Competência administrativa para interpretar a legislação do IBS e da CBS

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Com a aprovação do texto do Projeto de Emenda Constitucional sobre a Reforma Tributária pelo Senado Federal, a aprovação da Emenda Constitucional está cada vez mais próxima e, assim, surgem diversas questões sobre a implementação da nova proposta.

Todos sabemos que a ideia original relativa ao Imposto sobre Bens e Serviços, tratava de um único imposto sobre o valor agregado; porém, na tramitação pela Câmara dos Deputados a proposta original foi alterada para contemplar dois tributos semelhantes: o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS). O primeiro de competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios e o segundo de competência da União Federal.

Por meio de única lei complementar serão instituídos os dois tributos, que terão idênticos critérios formadores da regra-matriz de incidência, mas competências distintas. Diante desta distinção, surge a questão sobre como serão unificadas as interpretações veiculadas pelos dois órgãos fiscalizatórios. A resposta a esta questão decorre do estudo das atribuições conferidas ao denominado Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços.

Traçaremos a seguir as nossas ideias iniciais sobre o tema.

O Comitê Gestor

O Comitê Gestor é uma entidade pública sob regime especial, que contará com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira que ficará responsável pelas importantes tarefas de (i) editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; (ii) arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; e (iii) decidir o contencioso administrativo.

Para isso, constará com independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira.

O Presidente do Comitê Gestor terá de ser sabatinado pelo Senado e o Congresso Nacional poderá convocar o presidente do Comitê Gestor a prestar informações sobre assunto previamente determinado. A ausência sem justificação adequada importará crime de responsabilidade.

No Comitê haverá representantes da Administração Tributária e das Procuradorias dos estados, do Distrito Federal e municípios.

Comitê Gestor como emissor da interpretação da legislação do IBS

O Comitê Gestor tem como importante papel editar o regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do IBS. Essa importante atribuição deriva da necessidade de se obter uma única interpretação do IBS, a fim de conferir maior simplicidade ao Sistema.

O Comitê Gestor é uma entidade com representação de forma paritária dos Estados, Distrito Federal e Municípios na sua instância máxima de deliberação, sendo que o quórum de aprovação das deliberações foi estabelecido no § 4º, do art. 156-B, do texto da PEC 45/2019, publicado em 14/11/2023.[1]

O quórum exigido para a aprovação das deliberações é de maioria absoluta dos representantes dos Estados, do Distrito Federal, do conjunto dos Municípios. A obtenção deste quórum pode ser desafiadora para que o Comitê Gestor consiga publicar todas as interpretações que se fizerem necessárias.

Relação entre o Comitê Gestor e a Administração Tributária da União e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional

Ao ser enviado o Projeto da Emenda Constitucional 45 da Câmara dos Deputados para a análise e votação no Senado Federal uma – das muitas – críticas ao texto era a ausência de previsão de um mecanismo que pudesse pacificar o entendimento dos órgãos administrativos sobre a aplicação da legislação tributária.

Essa ausência foi sanada pelo texto da referida PEC 45 aprovado no Senado, neste sentido são as previsões dos parágrafos 6º e 7º do artigo 156-B. Diz o 6º: “O Comitê Gestor, a administração tributária da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a eles relativos.”

Por sua vez, o parágrafo sétimo dispõe: “o Comitê Gestor e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.”

Pois bem. Sanada a lacuna que havia no texto anterior aprovado pela Câmara, entendemos que foi dado um passo importantíssimo, todavia, ainda será necessário que a legislação traga os mecanismos para a gestão compartilhada da interpretação das leis tributárias.

Se a lei de regência dos tributos será única, não será possível uma interpretação divergente pelos órgãos fazendários; porém, o esforço por esse “IVA dual” se deu para que fosse mantida a competência dos entes tributantes, competência essa que é exercida na forma legislativa e executiva (fiscalização e cobrança dos tributos).

Parece-nos que o caminho será criar um órgão (e não nos cabe neste breve texto supor qual a natureza deste órgão “híbrido”) que tenha a competência para atuar com o objetivo de trazer de forma única tanto a interpretação da legislação, como a forma de apuração dos tributos e realização dos deveres instrumentais a eles correlatos.

Importante considerar que se o próprio texto do projeto de Emenda Constitucional traz como princípios do sistema tributário a simplicidade e a cooperação, resta claro que Comitê Gestor e Administração Tributária Federal deverão cooperar entre si para simplificar todas as obrigações que rodeiam a tributação sobre o valor agregado.

Contencioso Administrativo do IBS e da CBS

A nova redação da Proposta de Emenda Constitucional também trouxe a possibilidade de integração do contencioso administrativo do IBS e da CBS, conforme consta no parágrafo 8º. do artigo 156-B, o que nos parece uma decorrência lógica do próprio sistema.

Ora, não faz sentido, inclusive frente aos novos princípios trazidos para nortearem o sistema tributário nacional, que o sistema contemple dois órgãos julgadores distintos para julgar os processos administrativos fiscais relativos ao IBS e a CBS. Pois, se houver qualquer dúvida sobre a incidência tributária ou sobre o cumprimento de todos os deveres instrumentais e formais ou sobre as normas que integram a legislação e daí resultar no contencioso administrativo, há necessidade de unificação e uniformização das interpretações e dos julgamentos.

Portanto, com essa previsão constitucional, evidencia-se que apenas um órgão julgador poderá ser instituído por lei para ser competente para os julgamentos relativos a esses tributos.

Como será a composição deste órgão julgador, como será financiado e outras questões conexas caberá à legislação complementar responder; todavia, é certo, que há espaço para apenas um órgão julgador.

Conclusões

Somos da opinião de que as alterações feitas na Proposta de Emenda Constitucional são suficientes para que prevaleçam regras uniformes para ambos os tributos, pois, do contrário, a constitucionalidade de procedimentos ou interpretações diversas, certamente, será colocada à prova, por meio da interpretação judicial sobre o tema.

O desafio para a criação por lei de um único órgão julgador com a competência de julgar os dois tributos, que possuem competências diferentes, mas são idênticos, será enorme e exigirá que a comunidade jurídica reflita em conjunto para alcançar as melhores soluções, com o fim de trazer a tão almejada justiça fiscal com simplicidade, cooperação e eficiência.

Por fim, o quórum exigido para aprovações das deliberações no âmbito do Comitê se mostra desafiadora para que consiga publicar todas as interpretações da legislação que se fizerem necessárias.

[1] Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9505299&ts=1700000382445&disposition=inline&_gl=1*11szcd0*_ga*MTc0NjM2Nzg1Ny4xNjkxNDU5OTI3*_ga_CW3ZH25XMK*MTcwMDQzOTE2NC4xNi4xLjE3MDA0NDIwNDkuMC4wLjA.