Concorrência entre aeroportos e o Rio de Janeiro

  • Categoria do post:JOTA

Recentemente o noticiário nacional tem apresentado questões acerca da subutilização do Aeroporto Internacional Tom Jobim/Galeão e a super utilização do Aeroporto Santos Dumont, tendo havido ameaça da “devolução” da concessão, manifestações do governo municipal e federal, além de críticas das associações de empresas aéreas. Uma perspectiva para analisar essa questão é a da concorrência entre aeroportos, um tema que gera debates mundo afora dada a necessidade de estabelecer um modelo regulatório pro-concorrencial que estimule a concorrência entre aeroportos, e ao mesmo tempo compreenda a racionalidade dos agentes do mercado e reflita o interesse dos consumidores.

Tenha acesso ao JOTA PRO Poder, uma plataforma de monitoramento político com informações de bastidores que oferece mais transparência e previsibilidade para empresas. Conheça!

Neste artigo serão abordados alguns aspectos afetos à concorrência entre aeroportos e, em breve, pretendo escrever um outro artigo tratando aspectos afetos especificamente aos aeroportos Santos Dumont e Tom Jobim/Galeão.

Existe concorrência entre aeroportos?

A primeira questão é analisar se é possível existir uma efetiva concorrência entre aeroportos. Por se tratar de uma infraestrutura cara, tanto de construção, como de operação, os aeroportos são normalmente construídos com base em políticas públicas mais amplas voltadas ao desenvolvimento do transporte aéreo, não sendo usual uma análise concorrencial da política pública que terá um foco econômico e social.

Dessa forma, por exemplo, a ampliação e reinauguração em 2019 de um aeroporto como o de Vitória da Conquista, na Bahia.  Aprecio muito essa cidade e considero o seu aeroporto um exemplo de política de desenvolvimento regional no transporte aéreo, sendo necessário observar que na gestão desta ampliação houve um foco maior na otimização do transporte aéreo de passageiros e de carga na região do que em aspectos concorrenciais.

Por sua vez, cidades maiores como o Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte tiveram a construção de um segundo aeroporto, respectivamente, Tom Jobim/Galeão, Guarulhos e Confins. Tais construções ocorreram por questões técnicas, voltadas a demanda de pistas maiores para aviões de maior porte, de limitações de espaço dos aeroportos existentes e da necessidade de ampliação da infraestrutura aeroportuária. Não se vislumbra na construção desses aeroportos um interesse de estabelecer um concorrente. A questão concorrencial ganharia relevância posteriormente, principalmente na medida em que processos de desestatização avançaram e os aeroportos deixaram de estar sob um mesmo controlador, qual seja, a empresa estatal Infraero (Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária).

Desta forma, voltando a questão inicial, vislumbra-se que uma primeira hipótese de concorrência entre aeroportos ocorre nas situações em que uma mesma cidade possui mais de um aeroporto, no caso de Vitória da Conquista isso não é uma questão, mas em cidades como Londres, cuja região urbana possui seis aeroportos internacionais (Heathrow, Gatwick, Luton, Stansted, City e Southend), a questão concorrencial ganha relevância.

Na perspectiva da regulação, existem questões técnicas e de segurança operacional que precisam ser consideradas e que podem ter um impacto concorrencial. Por exemplo, o fato do aeroporto londrino de Heathrow ter duas pistas cria um limite de pousos e decolagens por conta de critérios técnicos de segurança. Em alguns casos, este limite técnico criará uma escassez, ou seja, empresas aéreas que gostariam de operar no aeroporto não irão poder uma vez que estejam ocupados todos os slots (espaços) de pousos e decolagens. Torna-se necessária uma gestão pro-concorrencial desses slots a fim de obter o melhor resultado para a coletividade, sem ignorar que as empresas aéreas operam em formato de redes, constituídas a partir de seus hubs operacionais e, para tanto, precisam de slots para estruturar tais redes.

Além dos slots pode haver outras limitações que impactam na oferta e na demanda tais como horários para pousos e decolagens, tamanho da pista, infraestrutura tecnológica para pousos de aviões de maior porte, clima adverso, etc.  Também devem ser observadas as questões afetas à racionalidade das companhias aéreas, tais como centro de operação (hubs), custos e a eficiência dos terminais aeroportuários.

Sem prejuízo das questões técnicas, devem ser consideradas também as preferências dos consumidores. Aeroportos próximos a maiores centros urbanos, com menor tempo de deslocamento, com uma melhor infraestrutura de acesso levarão vantagem, assim como aqueles onde há um maior número de conexões e uma oferta de serviços que qualificam a experiência do consumidor.

Inobstante as perspectivas acima, focadas no transporte aéreo de passageiros, é necessário também ressaltar que uma importante atividade dos aeroportos diz respeito ao transporte de cargas, um segmento do transporte aéreo que possui uma lógica própria de funcionamento. Aeroportos podem ser mais competitivos na medida em que sua estrutura permita um manuseio eficiente de cargas, assim como a proximidade e a conexão com centros produtores e receptores de carga.

Uma segunda hipótese, ainda na dimensão geográfica, diz respeito a concorrência entre aeroportos em cidades distintas, mas em uma mesma região.  Numa perspectiva inglesa o exemplo é voltado a Birmingham, cidade próxima a Londres.  Nos EUA, a região de Washington D.C., possui dois aeroportos (DCA e IAD), existindo também aeroportos próximos como Baltimore (BWI).  No Brasil, cabe menção ao aeroporto de Viracopos que apesar de ser localizado na cidade de Campinas, também é uma opção para paulistanos.

Para aferir a concorrência na esfera regional é necessária uma atenta análise de substitutibilidade, ou seja, se para o consumidor existe uma diferença entre embarcar em um voo em Campinas ao invés de Guarulhos, e, em certas hipóteses aferir se é necessária uma “bonificação” para atrair esse consumidor, tais como melhores preços, transporte rodoviário, maior rede de conexões etc.

Esta questão também é sensível nas hipóteses envolvendo cargas, um produtor de melões na região do rio São Francisco ou no Rio Grande do Norte, tem, em tese, opções de escoamento do seu produto para exportação para a Europa nos aeroportos da sua região, por sua vez tais aeroportos iriam concorrer para atrair tal cliente. No entanto, se o edital de concessão aeroportuário ignora a questão concorrencial fazendo uma oferta em blocos regionais[1], para o produtor agrícola não haverá vantagem da concorrência entre aeroportos uma vez que um único agente irá operar em toda região.

Por fim, cabe indicar uma terceira hipótese de concorrência entre aeroportos na esfera nacional. Pelas mais diversas razões, as políticas públicas ao longo dos anos foram direcionadas a regiões que possuíam uma maior importância econômica e estrutura logística. No Brasil verifica-se que o aeroporto de Brasília atua como um importante hub nacional considerando aspectos da sua economia e a sua posição central na geografia brasileira.  Cidades nordestinas disputam para se tornarem hubs internacionais dada a sua proximidade da Europa e do sul da Florida. E neste cenário observa-se a importância dos aeroportos da cidade de São Paulo, Guarulhos e Congonhas, como estruturas localizadas no centro econômico do Brasil e que se tornaram importantes hubs para voos domésticos e internacionais.

Desta forma, observa-se uma concorrência num amplo espaço geográfico, praticamente continental, em um país como o Brasil.  Tal fenômeno ocorre também em outros países, em maior ou menor escala, conforme o direcionamento das políticas públicas e da estrutura regulatória.

Monopólios naturais

Ao analisar a concorrência no setor de infraestrutura é sempre necessário ter em mente que muitas vezes se tratam de monopólios legais ou monopólios naturais.  Monopólios naturais, numa abordagem clássica, estão associados a presença de economias de escala, dentre outros fatores, que podem impedir a reprodução daquela infraestrutura.

No exemplo que já tratamos do aeroporto Glauber Rocha, em Vitória da Conquista, não fará sentido um segundo aeroporto na cidade por conta (também) da escala. Se a cidade recebe 20 voos por dia, na hipótese de construção de um segundo aeroporto e a divisão igual dos voos, teremos dois aeroportos recebendo 10 voos por dia. Haverá uma subutilização da infraestrutura nos dois aeroportos, duplicação de custos afetos a segurança aérea e diversos motivos pelos quais numa análise racional este segundo aeroporto não deve ser construído. Na medida em que tal aeroporto é um monopólio natural, deve haver instrumentos regulatórios que não permitam que a Socicam (administradora do aeroporto) abuse do poder de mercado afeto ao seu monopólio.

Partindo dessa rápida análise de um aeroporto regional no sul da Bahia, podem ser realizadas outras mais complexas em que sejam analisadas as especificidades e características dos diversos mercados brasileiros, tanto na dimensão de produto/serviço, como também geográfica. Tais análises poderão utilizar vários prismas, mas não devem ignorar aspectos concorrenciais e a lógica afeta ao mercado de transporte aéreo.

Conclusão

A análise da concorrência entre aeroportos era um tema de menor relevância no período em que parte significativa da infraestrutura aeroportuária era controlada pela Infraero, e, no qual, as políticas públicas afetas ao setor consideravam os mais diversos interesses políticos e sociais.  Neste cenário, as questões concorrenciais tinham uma menor relevância.

No atual momento, em que ocorre um movimento de desestatização no setor e existem novas estruturas de mercado sendo desenhadas, se torna necessária uma priorização dos aspectos concorrenciais nas mais diversas análises afetas ao setor, desde os editais de concessão, até mesmo a operação e o uso de instrumentos regulatórios.

Após aferir o impacto na concorrência, partindo da premissa que o ideal é estimular a concorrência, é preciso mapear as hipóteses nas quais esta pode ocorrer e buscar meios para a sua concretização.  As demais políticas públicas também devem levar em conta o aspecto concorrencial e evitar a adoção de soluções fáceis voltadas a acomodação de interesses unilaterais de certos agentes.  Neste cenário, situações como a que ocorre hoje envolvendo os aeroportos Santos Dumont e Tom Jobim/Galeão no Rio de Janeiro devem ser objeto de uma análise técnica e ponderada que busque soluções de longo prazo em que a concorrência e os interesses da coletividade sejam priorizados.

_____________________________________________________

[1] Em 2018 o desenho de concessão de aeroportos no nordeste foi estruturado em um bloco regional.  A adoção de um modelo de bloco impacta negativamente na concorrência regional entre aeroportos. https://www.anac.gov.br/assuntos/paginas-tematicas/concessoes/aeroportos-concedidos/bloco-nordeste