporcionalidade na regulação, mencionando os parágrafos do artigo 35B e os possíveis impactos para pequenos participantes, defendendo que a estrutura regulatória deve refletir o risco real de cada agente no mercado.

Marcus Paulus Rosa, procurador do Banco Central, analisou a evolução da gestão de riscos nos arranjos de pagamento, destacando que há cerca de dez anos a centralização da gestão já tinha limitações e que a experiência jurídica não permitiu o repasse de riscos sem respaldo legal.

Ele explicou que, a partir de 2019 e 2020, foram criadas metodologias que diminuíram a exposição entre participantes, conferindo obrigações próprias de pagamento e mitigando riscos financeiros.

Rosa enfatizou, porém, que a segregação efetiva dos recursos ainda é um desafio, já que eles podem ser suscetíveis a riscos sem um fundo segregado efetivo. Para ele, há um mecanismo de repasse, mas sua efetividade depende de avanços institucionais para garantir a proteção dos recursos.

Ricardo Mourão destacou a governança em arranjos de cartão no contexto da Resolução 104, ressaltando que a gestão de riscos visa proteger o usuário, que deve receber o pagamento prometido sem assumir riscos indevidos.

Ele enfatizou que a “centralidade da interface nessa gestão de riscos está colocada para os alunos, que são eles que definem as regras e gerenciam os riscos”, ressaltando mecanismos que assegurem eficiência e segurança.

Mourão mencionou a importância dos fundos neutralizados para manter estabilidade e racionalidade, evitando que uma pessoa assuma riscos excessivos. Ele também destacou a necessidade de transparência, garantindo provas efetivas das operações e a proposta de limitação da exposição dos participantes conforme o prazo, visando equilíbrio na assunção de riscos. Tais medidas buscam consolidar a Resolução 104 como um marco na governança dos arranjos de cartão.

O debate foi mediado por Henrique Leite, sócio do Sturzenegger e Cavalcante Advogados, que conduziu as discussões trazendo à tona os pontos essenciais da governança, gestão de riscos e competitividade no setor de pagamentos.

Na abertura, Gabriel Cohen, conselheiro da ABIPAG, anunciou a criação do Instituto ABIPAG, previsto para 2025, com foco em “disseminar, propagar a pesquisa e o debate científico”, com ênfase em inclusão, cidadania financeira e inovação regulatória.

O instituto terá quatro frentes de atuação: produção de conteúdo inédito, capacitação, estímulo ao debate técnico e diálogo com a sociedade. A iniciativa foi apresentada como uma resposta ao crescimento do setor de pagamentos, que movimentou mais de R$ 70 trilhões em 2024 e já conta com mais de 160 instituições autorizadas pelo Banco Central.

Na sequência, a diretora da ABIPAG, Ana Beatriz Pascoa, reforçou o papel da associação na defesa de um mercado financeiro “eficiente, competitivo e acessível”.