O concurso nacional unificado, anunciado em setembro pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, tem como proposta reunir os concursos públicos federais em uma única avaliação. O modelo é comparado ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), utilizado como mecanismo de acesso à educação superior nos últimos anos.
O novo modelo propõe que os candidatos concorram a diferentes vagas em órgãos federais mediante o pagamento de uma única taxa de inscrição, desde que essas vagas estejam relacionadas à mesma área temática de atuação.
A iniciativa apresenta uma mudança relevante no processo de seleção de servidores públicos federais, gerando debates sobre inovação, segurança jurídica e democratização do acesso ao serviço público brasileiro. Dentro desse contexto, este artigo analisará as mudanças propostas e refletirá sobre suas expectativas e desafios.
Quais as expectativas em torno do concurso nacional unificado?
Segundo o Ministério da Gestão e Inovação, o concurso nacional unificado foi idealizado como uma ferramenta para lidar com os desafios enfrentados por alguns órgãos na organização de seus concursos. O objetivo principal seria democratizar o acesso às vagas públicas e reduzir os custos associados à realização de múltiplos processos seletivos.
Esse objetivo seria concretizado por meio de três mudanças principais.
A primeira mudança envolve superar o modelo descentralizado de ingresso no serviço público federal. Atualmente, cada órgão conduz seu próprio concurso para contratar novos servidores. Mas aqueles com recursos limitados enfrentam desafios para elaborar editais tecnicamente e juridicamente adequados, contratar boas bancas avaliadoras e assegurar a realização de exames em diversas localidades do Brasil.
A segunda mudança consiste na ampliação do número de vagas destinadas a diferentes carreiras públicas. O primeiro edital abrange a abertura de 6.640 posições distribuídas em oito áreas de atuação governamental, como administração e finanças públicas; setores econômicos, infraestrutura e regulação; educação, ciência, tecnologia e inovação, além de trabalho e previdência.
Ao participar de apenas um concurso, o candidato poderá, com base em uma das oito áreas de atuação governamental, estabelecer uma ordem de preferência para os cargos. Isso lhe dará a oportunidade de, caso não seja aprovado para uma vaga, ainda ser elegível para outra. A expectativa é que a medida proporcione espaço para profissionais com competências e formações variadas.
A terceira alteração seria aproximar as provas dos candidatos em todo o Brasil. O ministério anunciou que a seleção será realizada em 217 municípios, com uma distribuição regional abrangente (50 vagas no Nordeste, 49 no Sudeste, 39 no Norte, 23 no Sul e 18 no Centro-Oeste).
Atualmente, muitos concursos para carreiras federais são realizados exclusivamente em Brasília. Dada a extensão do país, os custos e o tempo necessários para o deslocamento, a participação se torna praticamente inviável para parte dos candidatos. Nesse contexto, o concurso nacional unificado teria o potencial de reduzir as barreiras geográficas, facilitando a participação de candidatos de diversas regiões do país, e também promover uma maior inclusão no acesso ao serviço público federal.
Quais são os principais desafios?
O desafio central do concurso unificado parece estar relacionado à maneira como o Ministério da Gestão e Inovação irá aprimorar “os métodos de seleção de servidores públicos, de modo a priorizar as qualificações necessárias para o desempenho das atividades inerentes ao setor público”, conforme anunciado.
Depois de realizada a prova única, os órgãos federais ainda poderão prever outras etapas de avaliação, de acordo com as necessidades da posição a ser ocupada. Poderão ser agregadas, a critério dos órgãos ou por determinação legal de carreiras específicas, pontuações relativas, por exemplo, à titulação acadêmica e à experiência profissional do candidato, além da apresentação de memoriais e provas práticas.
A medida é bem-vinda, pois hoje, com a predominância de provas objetivas de múltipla escolha, os concursos atuais avaliam sobretudo o conhecimento teórico dos candidatos, favorecendo aqueles que conseguem memorizar e dispõem de tempo e recursos financeiros para uma preparação mais robusta. Mesmo em casos em que a função demanda a avaliação das competências e habilidades do candidato, raramente as provas incorporam aspectos inter-relacionais e avaliam a capacidade do candidato em resolver problemas concretos.
A inadequação do método atual de avaliação e a urgência em superá-lo têm sido reconhecidas e debatidas. Um exemplo concreto disso é o PL 2258/2022, que propõe a edição de uma Lei Nacional de Modernização dos Concursos Públicos e contém regras para a implementação de avaliações que contemplem os “conhecimentos” (domínio de matérias ou conteúdos relacionados às atribuições), as “habilidades” (aptidão intelectual ou física para execução de atividades compatíveis com as atribuições) e as “competências” (aspectos comportamentais vinculados às atribuições) dos candidatos.
Nessa perspectiva, países que já implementaram concursos públicos unificados, a exemplo de Portugal e França, optaram por métodos de avaliação que vão além das tradicionais questões objetivas de múltipla escolha. Essas abordagens incluem a avaliação do currículo, considerando a experiência do candidato, e entrevistas como parte do processo seletivo.
No contexto brasileiro, contudo, percebe-se um desafio não apenas na elaboração de métodos de avaliação eficazes que atendam aos objetivos das seleções, mas também na necessidade de realizar um esforço comunicativo capaz de superar preconceitos associados à adoção de novos métodos de avaliação. Apesar de não serem tão objetivos quanto as questões de múltipla escolha, esses métodos são sérios e essenciais para a melhoria dos concursos no Brasil.
Movimento em prol da modernização do concurso público no Brasil?
O concurso nacional unificado surge de um movimento recente e seus desdobramentos ainda são incertos. No entanto, a percepção que o motiva é positiva, pois reflete o reconhecimento da necessidade de implementar melhorias para tornar a seleção de servidores públicos mais adequada.
De maneira mais abrangente, uma premissa desse movimento é o reconhecimento de que os concursos públicos desempenham um papel crucial na contratação de servidores públicos, o que impacta todas as atividades públicas. Longe de ser vista como uma simples formalidade burocrática na gestão pública, essa etapa revela-se como um dos momentos mais estratégicos para o sucesso de qualquer projeto estatal voltado para o desenvolvimento.
Portanto, iniciativas como o concurso nacional unificado, a depender de como forem recebidas e implementadas na prática, têm o potencial de contribuir para o aprimoramento da qualidade do serviço público no Brasil. Essa perspectiva se alinha a outras iniciativas em curso, como o mencionado PL 2258/2022, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e aguarda apreciação da Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Resta aguardar o desdobramento dessas iniciativas. Segundo o último comunicado do Ministério da Gestão e Inovação, a publicação do edital do primeiro concurso nacional unificado está programada para 10 de janeiro de 2024, com a realização da prova em maio.