Comsefaz lança livro que propõe a justiça fiscal como pilar do desenvolvimento

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Uma mudança de perspectiva sobre a realidade fiscal brasileira é apresentada no livro “Solidariedade Fiscal: desmistificando o nível de tributação e seu impacto no crescimento econômico”, lançado nesta quarta-feira (28/05), em Brasília. A publicação é resultado de uma parceria do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz) com a editora Contracorrente.

Sobre o título da obra, André Horta, diretor do órgão, explica que o termo “solidariedade fiscal” surge como contraponto à expressão tradicionalmente usada no debate público: carga tributária. Enquanto carga remete a um fardo imposto ao contribuinte, “solidariedade” sugere responsabilidade coletiva e consciência cidadã quanto ao financiamento das políticas públicas. A palavra também reforça a ideia de que aqueles com maior capacidade contributiva devem colaborar mais, promovendo uma estrutura fiscal mais justa e economicamente saudável.

A proposta do livro, portanto, vai além da contabilidade: é ética. Trata-se de transformar o modo como os brasileiros enxergam sua relação com os impostos — não como um sacrifício, mas como uma contribuição necessária para o bem comum. Para tanto, o livro compara dados de arrecadação e gasto público em 126 países, com ênfase especial na inclusão da economia informal no cálculo do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Os autores adotam uma metodologia comparativa internacional com o objetivo de situar o Brasil de maneira mais precisa e realista em relação a outras nações.

Os três indicadores que estruturam a análise comparativa

  1. Arrecadação tributária em relação ao PIB oficial
    Mede o total de tributos arrecadados como porcentagem do Produto Interno Bruto. Embora amplamente aceito, o livro demonstra que, mesmo por esse critério, o Brasil não é o país com a maior carga tributária do mundo, ao contrário do que se propaga. Apesar de oferecer uma visão geral, o indicador ignora distorções causadas por desigualdade de renda, estrutura produtiva e informalidade econômica.
  2. Arrecadação tributária em relação ao PIB real (com o setor informal)
    O segundo indicador ajusta a análise à realidade da economia informal, significativa no Brasil. Ao incluir estimativas das atividades econômicas não registradas, corrige distorções presentes nas comparações com países de baixa informalidade. Assim, revela-se que comparações com nações como Japão, Inglaterra ou Nova Zelândia — de economias altamente formalizadas — são inadequadas por ignorarem diferenças estruturais fundamentais.
  3. Arrecadação tributária em dólares internacionais (paridade de poder de compra)
    Já o terceiro indicador, converte os valores arrecadados para dólares internacionais, considerando a paridade do poder de compra. Isso permite comparar, de forma mais justa, quanto cada Estado arrecada por pessoa, independentemente do câmbio ou de flutuações econômicas locais. O resultado mostra que o Brasil arrecada o equivalente a cerca de 30% da média dos países desenvolvidos, reflexo da arrecadação per capita e dos desafios de prover políticas públicas em um país populoso e desigual.

Comparações na América Latina

Além das três abordagens, o estudo também reavalia as comparações dentro da própria América Latina. Embora se repita que o Brasil tem a maior carga tributária da região, a obra mostra que, ao se excluírem as contribuições sociais — que financiam a seguridade social —, a arrecadação brasileira se aproxima da média latino-americana. Nesse sentido, a existência dessas contribuições torna-se relevante para a manutenção de políticas sociais essenciais.

O resultado da análise é revelador: o Brasil ocupa a 53ª posição em arrecadação per capita e a 27ª quando se considera a proporção da arrecadação em relação ao PIB oficial. Para os autores — Pedro Carvalho, Cláudia De Cesare e Alexandre Cialdini —, o cerne da discussão deve mudar: a pergunta não é quanto se arrecada, mas com qual finalidade e em nome de qual projeto de sociedade. 

Em vez de simplificar um tema complexo, a pesquisa propõe uma leitura qualificada sobre como os tributos moldam a vida social. Essa abordagem metodológica plural confere à obra força analítica e relevância para o debate público. Ao contextualizar os dados, os autores oferecem ferramentas mais justas e eficazes para pensar a justiça fiscal e o papel dos tributos no desenvolvimento econômico e social.

“O livro será uma peça fundamental, que será muito disseminada por todos os nossos secretários e equipes técnicas, para colaborar com informações e conhecer a realidade dos estados e do Brasil de forma mais profunda.”
Flávio César, presidente do Comsefaz

Durante o evento, o presidente do Comsefaz, Flávio César, destacou que o apoio à produção da obra surgiu da “necessidade de construir um material que trouxesse a perspectiva do cenário de arrecadação dos estados brasileiros em comparação com outros países”. Ele também ressaltou a qualidade técnica da publicação, fruto de “uma pesquisa com dados e elementos robustos”, conduzida por autores qualificados. 

Flávio ainda destacou o simbolismo da data: “Hoje foi um dia histórico para o Comsefaz: é a primeira vez que recebemos a visita de um Ministro da Fazenda”. No encontro, o ministro Fernando Haddad recebeu o primeiro exemplar da obra — um gesto que o presidente classificou como “emblemático”.

Ao propor uma nova lente para analisar o sistema de arrecadação e financiamento estatal, o estudo pretende apoiar tomadores de decisão, influenciar legislações futuras e fomentar uma cidadania fiscal mais consciente.

O livro poderá ser comprado em livrarias físicas e no site da editora Contracorrente.