O mercado de crédito de carbono pode apresentar riscos e oportunidades, mas há quem afirme que o crédito se tornou a nova moeda de investimentos ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança) porque compensa a redução das emissões de carbono e outros gases de efeito estufa (GEE). As empresas não conseguem fazer isso por conta própria, uma vez que demanda-se alteração brusca de seus processos internos e operações comerciais, para adoção de energias limpas, com a redução nas suas cadeias de abastecimento, como algumas das medidas para atingir a neutralidade em carbono.
Importante destacar que a Câmara dos Deputados aprovou a proposta que regulamenta o mercado de carbono no Brasil (PL 2148/15). O texto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que estabelece tetos para emissões e um mercado de venda de títulos. Durante a aprovação na Câmara houve uma junção dos projetos discutidos pelos deputados com a proposta já aprovada pelo Senado (PL 412/2022), portanto, o projeto retornará aos senadores para análise de todas as mudanças realizadas.
Com isso, estima-se que este mercado deve crescer 30 vezes até 2030 e 100 vezes até 2050. Segundo a consultoria McKinsey & Company, o mercado de crédito de carbono valerá US$ 50 milhões em 2030. Um obstáculo superável é a garantia da integridade dos créditos de carbono. Há inúmeros padrões independentes para mensurar esta qualidade, mas alguns são consensuais. Um projeto de compensação de carbono é de alta integridade, quando pode ser verificado por um terceiro independente e testado, seja projetos de energias, reflorestamentos ou até metodologias, como o biochar (biomassa criada por uma startup brasileira que é capaz de capturar carbono), como sendo único e rastreável. Por isso é importante verificar se os créditos de carbono no mercado não foram vendidos em duplicata, uma garantia que vem com o registro/certificação de carbono, um sistema importante para quem está comercializando e para quem está adquirindo.
Um crédito de carbono de alta integridade ainda deve ter como característica a adicionalidade, ou seja, ter redução de GEE adicionais: ter sua permanência assegurada de que o carbono permanecerá armazenado e ser verificável quanto ao seu impacto positivo para compensar as emissões. Esse é um dos motivos pelos quais os projetos de reflorestamento são tão populares, uma vez que são cientificamente mensuráveis, além de contribuir para reduzir o impacto climático, uma vez que o desmatamento é responsável por um quarto das emissões de GEE nos últimos 10 anos em todo o planeta. Atualmente, é possível saber quanto de carbono as árvores podem absorver e armazenar.
Já um crédito de carbono pode ser considerado de qualidade inferior, quando apresentar custos muito baixos, ser muito antigo, desatualizados, caso dos projetos certificados pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto (1997), podendo neste caso ensejar uma due diligence como garantia para a empresa que está adquirindo o crédito de carbono.
No sentido de explorar a mitigação climática das florestas e gerar créditos de carbono, o Brasil a criou o projeto Arco da Restauração, que reúne inicialmente recursos do Fundo Clima (R$ 550 milhões) e Fundo Amazônia (R$ 450 milhões), geridos pelo BNDES, destinados à restauração florestal nos biomas Amazônia e Mata Atlântica, além de áreas nos estados do Mato Grosso, Acre, Pará, Maranhão, Rondônia e Tocantins. Somado a novos investimentos internacionais, espera-se atingir até 2050, o total de R$ 200 bilhões de recursos. O projeto visa restaurar 6 milhões de hectares e tem um potencial de sequestrar 1,65 bilhão de toneladas de carbono da atmosfera até 2030. Serão, portanto, bilhões em créditos de carbono para comercializar no mercado.
Na linha do tempo da sustentabilidade, a proposta de um mercado de crédito de carbono é uma opção que vem maturando ao longo de várias cúpulas da ONU sobre o clima. Surgiu durante a Convenção-Quadro da ONU sobre as Mudanças Climáticas na ECO-92, ocorrida no Rio de Janeiro na década de 1990, e tomou forma com o Protocolo de Kyoto, no Japão, a partir do compromisso assumido pelos países-parte para reduzir suas emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa). Nessa cúpula do clima foi criado o precursor do mercado de carbono: o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que criou a certificação das emissões. O ciclo fechou com o Acordo de Paris (2015) e a definição de que uma tonelada de CO2 equivaleria a um crédito de carbono e poderia ser comercializada.
Temos dois mercados de crédito de carbono atuando simultaneamente: o regulado e o voluntário. Neste último, os títulos são negociados diretamente entre comprador e vendedor via bolsa de valores. Este modelo está em ampla expansão e o Brasil ocupa no ranking mundial a 7ª posição com 4,6mtCO2e. O apoio ao mercado de carbono é consistente e isso fica explicitado na Carta Aberta dos Líderes Mundiais, divulgada pelo Fórum Econômico Mundial durante a COP 28 (Cúpula do Clima realizada em Dubai, no final de 2023), na qual ressaltam endosso a essa sistemática, cujos créditos devem ser de alta qualidade e apresentem precificação que reflita as alterações climáticas.
A proposta para formalizar um mercado regulado de crédito de carbono no Brasil vem tramitando no Congresso Nacional desde 2021, mas somente no final do ano passado houve mobilização das duas Casas legislativas para sua aprovação. A versão acatada na Câmara cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), estabelecendo teto de emissões e comercialização de ativos.
Pelo projeto, as empresas com patamares elevados de emissões ficam submetidas ao mercado regulado, estabelecendo regras específicas para as companhias que emitem acima de 10 mil tCO2e/ano até 25mil tCO2/ano de todos os setores da economia, com exceção do setor do agronegócio. Acima disso, devem apresentar também aos órgãos gestores relatórios de emissão e remoção de GEE e relato de cumprimento de metas para reduzir os impactos climáticos. No caso de descumprimento, as multas podem atingir 5% do faturamento bruto da corporação.
De acordo com dados do Carbon Disclosure Project, as empresas são responsáveis por 70% das emissões de GEE mundiais, reunindo, portanto, uma participação significativa na transição energética e na proposta de um mundo mais sustentável. Não basta divisar o impacto da crise do clima nos modelos de negócios, é preciso contribuir para reduzir o impacto das mudanças climáticas no planeta, reduzindo as emissões para atingir o net zero.
A América Latina já é responsável por 20% dos créditos de carbono colocados no mercado mundial (2020/2021), utilizando recursos do Banco Mundial, considerado o maior financiador mundial de ações climáticas em países em desenvolvimento. A expansão do mercado global de créditos de carbono via Banco Mundial vem auxiliando 15 países, que integram o Mecanismo de Parceria para Carbono Florestal da organização, com foco na redução do desmatamento e conservação florestal, do qual o Brasil não faz parte, para produção de mais de 126 milhões de créditos até 2028 e que podem render US$ 2,5 milhões. Contudo, o Brasil não ficou de fora e este ano assinou memorando de entendimento com o Banco Mundial para promover a redução e remoção da emissão de GEE no setor privado, com compensação de carbono.
As reduções de emissões decorrentes de recuperação da degradação florestal e gestão de florestas – consideradas prioritárias para limitar o aumento da temperatura global também ajudará o Brasil e outros países dotados de florestas, como Costa Rica, Gana e Camboja, a cumprirem as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) ou metas governamentais de âmbito nacional para reduzir suas emissões de GEE, dentro do Acordo de Paris, que vem servindo para reduzir os impactos climáticos e impulsionar o crescimento do mercado de créditos de carbono.
A literatura sobre os impactos dos créditos de carbono nas estratégias ESG ainda é escassa, mas um destes estudos pondera que “ainda são necessários mais esforços científicos para abordar e aprofundar as implicações do paradigma ESG na redução das emissões de carbono na indústria. Uma das principais restrições à transparência acaba sendo a discricionariedade em torno da divulgação de características baseadas em ESG pelas empresas”[2].
[1] Barata, A.; Cimino, A.; Longo, F.; Solina, V.; Verteramo, S. O Impacto das Práticas ESG na Indústria com Foco nas Emissões de Carbono: Insights e Perspectivas Futuras. Sustentabilidade 2023 , 15 , 6685. Disponível em https://doi.org/10.3390/su15086685