O Congresso aprovou, em dezembro passado, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício de 2024 com muitos embates entre os Poderes Legislativo e Executivo e também pontos de atenção para a sociedade. Um alerta crucial é sobre os valores extravagantes destinados ao “fundão”, um mecanismo de financiamento público de campanhas eleitorais que pouco garante a democratização da política e o cumprimento das regras de fiscalização que o próprio Congresso aprovou.
Iniciado o ano de 2024, a Presidência da República publicou a sanção parcial da LDO. Entre os vetos impostos está o cronograma obrigatório para o empenho de emendas impositivas até o primeiro semestre deste ano. Na prática, o que os parlamentares desejam é que, até o dia 30 de junho, todas as emendas que eles indicarem sejam empenhadas, haja vista as eleições em 6 de outubro.
O cronograma é uma forma de garantir que seus redutos eleitorais sejam agraciados com as emendas destinadas por eles e, em troca, que colham os frutos nas urnas, com a eleição deles mesmos como prefeitos ou de seus aliados. Um argumento que eles usaram para impor esse cronograma é que existe demora e falta de vontade do Executivo em pagar as emendas destinadas, o que implicaria em falta de entregas importantes para estados e municípios.
É certo que já há articulação para a derrubada desse veto quando voltarem os trabalhos no Congresso, em fevereiro. São cenas dos próximos capítulos, mas que merecem ser acompanhadas com muita atenção.
Essa queda de braço entre Executivo e Legislativo, sobre quem tem mais poder de decisão em relação ao outro, em nada contribui para a melhor aplicação das verbas públicas. O destinatário final, o cidadão, perde quando o objetivo dos Poderes se torna única e exclusivamente o fortalecimento de si próprio.
Um veto que deveria ter acontecido, dentro da LDO, é com relação ao fundo eleitoral (Fundo Especial de Financiamento de Campanha, ou FEFC). Ele é chamado de ”fundão” não à toa, já que o valor aprovado para as eleições 2024 foi de R$ 4,9 bilhões, montante que ultrapassa o dobro das últimas eleições municipais, em 2020. O que justifica esse inchaço? Por que não houve o veto específico dessa demanda, já que o impacto no orçamento é grande? O que mudou em quatro anos para que o fundo eleitoral precisasse ter o incremento de mais de 100%? O número de prefeitos e vereadores dobrou?
Junto com as emendas impositivas, o fundo eleitoral faz parte do combo que os partidos políticos, em especial aqueles com maior número de deputados, utilizam para lastrear suas intenções eleitorais. Com a vedação do financiamento de campanhas por empresas, em 2015, o fundo eleitoral se tornou necessário, haja vista que existem despesas para que candidatos e candidatas se viabilizem e participem do sistema eleitoral. Ele também garante que partidos menores tenham condições mínimas de concorrer com os gigantes do Congresso.
Seria uma forma de equilibrar o jogo, mas isso parece estar longe de acontecer. Com um fundo eleitoral de quase R$ 5 bilhões no total, PT e PL serão os partidos que receberão os maiores valores. Juntos, terão R$ 1,5 bilhão para suas campanhas municipais. Talvez esteja aí uma das razões pelas quais não houve veto a esse dispositivo na LDO, ainda que a proposta inicial do governo federal tenha sido um valor de R$ 900 milhões.
É inaceitável que partidos políticos usufruam de valores extravagantes de recursos públicos para custear campanhas milionárias, especialmente porque o controle social da destinação e dos gastos é muito pequeno. Fora isso, quando não cumprem a legislação, são os próprios partidos que buscam a autoanistia.
Aconteceu em 2022, com a aprovação PEC 18/2021, e tentaram fazer novamente no ano passado, com a PEC da Anistia (PEC 9/2023), para que não fosse aplicada nenhuma sanção àqueles partidos que descumprissem a destinação de recursos para candidaturas de mulheres e de pessoas negras, além daquelas legendas que apresentassem irregularidades na prestação de contas.
De maneira geral, o que vemos é o aumento estrondoso do fundo eleitoral, alavancado pelos partidos, que não se preocupam em ouvir a sociedade nem em cumprir a destinação equilibrada de recursos para que pessoas que são historicamente rechaçadas da política institucional consigam se eleger. Para completar, os próprios parlamentares ainda propõem e aprovam anistias aos erros que cometeram.
Existe um princípio do Direito de que ninguém pode se valer da própria torpeza, ou seja, ninguém pode praticar algo errado ou incorreto e ainda se valer de tal conduta em benefício próprio. Parece que o Congresso Nacional ignora esse princípio quando se trata do financiamento público de campanhas.
O Brasil pouco olha para as normas que regem o país. Não atende à necessária participação social na tomada de decisões, como prevê o artigo 13.1.a da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (UNCAC), muito menos tem adotado as medidas necessárias para aumentar a transparência relativa ao financiamento de candidaturas, como disposto no artigo 7.1.3 do mesmo tratado, integrado ao nosso ordenamento desde 2006 pelo Decreto 5.687.
Precisamos de mais esforços de garantia de transparência, de participação da sociedade e de controle social sobre o orçamento público e a destinação dos recursos para as campanhas eleitorais. Em ano eleitoral, a atenção deve estar redobrada. Não pode existir um faz de conta de divulgação de informações, muito menos a autoanistia por quem faz a lei e depois a descumpre. O orçamento público precisa ser destinado para aquilo que beneficia a sociedade, não podendo servir a interesses de grupos específicos, sob pena de incidir em práticas contrárias às normas e em prejuízo geral para o país.