O Serviço Florestal Brasileiro (SFB), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), lançará, no segundo semestre deste ano, a primeira concessão de restauração do país, baseada na exploração de crédito de carbono, na Floresta Nacional do Bom Futuro, em Rondônia.
Até hoje, o SFB dedicou-se prioritariamente ao desenvolvimento, gestão e monitoramento das concessões florestais com foco em manejo florestal sustentável. Nesses projetos, são licitadas grandes áreas, majoritariamente na Amazônia, permitindo aos concessionários a colheita sustentável e cirúrgica de madeira, sob a exigência de comprometimento com a conservação da área como um todo.
Para se ter uma ideia de valores, nesses territórios permite-se a extração de madeira com intensidade máxima de 25,8 m3 por hectare a cada 30 anos. Isso representa entre 3 e 6 unidades arbóreas adultas em uma área do tamanho de um campo de futebol, taxa considerada menor do que a capacidade de regeneração da floresta.
O SFB gerencia esses contratos e monitora os projetos por meio de tecnologias de imagens de satélite, perfilamento a laser, drones e fiscalização em campo. A produção deve ser registrada em um sistema desenvolvido especialmente para o controle da produção, denominado sistema de cadeia de custódia.
É importante ressaltar que as receitas públicas derivadas das outorgas dos projetos são compartilhadas com os órgãos ambientais federais, os estados e os municípios.
Até o momento, foram assinados 22 contratos de concessão de manejo florestal sustentável, que totalizam 1,3 milhão de hectares nos estados do Amapá, Amazonas, Pará e Rondônia. Essas concessões têm se mostrado um instrumento importante de conservação da floresta em pé e de desenvolvimento socioeconômico local.
Até meados de 2023, era vedada a inclusão da exploração de carbono nas concessões florestais. Tal situação foi alterada pela promulgação da Lei 14.590 de 24 de maio de 2023, que passou a prever no parágrafo 2° do artigo 16 que “ressalvadas as áreas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais, o contrato de concessão poderá prever a transferência de titularidade dos créditos de carbono do poder concedente ao concessionário, durante o período da concessão, bem como o direito de comercializar certificados representativos de créditos de carbono e serviços ambientais associados”.
A alteração permitiu ao SFB iniciar a estruturação de concessões de restauração, nas quais grandes áreas públicas degradadas seriam delegadas para que o setor privado as restaurasse.
As fontes de receita variam de acordo com o projeto, mas de modo geral, a principal delas é o carbono com foco no mercado voluntário.
E como um projeto de restauração sequestra carbono? À medida que a vegetação cresce, por meio da fotossíntese, o dióxido de carbono presente na atmosfera é transformado em uma molécula orgânica de carbono e em oxigênio. Por isso, considera-se que o carbono é sequestrado ou fixado, contribuindo assim para a mitigação das mudanças climáticas.
Em média, com uma frequência quinquenal, o crescimento da vegetação é mensurado para que se possa gerar créditos de carbono por meio de uma certificadora. Como estamos falando de um mercado voluntário, as empresas e organizações que se comprometeram com a redução de sua pegada de carbono, depois de reduzirem suas próprias emissões, podem comprar estes títulos no mercado para compensarem suas emissões restantes.
Nesse contexto, cabe ressaltar que, como contribuição para o Acordo de Paris, o Brasil se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de florestas degradadas até 2030. Parte desse esforço deve ser realizado dentro das Unidades de Conservação (UCs) federais. De acordo com o ICMBio, existem cerca de 1,3 milhão de hectares degradados dentro das UCs.
Restaurar essas áreas é fundamental para que as unidades recuperem seus objetivos de criação, dentre os quais, contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos; proteger as espécies ameaçadas de extinção; contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas naturais, e valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica, conforme disciplina o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei 9.985, de 18 de julho de 2000).
No entanto, a restauração desses ecossistemas esbarra em uma série de dificuldades, sendo a primeira delas o alto custo da atividade. Estudos do The Nature Conservancy (TNC) mostram que, em média, o custo da restauração na Amazônia varia entre R$ 2.284 e R$ 24.330 por hectare (valores atualizados pelos autores), a depender da técnica utilizada e das condições do projeto.
Dessa forma, as concessões de restauração podem ser um instrumento fundamental para dar escala aos projetos de restauração e garantir o retorno dos investimentos realizados.
O primeiro projeto de concessão será desenvolvido na Floresta Nacional do Bom Futuro. Estudos contratados pelo SFB mostram que existem cerca de 14,3 mil hectares degradados na Unidade de Conservação. A restauração dessa área deve sequestrar cerca de 6,5 milhões de toneladas de carbono equivalente em 40 anos e teria um custo, entre implementação e manutenção da área, da ordem de R$ 600 milhões.
O projeto está sendo estruturado pelo SFB com o apoio do BNDES e prevê que o vencedor da licitação tenha obrigação de restaurar as áreas degradadas conforme parâmetros técnicos definidos pelo SFB e ICMBio no edital. Além da restauração, o concessionário assumirá obrigações socioambientais, que serão definidas em conjunto com as comunidades que habitam ao redor da Unidade de Conservação.
O SFB está comprometido em maximizar os benefícios sociais do projeto e, para isso, está construindo uma série de incentivos dentro do contrato para beneficiar principalmente as comunidades indígenas do Estado de Rondônia, através, por exemplo, da bonificação pela contratação de mão de obra indígena e da compra de sementes das comunidades indígenas.
Atualmente, o projeto está sendo discutido com o governo de Rondônia, prefeitura de Porto Velho, ONGs ambientais e indigenistas e comunidades da região. O próximo passo é após abrir uma consulta pública, da qual toda sociedade poderá participar. Durante a consulta, será realizada uma audiência pública presencial em Porto Velho. Todas as questões apresentadas serão respondidas formalmente e por escrito pelo SFB. Após essa etapa, o projeto deverá ser analisado pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para então o edital ser publicado. Os proponentes terão 90 dias para apresentar propostas.
Esperamos que esse seja somente o primeiro projeto de uma linha de produção mais robusta. Para isso, o SFB está trabalhando com o BNDES a fim de que outras unidades de conservação passem pelo mesmo processo, gerando localmente, em regiões de baixos índices de desenvolvimento socioeconômico, renda, emprego e legalidade e, em escala global, contribuindo para solucionar os graves efeitos das mudanças climáticas, por meio da restauração de áreas públicas degradadas na Amazônia.