Congresso avança com Lei de Adaptação Climática, mas deixa antirracismo de fora

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Planos de adaptação às mudanças climáticas são feitos para ajudar a reduzir os impactos de desastres junto à população e podem salvar vidas e diminuir perdas materiais nas tragédias. Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, é uma das 15 capitais do país sem diretrizes para mitigar os riscos de eventos extremos. Belém do Pará, cidade que vai sediar a COP 30 em 2025, também não conta com um plano de adaptação.

Mas na última terça-feira (4), véspera do Dia do Meio Ambiente, o Congresso Nacional aprovou uma vitória para a sociedade em tempos de emergência climática. O PL 4129/2021 institui diretrizes para os Planos de Adaptação Climática.

A vitória, no entanto, veio com um gosto amargo: no último momento, a Casa retirou os critérios de raça, etnia, gênero e deficiência do PL. Agora, os entes federados não são obrigados a cumprirem seus planos de adaptação norteados por diretrizes antirracistas. 

Ainda assim, as diretrizes aprovadas vão apoiar os municípios na elaboração, implementação e revisão dos planos, e espera-se que finalmente os estados e o Distrito Federal avancem nas execuções.

Dentre as barreiras apontadas pelos gestores municipais para elaborar os planos de adaptação estão a necessidade de envolver diversas áreas dentro das prefeituras e setores da sociedade (universidades, sociedade civil, iniciativa privada); o baixo nível de conhecimento técnico relativo às mudanças climáticas no nível municipal; conflitos de interesses com setores econômicos poderosos; a falta de dados precisos; a descontinuidade nas políticas devido a mudanças na administração; e a insuficiência de recursos financeiros.

Com a aprovação desse Projeto de Lei, boa parte dessas barreiras poderão ser superadas. O projeto aprovado definiu como diretriz a participação da sociedade civil desde a elaboração dos planos estaduais e locais de adaptação climática, passando por suas coordenações e revisões, que deve se dar de quatro em quatro anos. Também está previsto que a elaboração dos planos poderá ser financiada com recursos do Fundo Nacional sobre Mudança do Clima (FNMC).

Apesar do gol do Congresso, um fator não teve como passar despercebido.

No Senado, casa revisora do Projeto de Lei, após processo de negociação com redes e organizações de ações antirracistas, o então relator do PL na Comissão de Meio Ambiente do Senado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), incluiu expressamente dispositivos que incluíam como diretriz fundante dessa lei a observação dos critérios de raça, etnia e gênero.

Na votação do PL na Comissão de Constituição e Justiça, o que se viu foi uma performance hostil do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) manifestando-se absolutamente contrário à inclusão dessas diretrizes antirracistas, liderando um levante que culminou na aprovação do PL no plenário do Senado com seu voto contrário, o único; e levantou a suspeição de que as diretrizes antirracistas e de participação social na elaboração, coordenação e revisão dos planos de adaptação climática (outra modificação protestada por Flávio Bolsonaro) são agendas da esquerda. Graças à emenda apresentada pelo filho do ex-presidente e aprovada pelos demais senadores, o projeto voltou para apreciação da Câmara.

Na Câmara, o projeto foi distribuído para as comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, para análise de mérito, de Finanças e Tributação, de Constituição e Justiça e de Cidadania; e contou, em todas elas, com o parecer do deputado Duarte Junior (PSB-MA).

Inicialmente, no relatório apresentado no final de maio, o relator era pela aprovação integral do texto oriundo do Senado. Contudo, em plenário, após pressão dos setores de extrema direita, o parecer final foi pela rejeição dos incisos VI e X do artigo 2º e consequente restabelecimento do inciso V do texto aprovado anteriormente pela Câmara.

O artigo 2º do Projeto de Lei define diretrizes dos planos de adaptação à mudança do clima. Os incisos referidos acima, aprovados no Senado e retirados pela Câmara, diziam o seguinte:

VI – o estabelecimento de prioridades com base no nível de vulnerabilidade e de exposição de populações, setores e regiões a riscos climáticos, por meio da identificação, da quantificação e do reporte contínuo das vulnerabilidades e das ameaças climáticas às quais o País, os Estados e os Municípios estão suscetíveis, considerando uma abordagem sensível a etnia, raça, gênero, idade e deficiência;

X – a consideração de etnia, raça, gênero, idade e deficiência no diagnóstico, na análise, na proposição, no monitoramento e em outras iniciativas integrantes dos planos de que trata esta Lei;

A priori, essa “pequena” modificação não impediria que os entes federados buscassem observar critérios de raça, etnia e gênero na garantia da participação social desses grupos ou no estabelecimento de prioridades com base no nível de vulnerabilidade a que populações racializadas e mulheres estão expostas.

Mas, na prática, a supressão desses incisos retirou a obrigatoriedade dos entes federados de cumprirem seus planos de adaptação norteados pelo que estamos chamando de diretrizes antirracistas. O que ficou, no inciso V, foi: “o estabelecimento de prioridades com base em setores e regiões mais vulneráveis, a partir da identificação de vulnerabilidades, por meio da elaboração de estudos de análise de riscos e vulnerabilidades climáticas“.

O Congresso perdeu uma grande oportunidade. O combate a todas as formas de racismo perpassa por admitir que raça, etnia e gênero são elementos que aprofundam a vulnerabilidade climática de partes da população, fato comprovado há décadas por dados oficiais e pesquisas científicas. 

Uma gestão pública antirracista necessita ser estabelecida nas leis, garantindo uma mudança de postura intersetorial. Afinal, a Administração Pública no Brasil se guia pelo princípio da legalidade, aquele do artigo 37, caput, da Constituição Federal, que diz que os administrados, incluindo os entes federados, poderão ser obrigados a fazer ou deixar de fazer somente caso lei adequada assim o determine.

A extrema direita segue fortalecendo a ideia de que o combate à crise climática e o enfrentamento ao racismo é uma agenda de esquerda. Nesse caso, apesar de não surpreender, foi triste ver mais uma vez os deputados e as deputadas silentes em relação a essas modificações. Concordando com isso. Mesmo os de esquerda.

As instituições precisam assumir compromissos em relação a essa realidade. Os deputados e senadores devem bancar esses pactos entre os pares e com a sociedade. Sendo de esquerda, de centro ou de direita, é urgente a promoção de ações e políticas antirracistas para enfrentar a crise climática.